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ASSATA SHAKUR | Assata Shakur: Sobre socialismo e “comunismos”

quarta-feira 22 de junho de 2016 | Edição do dia

Assata Shakur é uma importante militante do movimento Negro, no qual atuou ativamente entre os anos 60 e início dos 70, tendo participado do Partido dos Panteras Negras e do Exército de Libertação Negra. Assata foi presa, acusada de matar um policial estadunidense e condenada a prisão perpétua, tendo passado por diversas prisões durante a década de 70, até conseguir fugir de uma prisão de Nova Jersey em 1979 e se exilar em Cuba em 1984. Assata vive exilada desde então e em 2013, aniversário de 40 anos da morte do policial, ela foi incluída pelos EUA na lista dos 10 terroristas mais procurados, tendo uma recompensa de 1 milhão de dólares por dicas que levem à sua prisão, que é maior que a soma de 9 dos 10 mais procurados nos Estados Unidos atualmente, aonde pode se encontrar informações procurando por seu nome de batismo, Joanne Deborah Chesimard.

Assata mudou de nome por não querer mais se identificar com o que considerava um “nome de escrava”, adotando assim o nome Assata Olugbala Shakur (o sobrenome utilizado por ela é devido a ter sido politicamente adotada por El Hajj Sallahudin Shakur, importante líder negro estadunidense) em 1971. “Meu nome é Assata (‘aquela que luta’) Olugbala (‘pelo povo’) Shakur (‘a agradecida’), e eu sou uma escrava fugida do século XX.”

Assata foi ligada a diversos grupos da luta negra, sendo os principais deles o Exército de Libertação Negra, o “Republic of New Afrika” (a escrita com ‘k’ quer demonstrar que “África” não é o verdadeiro nome do continente, mas que foi mudado depois da invasão do continente e da escravização dos povos africanos) e o maior deles o Partido dos Panteras Negras. Sobre os Panteras Negras, ela escreveu: “Uma das coisas mais importantes que o Partido fazia era deixar bem claro quem era o inimigo: não os brancos, mas os opressores capitalistas e imperialistas. Eles elevaram a luta pela libertação do povo Preto de um contexto nacional para um contexto internacional. O Partido apoiava lutas revolucionárias e governos em todo o mundo e insistia para que os EUA saíssem da África, da Ásia, da América Latina e também das periferias.”

Assata cursou a Faculdade Comunitária de Manhattan, onde teve contato com diversos grupos políticos que influenciaram sua trajetória, mesmo nunca tendo feito parte deles. Em 2001 lançou sua autobiografia “Assata Shakur: An Autobiography”*, em que, além de contar a sua trajetória de luta, perseguição e perseverança, fala sobre alguns temas que chamaram a sua atenção e um deles são as questões sobre o socialismo e o comunismo. Ela fica surpresa com a existência de tantos grupos diferentes que se reivindicavam marxistas “eu não fazia ideia de que existiam tantos tipos diferentes de comunistas e socialistas, que existiam marxistas, leninistas, maoístas, trotskistas etc. Minha lavagem cerebral foi tão forte que eu pensava que todos os comunistas eram iguais. A maioria dos comunistas que conheci não faziam parte de nenhum partido, apenas se identificavam com a filosofia do comunismo.”

No entendimento de Assata, que se dizia não ser contra o comunismo mas também não apoiá-lo, o comunismo não é uma “invenção do homem branco”, como diversos grupos queriam fazê-la acreditar, mas sim uma forma de entender as relações raciais associada as relações de opressão social, algo que ela começa a entender através da leitura de revolucionários africanos que viam a libertação do continente africano como um luta contra o capitalismo “Os revolucionários na África entenderam que a questão da libertação Africana não era só uma questão de raça, que mesmo que eles conseguissem se livrar dos colonialistas brancos, se eles próprios não se livrassem da estrutura econômica capitalista, os colonialistas brancos simplesmente seriam substituídos por neocolonialistas Pretos. Não houve um movimento de libertação na África que não estivesse lutando pelo socialismo. [...] Capitalismo significa que os empresários ricos possuem a riqueza, enquanto que o socialismo significa que o povo que fez aquela riqueza a possui.”

Esta concepção vai na contramão do que alguns pensadores que se reivindicam pan-africanistas e afrocentristas reivindicam atualmente. Para estes pensadores, a luta do povo negro se dá de fundo contra a “supremacia branca” e seus representantes, os brancos, independente se este branco é um trabalhador explorado pelo capitalismo assim como eles. Este entendimento faz com que os negros vejam as pessoas brancas como suas inimigas e as pessoas negras como suas únicas aliadas, sem que haja qualquer distinção entre elas, sem nenhum corte social que diferencial um branco trabalhador de um branco burguês e um negro burguês de um negro trabalhador. Esta ausência de diferenciação faz com que toda a estratégia defendia por estes grupos seja de independência do negro com relação ao branco e não das relações sociais e econômicas que o capitalismo e os brancos racistas construíram.

