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OPINIÃO | Balanço da derrota e cenários estratégicos no pós-impeachment

Escrevo esse artigo nos momentos finais da votação do impeachment pela câmara dos deputados. Certamente amanhã e nos próximos dias uma série de debates, conversas, artigos expressará que essa foi uma das farsas mais mal interpretadas já vistas na política brasileira (não pouca façanha, portanto), tornando essa ideia lugar comum.

quarta-feira 20 de abril de 2016 | Edição do dia

Apesar de o impeachment ainda ter que passar pelo senado antes do afastamento provisório da presidente, e ainda voltar à câmara, essa primeira votação torna o futuro político de Dilma Rousseff na presidência virtualmente selado.

Com o impeachment ocorre um avanço bonapartista da direita contra os trabalhadores. Isso se dá porque o impeachent é o sequestro do voto de centenas de milhões por uma bancada de 500 parlamentares que vivem, pensam e sentem como empresários e estão envolvidos em diversos esquemas de corrupção, desvio de verbas, torturas, homicídios. Esse avanço bonapartista, no entanto, não é um raio no céu azul, não caiu do céu, mas foi alimentado e fortalecido pelos governos do PT, que utilizaram o mesmo fisiologismo e os mesmos métodos corruptos do capitalismo para governar enquanto promoviam Cunha, Feliciano, Malafaia e congêneres.

O papel dos trabalhadores conscientes a partir de agora é entender o acontecido, fazer um balanço dessa batalha particular, para se organizar para os próximos conflitos que tendem a ser cada vez mais duros.

Qualquer balanço dessa batalha não pode deixar de expressar que ela foi uma importante derrota para os trabalhadores. Não entender que com a vitória da manobra reacionária do impeachment a direita mais tacanha, aquela que de forma mais direta e sem mediações busca atacar os trabalhadores, ganha uma importante trincheira que fortalece suas posições para esses ataques é não enxergar o teatro de operações onde se desenvolvem os conflitos com a acuidade necessária. Não entender a derrota que essa manobra reacionária significa, o retrocesso e fechamento dentro da democracia burguesa, impede que possamos organizar os movimentos táticos corretos para o próximo período.

No entanto, entender o nível de gravidade da derrota e não superestimá-lo também é fundamental. Entender essa como uma derrota parcial, limitada. O discurso de golpe propalado pelo petismo, onde ora esse golpe é institucional, hora associado à luta contra algo análogo a uma ditadura militar, não pode confundir-nos frente as grandes tarefas que se projetam para o próximo período.

Nesse sentido, devemos ter bem claro que essa derrota por hora sofrida em nada é semelhante a derrota que existiria se houvesse um golpe militar vitorioso no Brasil. Uma derrota nesse sentido seria uma derrota categórica do movimento operário, de juventude, dos oprimidos, derrota da qual seriam necessários anos para a recuperação.

Agora não é assim. Importante derrota, mas que em nada significa uma derrota categórica. A direita se encontra melhor posicionada, conquistou uma importante trincheira, avançou em suas linhas ofensivas, mas nada está perdido. O conflito recomeça com uma direita melhor localizada, mas com uma correta tática de defesa ativa, que prepare no imediato o contra-ataque, ainda é possível ao movimento de massas avançar posições a partir dos novos ventos soprados pelas jornadas de junho, que inauguraram um novo momento da luta de classes no país.

O impeachment significa superação da crise política? Um governo que prepara novos ataques, mas menos legítimo...

Partindo desse balanço do acontecido, esclarecendo o significado do impeachment para a correlação de forças na luta de classes, temos que buscar analisar os elementos estratégicos que aparecem como tendências predominantes para formarmos um quadro provável para o próximo período dos conflitos.

A primeira coisa a termos claro é que o impeachment está longe de ser uma resposta contundente por parte da burguesia nacional que feche pela direita o novo momento da luta de classes que se abriu após as jornadas de junho.

A crise política que viveu o governo Dilma de forma quase permanente desde sua reeleição é expressão distorcida desse novo momento. O impeachment, como manobra reacionária, no entanto, não tende a criar um governo mais estável, com menos crises, pelo contrário.

O governo de Michel Temer tende a sofrer com maiores e não menores crises políticas. Isso porque não só por programa político, mas também por pressão da realidade, esse governo será obrigado a desferir ataques mais rápidos e mais profundos sobre a classe operária, a juventude e os oprimidos.

