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25 de julho: ESPECIAL MULHERES NEGRAS | As religiões afro-brasileiras, o racismo e as opressões de gênero e sexualidade

Não é recente a perseguição religiosa sofrida pelos praticantes de religiões de matriz africana no Brasil, existindo diversos relatos de rituais religiosos interrompidos por intervenção policial, imagens e símbolos religiosos apreendidos e Mães de Santo presas ao longo da história. Além do racismo expresso nos ataques a essas religiões, existe também um cunho machista, visto que a umbanda e o candomblé podem ser em muitos aspectos, considerados religiões matriarcais

Bruna MottaMarília, SP

sábado 25 de julho de 2015 | 03:12

Nos últimos anos temos vivenciado uma onda de ataques às religiões de origem africana e afro-brasileiras que tem se intensificado desde o final do ano passado. Um dos casos recentes que ficou marcado foi no Rio de Janeiro, onde uma menina de 11 anos teve sua cabeça atingida por uma pedra ao sair do terreiro de sua avó com as roupas brancas que utilizou durante os rituais religiosos. A pedra foi arremessada por um grupo de jovens, que passaram desferir palavras agressivas em relação ao candomblé, à menina e sua família. Em relato, Kathia Coelho Maria Eduardo - avó da menina e Mãe de Santo - diz que os jovens carregavam bíblias debaixo do braço.

No Rio de Janeiro tem se fortalecido um grupo composto por traficantes, líderes religiosos e autoridades policiais, denominado "Guerreiros de Deus", e tem crescido o número de terreiros queimados e Mães de Santo expulsas das favelas por traficantes ligados a igrejas evangélicas. Também o grupo "Gladiadores do Altar", criado pela igreja Universal do Reino de Deus tem sido uma ameaça aos adeptos da umbanda e do candomblé.

Não é recente a perseguição religiosa sofrida pelos praticantes de religiões de matriz africana no Brasil, existindo diversos relatos de rituais religiosos interrompidos por intervenção policial, imagens e símbolos religiosos apreendidos e Mães de Santo presas ao longo da história. Mesmo após a umbanda e o candomblé serem considerados religiões no país e sendo garantido por lei o direito a diversidade religiosa, os umbandistas e candomblecistas não raramente estão sujeitos a piadas preconceituosas sobre sua religião e têm seus Orixás, Entidades e rituais religiosos comparados a símbolos demoníacos das religiões cristãs.

Esses ataques têm sido realizados com o consentimento do Estado, que historicamente apoiou de maneira aberta a perseguição religiosa, e que mesmo hoje com o seu verniz democrático, silencia sobre os casos de agressão não levando a frente as investigações.

Religiões de origem africana e o racismo

Não é coincidência que a intolerância religiosa se expresse, sobretudo em relação às religiões de origem africana e afro-brasileiras no Brasil: que apesar de ser país com a maior população negra fora da África, ainda é profundamente marcado pelo racismo.

A Teoria do Branqueamento Racial - que teve como um de seus principais entusiastas o médico e antropólogo João Batista Lacerda que foi diretor do Museu Nacional de 1895 à 1915 - foi uma adaptação brasileira das teorias racistas e deterministas europeias de meados do século XIX que afirmava a necessidade de branquear a população para que o país pudesse se modernizar e se desenvolver. Em 1911, J.B Lacerda foi designado pelo estado brasileiro para representar o país num "Congresso das Raças" ocorrido em Londres, no qual apresentou um plano para branquear toda a população brasileira em três gerações, partindo do pressuposto de a população negra não seria apta para civilização. Assim, vemos historicamente o grande esforço por parte do Estado e suas instituições de branquear também culturalmente o país, combatendo aspectos da cultura africana e afro-brasileira e apagando a luta das negras e negros da história do país.

Isso se dá pela necessidade de deixar a população negra sem referência de sua história e cultura, evitando que surjam novas organizações ou levantes da população negra tais quais as que surgiram ao longo de toda a história do Brasil, como Palmares, revolta dos Malês, revolta da chibata, colocando em risco a própria manutenção da ordem burguesa.

Frequentar espaços como os terreiros é entrar em contato com traços da luta e história das negras e negros no Brasil. As cantigas, o toque dos atabaques, as danças, as histórias de entidades como os Preto Velho que passaram pela escravidão, ou os Exús que não raramente foram vítimas da violência policial, nos coloca em sintonia com nossos ancestrais negros e em contato com a história de luta que precisa ser regatada.

As religiões afro-brasileiras e opressões de sexualidade e gênero

Além do racismo expresso nos ataques a essas religiões, existe também um cunho machista, visto que a umbanda e o candomblé podem ser em muitos aspectos, considerados religiões matriarcais.

Isso se dá em certa medida pelas condições de pobreza e desemprego que a população negra se encontrava após a abolição da escravidão, onde as mulheres, encontravam uma dificuldade menor - o que não diminui sua condição de exploração - de conseguir empregos em serviços domésticos ou como lavadeiras, quituteiras e feirantes, trabalhos esses que já na escravidão desenvolviam, somados ou não aos trabalhos agrícolas.

Essa situação coloca as mulheres em uma situação de independência financeira de seus maridos e com maior liberdade para exercer sua religiosidade. Juntando ao fato de que eram as mulheres negras que detinham o conhecimento sobre ervas medicinais, sendo responsáveis pelas curas de doenças dos povos negros que não tinham acesso a tratamentos da medicina tradicional, eram as mulheres as líderes religiosas. O lugar que as mulheres ocupam nessas religiões contrasta com o papel designado para a mulher em nossa sociedade

Outro aspecto a ser considerado é a forma como o feminino é tratado na Umbanda e no Candomblé, tendo importantes entidades mulheres, Orixás guerreiras, ligadas a força e a luta, quebrando com a ideia da mulher enquanto frágil ou submissa. São religiões que partem de uma outra moral sexual e familiar, diferente da moral cristã baseada no patriarcalismo e na família nuclear, que são bases fundamentais para a manutenção do capitalismo.

Nas religiões de origem africana e afro-brasileiras é comum histórias de famílias de Orixás bastantes fora dos padrões de família nuclear, de Orixás femininas como Iansã, que é uma Orixá de guerra e segundo a mitologia africana, se relacionou sexualmente com todos os Orixás homens, extraindo do relacionamento alguma qualidade do seu parceiro e logo após partindo para outra relação, ou de Orixás como Logum que não tem gênero definido, podendo ser homem ou mulher, dependendo do período do ano. E essas mitologias transmitem ideias que entram em conflito com uma moral de sexualidade feminina submetida ao masculino e um padrão de ideal de família nuclear e patriarcal.




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