A opressão sofrida pelo negro não se resume a opressão de raça, mas também é uma opressão de classe e para Assata, este ponto era fruto de debates com outros militantes negros “Eu entrei em acaloradas discussões com irmãos e irmãs que falavam que a opressão do povo Preto seria apenas uma questão de raça. É por isso que você tem Pretos apoiando Nixon ou Reagan [presidentes do Estados Unidos durante a perseguição os negro no final das décadas de 1970/1980] ou outros conservadores. Pessoas Pretas com dinheiro sempre tenderam a apoiar candidatos os quais eles acreditavam que iriam proteger seus interesses financeiros. Na minha opinião, não precisou de muita inteligência para perceberem que o povo Preto é oprimido por causa da classe, assim como da raça, porque somos pobres e Pretos.”

Para ela, a meritocracia era um grande obstáculo a ser superado na disputa ideológica dentro dos grupos negros, pois muitos deles acreditavam nos discursos que legitimavam a ascensão de apenas uma parcela dos negros “Sempre me incomodava quando alguém falava sobre uma pessoa Preta subindo a escada do sucesso. Sempre que você fala sobre uma escada, você está falando sobre o topo e o fundo, uma classe superior e uma classe inferior, uma classe rica e uma classe pobre. Se você tiver um sistema com um topo e um fundo, o povo Preto sempre vai terminar na parte de baixo porque somos mais fáceis de sermos discriminados. Por isso que eu nunca consegui enxergar a luta por dentro do sistema.”

Diferente do que alguns pensadores afrocentrados e gaveístas disseram sobre o socialismo, que não servia por ser um “tentáculo” da supremacia branca, Assata Shakur segue o exemplo de outros negros revolucionários como Bobby Seale e Huey Newton (fundadores dos panteras Negras), Kwame Nkrumah (líder da frente de libertação de Gana e primeiro presidente de Gana), Amílcar Cabral (líder político de Guiné Bissal e da luta de Cabo Verde), Mario Pinto de Andrade e Agostinho Neto (líderes e importantes pensadores Angola) e Samora Machel (líder da FRELIMO que lutou pela independência do Moçambique e foi seu primeiro presidente) e reivindica o socialismo como uma saída para o povo negro “Eu comecei a me enxergar como socialista, mas de jeito algum eu poderia me ver integrando em nenhum do grupos socialistas com os quais tive contato. Eu adorava ouví-los, aprender com eles e debater com eles.”

Mas esta busca pelo socialismo não poderia se dar por fora da organização das negras e negros, como coloca León Trotsky, líder do exercito vermelho durante a Revolução Russa “Os revolucionários não devem jamais esquecer que o direito das nacionalidades oprimidas a sua autodeterminação [...] e o dever do proletariado é defender este direito com armas em mão, se necessário”. Esta frase de Trotsky, que pode ser encontrada no livro “A Revolução e o Negro” nos ajuda a pensar a tarefa que devem cumprir as classes trabalhadoras brancas: lutar lado a lado com os negros contra o racismo e o capitalismo. Este era o desejo de Assata Shakur: “Eu sentia, e ainda sinto, que é preciso que revolucionários Pretos se juntem, analizem nossa história, nossa situação atual e defina nós mesmos e nossa luta. A autodeterminação Preta é um direito básico e se nós não tivermos o direito de definir nossos destinos, então quem tem? Eu acredito que para conseguir nossa libertação, nós precisamos partir da posição de poder e de unidade e que uma organização revolucionária Preta, liderada por revolucionários Pretos, é essencial. Eu acredito na união com revolucionários brancos para lutar contra um inimigo comum, mas eu estava convencida de que precisava ser na base de poder e unidade”.

Trabalhadores negros e brancos devem lutar lado a lado contra o sistema capitalista e racismo que oprime a ambos cotidianamente, sendo que os negros sofrem duplamente com a opressão capitalista e as mulheres negras ainda mais quando adicionamos o machismo, que também afeta as mulheres brancas, a esta complexa equação. Mas não devemos esquecer que essas ideologias são formadas com dois propósitos: nos separar, para que não vejamos aos outros como também vítimas da opressão e para explorar a todos cada vez mais, aumentando assim o lucro que enche os bolsos dos capitalistas, sejam eles negros ou brancos, mesmo sendo estes últimos a maioria.

A luta de Assata Shakur vive em nós e através de todas as negras e negros presos, mortos ou acusados injustamente pelos estados racistas em que vivem. Que caiam imediatamente as acusações contra Assata Shakur e que libertem imediatamente Rafael Braga e os 17 presos na Angola.

*Trechos retirados do livro Assata: Uma Autobiografia (páginas 189-192 e páginas 203-207). Os trechos citados no texto acima foram traduzidos pelo autor e consultados e comparados nas seguintes fontes:

https://archive.org/details/Assata

http://www.udllibros.com/libro-una_autobiograf%EDa-U580020028

https://amigosdemumiamx.wordpress.com/2013/10/01/assata-shakur-un-muro-es-solo-un-muro-y-nada-mas-que-eso/#more-2041

http://www.rednosotrasenelmundo.org/Assata-Shakur-Una-autobiografia

https://www.diagonalperiodico.net/libertades/assata-shakur-nosotros-y-ellos.html

https://assatashakurpor.wordpress.com/

http://kilombagem.org/assata-shakur-para-meu-povo/

https://www.goodreads.com/author/quotes/57925.Assata_Shakur

http://info.nodo50.org/Assata-Skahur-Una-autobiografia.html




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