A única justificação que teria a burguesia nacional para que buscar manobra tão arriscada para sua dominação seria colocar no lugar do governo petista um governo que assumisse a tarefa de acabar com os direitos trabalhistas e sociais conquistados na década de 80 e que se expressaram na constituinte de 88. A tempos vem fazendo a burguesia nacional o debate sobre a necessidade de reformar os direitos expressos na constituição; a crise econômica, no entanto, parece ter influído para que um setor mais incisivo da patronal decidisse que era hora de passar das palavras aos fatos.

O governo que se colocará a perpetrar esses ataques, no entanto, será muito menos legitimo, sofrerá muito maiores contestações, posto que para atacar de forma tão aguda não contará com a legitimidade que dá o voto popular na democracia burguesa.

Assim, num momento em que a luta entre as classes tende a se agudizar muito a ferramenta que utilizará a burguesia para desferir esses ataques terá muito menos capacidade de servir de instrumento de exercício de hegemonia política. A saída será, possivelmente, a utilização dos instrumentos repressivos de forma mais direta. Esse pode ser também um fator que acelere os conflitos e embates sociais.

Porém, com uma massa crítica reacionária mais expressiva e consolidada num setor da pequena-burguesia

Essa maior instabilidade e menor capacidade de exercício de hegemonia por parte de um governo presidido por Michel Temer, no entanto, deve ser também relativizada. Se parece evidente que um governo não eleito tende a contar com menos capacidade de legitimar ataques agudos as massas, não se deve esquecer que quase certamente ele contará com o apoio de setores massivos da pequena-burguesia reacionária que bancou e foi para as ruas pelo impeachment.

Mesmo que seja necessária uma cada vez maior utilização da força direta para garantir os ataques e uma mínima estabilidade para o governo, preterindo assim os instrumentos de consentimento e hegemonia, esses ataques tendem a contar com a legitimidade desse setor da pequena burguesia, pelo menos num primeiro momento de euforia e sentimento de vitória, e até que a continuação da crise econômica não afete diretamente seus bolsos.

A continuação da crise econômica e as contradições do apoio da pequena-burguesia ao governo Temer

Um setor da pequena burguesia tende a apoiar o próximo governo, mas não de maneira permanente. Oscilante como é por "natureza" essa classe social ela pode rapidamente tirar o apoio do governo Temer com os impactos da crise econômica, que deve se aprofundar e não se resolver no próximo período imediato.

Além desse fator temos que considerar que também por "natureza" a pequena burguesia é uma classe dividida e que setores dessa classe se colocaram contra o impeachment, ou apoiaram as lutas dos secundaristas, ou outras pautas progressistas, sendo base para uma ruptura de setores mais amplos com um futuro governos Temer.

Apesar de ter sido colocado no poder como forma de tentar resolver a crise econômica dentro do ponto de vista da patronal, com ataques mais duros e diretos aos trabalhadores, que recomponham a taxa de lucro, é extremamente improvável que essa resolução da crise se dê de forma rápida. Isso tanto por fatores externos quanto internos; a crise internacional continua, e agora ataca de forma mais contundente os países periféricos do capitalismo, a crise no Brasil sendo apenas uma de suas expressões, em nosso país esses ataques tendem a encontrar ampla resistência entre os trabalhadores e oprimidos.

Assim, a continuação e aprofundamento da crise econômica tende a ser um fator que crie ainda mais instabilidade em um governo mais frágil e com menor capacidade de exercer hegemonia.

Uma possível "guinada à esquerda" dos movimentos sociais e dos sindicatos ligados ao petismo?

Após 13 anos será a primeira vez que a burocracia petista ligada aos movimentos sociais e aos sindicatos se verá alijada desse grande instrumento de enriquecimento e negociatas que é o executivo nacional.

É improvável, portanto, que esses setores ficarão inertes frente a esse profundo ataque a suas posições. As ameaças feitas por setores da burocracia de que vão "incendiar o país", de que "haverão lutas" não devem ser entendidas, assim, como meras bravatas. É bem possível que para continuar a justificar sua existência, como tentativa de responder a esse ataque por parte da direita mais reacionária e reconquistar assim parte de suas posições e mesmo para não perder ainda mais espaço, como forma demonstrar para a patronal que diferente de Dilma eles não se veem como “cartas fora do baralho”, setores da burocracia tendem a se colocar em movimento contra os ataques da patronal.

