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GREVE DAS ESTADUAIS PAULISTAS | Ato por cotas reúne centenas em meio à greve da USP

Nem a chuva, nem o vento impediram cerca de quinhentos estudantes e trabalhadores da USP de realizar um importante ato em meio à sua greve exigindo a imediata implementação de cotas para negros e indígenas na universidade. A pauta está presente entre as principais reivindicações da greve.

sexta-feira 20 de maio de 2016 | Edição do dia

Mesmo com a lei que implementou as cotas em todas as universidades federais, USP e Unicamp continuam ressaltando seu caráter racista e elitista, até hoje se negando a implementar cotas em seus vestibulares. Ao longo dos anos, mil e uma manobras foram inventadas por seus conselhos universitários para tentar camuflar seu racismo e fingir que estão abertos à democratização, como foi o caso do ridículo “inclusp” do reitor da USP, João Grandino Rodas, que em nada mudou o filtro social racista da universidade.

Argumentos dos mais racistas foram já utilizados abertamente nos conselhos universitários dessas instituições, como de que com a entrada de mais negros as universidades ficariam “mais violentas” ou de que cairia o seu nível, para sustentar sua política de manter a todo custo negros e indígenas sem ter acesso a ingressar como alunos dessas universidades, espaços dedicados à formação dos filhos da burguesia branca paulista.

Mas a greve das estaduais paulistas está mostrando que não vai mais aceitar a política da Casa Grande dos burocratas que comandam as estaduais paulistas. Trabalhadores e estudantes têm aprovado unanimemente em suas assembleias a inclusão da exigência imediata da implementação de cotas como eixos prioritários da greve que está em pleno ascenso, com novos setores aderindo a cada dia, e tende a ser a mobilização mais expressiva nas universidades paulistas desde a histórica greve contra os decretos de Serra em 2007.

Ontem, trabalhadores e estudantes da USP realizaram o primeiro ato que colocou contundentemente esta pauta como mobilização. Foram cerca de quinhentas pessoas que fizeram uma passeata dentro do campus Butantã da USP, e se dirigiram para a reitoria da USP. Foram delegações de diversas faculdades mobilizadas, como Letras, Educação, Enfermagem, Geociências, História, Geografia, além do Sindicato de Trabalhadores da USP (Sintusp), DCE, Centros Acadêmicos, Núcleo de Consciência Negra, Secretária de Negras e Negros e Combate ao Racismo do Sintusp, Levante Indígena da USP, Ayreni – Grupo de Narrativas Indígenas, entre outros.

O movimento negro vem ganhando cada vez mais força dentro da USP e cada vez mais o movimento estudantil e de trabalhadores têm tomado para si as demandas do povo negro; além disso, ganha peso também cada vez mais a organização dos estudantes indígenas, representando os povos originários de nosso país, e que estão lutando por suas demandas dentro da universidade que, como disse Márcia Mura, doutora em História pela USP e lutadora do povo Mura, um dos que mais duramente resistiu contra os colonizadores, “Essa universidade foi construída em território indígena”.

Além da exigência por cotas, o ato denunciou a perseguição racista que a reitoria pratica todos os dias de diversas formas. Uma das mais remarcadas e presentes na USP é a terceirização, que impõe condições de trabalho e salários de semi-escravidão, e cujo aprofundamento e ampliação faz parte dos planos prioritários da reitoria e governo, combinando-se com o enxugamento dos trabalhadores efetivos da universidade – tudo pautando-se pelo modelo “americano” de universidade. Por isso, setores como o Sintusp e os Centros Acadêmicos de Letras (Caell) e Educação (CAPPF) defendem a efetivação sem concurso de todos os trabalhadores terceirizados.

Odete, diretora do CAPPF e militante da Faísca – Juventude Revolucionária e Anticapitalista, disse ao Esquerda Diário: “Em uma universidade tão racista quanto a USP, a demanda por cotas mostra todo seu potencial explosivo, batendo de frente diretamente com o regime universitário que fará de tudo para impedir que cada negro e indígena entre nessa universidade. Precisamos deixar claro que não vamos arredar o pé enquanto não conquistarmos as cotas, e que vamos por mais: é necessário a permanência estudantil plena. Ataques como os que a reitoria faz hoje com o fechamento das creches e desvinculação dos hospitais universitários atingem sobretudo as mulheres negras, estudantes e trabalhadoras. Sem a permanência estudantil é impossível uma educação de qualidade e para todos, por isso nossa luta também é por isso, e reivindicamos muito o exemplo da ocupação da sede da SAS (Serviço de Assistência Social da USP), contra as agressões machistas na moradia e pelas demandas de permanência. Também consideramos que, uma vez conquistadas as cotas, não podemos parar por aí, porque enquanto houver um estudante excluído da universidade, esse estudante será negro. Por isso é necessário acabar com o vestibular e estatizar todo o ensino privado sob controle dos trabalhadores e estudantes. Essas lutas são dos negros, dos indígenas e de todos os que defendem a universidade pública. Nesse sentido também combatemos o governo golpista de Temer, cujo ministro da educação já anunciou a intenção de cobrar mensalidades nas universidades públicas. É um projeto oposto ao nosso, um projeto de cada vez mais exclusão dos negros e indígenas, e não vamos permitir que passe.”