O futuro do PT aqui será a grande incógnita. Saíra desse processo em frangalhos ou como força atuante no cenário político, apesar de certamente enfraquecido? Uma resposta hoje a essa questão só pode ser temerária.

A burocracia sindical é parte da construção desta derrota, pois ignorou as lutas operárias e as isolou e traiu quando elas ameaçavam sair do controle contra "seu" governo. Fortaleceram a direita ao frear o desenvolvimento da luta de classes porque tem mais medo dos trabalhadores que da direita.

Portanto apesar de termos que analisar cuidadosamente qualquer movimentação dessa burocracia frente a um futuro governo Temer, realizando inclusive frentes únicas quando essas se coloquem como necessárias, temos quer ter claro que qualquer frente-única com a burocracia só é legítima se ela é uma ferramenta para desmascará-la frente aos trabalhadores. A luta contra uma possível tentativa de a burocracia sindical se relegitimar será uma das tarefas centrais no próximo período.

A incapacidade da esquerda de expressar uma alternativa

A grande ausente até aqui em toda a trama foi a esquerda organizada, dita "anti-governista". Não conseguindo formular uma política claramente independente, incapaz de se colocar como alternativa, caindo hora no canto petista, hora (pasmem!) no campo da direita, a esquerda não petista até aqui jogou um triste papel em toda crise.

É necessário que com o desenrolar da crise e seu tendencial aprofundamento a esquerda busque se apresentar como alternativa independente, se colocando claramente contra a ofensiva reacionária (não repetindo o grave erro de não se posicionar claramente contra o impeachment), mas ao mesmo tempo guardando independência política do petismo.

Essa independência política em relação ao petismo e as burocracias proto-petistas nos movimentos sociais e sindicatos não significa que não possamos e devamos fazer frentes-únicas parciais contra os ataques, muito pelo contrário, essas se tornarão mais e mais necessárias; mas sim em apresentar uma saída independente para a crise política e econômica, que hoje passa por defender uma assembleia constituinte livre e soberana sobre as ruínas do regime, como resposta política hegemônica dos trabalhadores.

O papel dos revolucionários no próximo período da luta de classes: organizar uma frente única de defesa ativa contra cada ataque econômico e político preparando imediatamente o contra-ataque

É papel da esquerda que se reivindica revolucionária, entendendo a situação em que nos encontramos, reconhecendo a importante derrota sofrida, mas entendendo também que essa derrota esta longe de ser concludente, preparar um plano de luta, um plano estratégico, para enfrentar as próximas batalhas que se avizinham nas novas condições dadas.

Entender que nós trabalhadores sofremos uma derrota numa batalha importante, mas não decisiva, implica em reconhecermos como tarefa imediata a reorganização das tropas de nosso campo, o impedir seu desagregamento e estabelecer novos laços de unidade.

A luta passa agora no imediato para um momento de defesa ativa, mas numa defensiva tática que com golpes habilidosos prepara diretamente o contra-ataque. Contra cada ataque anunciado na "ponte para o futuro" de Michel Temer contra nossos direitos e salários, contra cada elemento de fechamento do regime e ataque as liberdades democráticas de nossa classe, devemos exigir dos movimentos sociais e burocracias sindicais que tanto bradaram contra o golpe que movam seu forte aparato numa verdadeira batalha de classe, como a que não deram contra o impeachment.

Contra o ilegítimo e antidemocrático, ajustador e corrupto, governo de Michel Temer que deve a se colocar no lugar de Dilma devemos exigir e preparar uma greve geral que não só defenda nossos direitos, empregos, salários, mas também nossas liberdades democráticas, que serão ainda mais atacadas num governo mais frágil.

Esse é o programa de frente-única defensiva que devemos colocar para lutar contra o próximo governo. Nós revolucionários, no entanto, devemos avançar um programa nosso, independente, que dê uma resposta global e hegemônica de nossa classe às crises econômica e política. Insisto, apenas uma assembleia constituinte livre e soberana, sobre as ruínas desse regime podre, que acabe com as instituição bonapartista da presidência, a casa de representantes reacionária que é o senado, em que todo político ganhe como uma professora, onde o judiciário também seja eleito e todos seja revogáveis e em que os revolucionários gozem de ampla liberdade para defender um programa transitório para a crise, pode dar uma saída de fundo para a grave situação em que nos encontramos.


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