Também conversamos com Flávia Toledo, do Caell e também militante da Faísca, que afirmou que “A nossa luta em defesa do povo negro está pautando com muita força a questão das cotas dentro da USP, mas não podemos nos limitar a isso. Estamos dando uma batalha dentro do movimento estudantil da USP, e nos enfrentando com setores como o DCE da USP, para que nossa greve se unifique cada vez mais e cotidianamente com os estudantes secundaristas, que tem sido linha de frente na luta pela educação, ocupando escolas em estados como São Paulo, Rio, Rio Grande do Sul, Ceará e agora Paraná. Em muitas dessas lutas são os negros que estão na linha de frente. Nessa semana um ato unificado das universidades e secundaristas foi duramente reprimido pela polícia, mostrando que a linha dura de Alexandre de Moraes, ex-secretário de Segurança Pública de São Paulo e atual Ministro da Justiça de Temer, já está com tudo a partir da posse do golpista Temer. Essa é a mesma polícia que mata cotidianamente a juventude negra nas favelas, que ao lado de jagunços expulsa os indígenas de suas terras, que cotidianamente mata, tortura e reprime para defender a propriedade privada e os interesses dos ricos. Sabemos que para acabar com isso, só com a força da classe trabalhadora. Por isso, a partir da juventude, queremos colocar todo nossa energia e entusiasmo para alavancar uma greve nacional que possa despertar as lutas operárias, que possa ser o ponto de partida para lutarmos por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana para varrermos de vez os golpistas racistas, os conselhos universitários, e avançar para combater de fato o racismo em todas as suas manifestações.”

Brandão, diretor do Sintusp, demitido político pela reitoria e militante do Movimento Nossa Classe, ressaltou ainda como a perseguição política e sindical se abate com ainda mais peso sobre os lutadores negros na universidade, como ele próprio, outros diretores do sindicato processados, tais como Pablito e Zelito, outros demitidos políticos, como Givanildo, etc.

Pablito, diretor do Sintusp e da Secretaria de Negros e Combate ao Racismo, ressaltou também a condição de trabalho dos trabalhadores do bandejão, unidade onde trabalha, onde a maioria dos trabalhadores se encontra com lesões e doenças pelo ritmo frenético de trabalho, e onde ataques racistas contra os trabalhadores são frequentes, como no caso em que uma chefe chamou uma funcionária de “negra fedorenta”.

O Esquerda Diário conversou com Pablito, que nos disse que “A luta por cotas é fundamental para questionar essa estrutura de poder reacionária e racista, esse Conselho Universitário que representa a burguesia branca que comanda a universidade em defesa de seus próprios interesses e contra os trabalhadores. Esses são os descendentes dos senhores de escravos que, há pouco mais de um século, e amparados pela lei e pelo estado, mantinham nesse país o maior regime escravocrata que já existiu na humanidade. A escravidão cumpriu um papel fundamental para o acúmulo de riquezas não só dessa burguesia, mas das burguesias dos países imperialistas, como França, Inglaterra, Espanha, Portugal, e a marca da chibata sobre as costas dos negros está marcada em cada avanço da revolução industrial feita às custas do trabalho escravo. Temos que nos inspirar na luta histórica do povo haitiano, que com sua revolução aboliu a escravidão e criou a primeira república negra da história. A burguesia que se apoia no trabalho terceirizado e negro nessa universidade é a mesma que hoje está a frente do golpe institucional, cujos efeitos serão sentidos sobretudo pelos negros: ataques a direitos trabalhistas e direitos sociais se farão sentir sobretudo sobre o setor mais explorado da classe trabalhadora, que são os negros, e, sobretudo, as mulheres negras. Por isso é fundamental nos apoiarmos nas greves da educação para colocar de pé uma luta nacional contra esses ataques.”

Foram lembrados os ataques da Polícia Militar e da Guarda Universitária contra estudantes e trabalhadores que protestam e exigem cotas no campus, como na recente prisão de seis diretores do DCE que faziam uma colagem de cartazes por cotas. E também aqueles que são atingidos cotidianamente pelo racismo da polícia militar fora da USP, como o caso emblemático de Rafael Braga, preso nas manifestações de 2013 por estar com um frasco de Pinho Sol e que até hoje está atrás das grades.

Os coletivos de estudantes indígenas lembraram que a exigência de cotas para os representantes de centenas de etnias que há 516 anos lutam contra o genocídio e etnocídio praticados pelo estado contra eles é também uma pauta fundamental. Foi lido o Manifesto do Levante Indígena da USP, que coloca suas reivindicações e no dia 6 de maio foi entregue e protocolado na reitoria, que sequer se manifestou sobre as demandas apresentadas. Márcia Mura puxou a toré com todos os presentes ao som de “pisa ligeiro, pisa ligeiro, quem não pode com a formiga não atiça o formigueiro”, e explicando aos aliados presentes o significado da dança em que batem com o pé no chão para pedir a força dos ancestrais para sua luta.
Foram feitas apresentações artísticas, como dos estudantes de artes cênicas e o poema declamado por Márcia Mura. Abaixo, deixamos o vídeo da fala de Flávia Toledo durante o ato.




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