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A intensa onda de violência que sacode desde quinta-feira passada a faixa ocidental e Jerusalém não caiu do céu. Ela vem sendo cozinhada em banho-maria pela política colonial do Estado de Israel, reforçada nos sucessivos governos de Netanyahu.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quarta-feira 7 de outubro de 2015 | 01:13

FOTO: EFE / Abed Al Haslhamoun

Ainda não está claro se se desencadeará um movimento de resistência ativo e persistente, como as duas intifadas de 1988 e 2000, mesmo que com características diferentes. Mas já se torna evidente que o conflito Israel-Palestina está entrando em uma nova etapa.

A sequência da escalada atual começou com a morte de quatro israelenses em dois ataques palestinos distintos durante o final de semana passado, atribuídos ao Hamas e à Jihad Islâmica.

O governo de Israel respondeu estreando as novas medidas de segurança aprovadas em meados de setembro. A "guerra contra os atiradores de pedras" do primeiro-ministro Netanyahu inclui o uso de balas de chumbo para reprimir protestos e penas de quatro anos de prisão para quem jogar pedras, o símbolo da origem da rebelião palestina contra a ocupação.

Netanyahu proibiu a entrada de palestinos na Cidade Velha de Jerusalém, ordenou um bombardeio limitado em Gaza, prendeu cinco palestinos acusados de pertencerem a uma célula do Hamas e de terem realizado um dos ataques e ordenou a demolição imediata das casas das famílias de dois supostos "terroristas", um castigo "exemplar", aplicado por qualquer estado colonial.

Levando em conta que a política do governo Netanyahu se reduz a esmagar o povo palestino, provavelmente a repressão estatal ainda não alcançou seu máximo.

A isso se somam os ataques dos colonos que tem bens diversos, desde casas e plantações de oliveiras até ambulâncias e hospitais. Um dos mais revoltantes foi o incêndio de uma casa em Duma, no centro da parte ocidental, no qual morreram três membros de uma família, incluindo um bebê de um ano e meio.

Os colonos exercem uma pressão tanto desde as ruas - por exemplo, na segunda-feira passada se mobilizaram diante da residência de Netanyahu em Jerusalém para exigir a expansão dos assentamentos- quanto desde a própria coalizão de governo, onde têm uma forte representação.

A dura resposta do governo israelense produziu uma onda de mobilizações nas proximidades de acampamentos de refugiados, postos de controle e assentamentos de colonos, protagonizadas fundamentalmente por jovens. A repressão deixou um saldo de ao menos dois adolescentes palestinos mortos e centenas de feridos, vários deles por disparos de balas de chumbo.

Apesar de que o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, mantém o acordo de cooperação em temas de segurança com as forças armadas israelenses, e que mesmo a polícia palestina atuou para conter as mobilizações, Netanyahu o acusa de ser o instigador da violência.

A pergunta quase obrigatória é se estamos no início de um novo levante palestino, uma terceira intifada, com epicentro na faixa ocidental e em Jerusalém. Desde alguns meses, talvez mais de um ano,isso é tema de discussão nas principais mídias.

Também nos escritórios dos serviços de inteligência sionistas e do governo palestino. Ainda que a intensidade e o nível de violência e massividade pareçam estar longe dos levantes precedentes (devemos esperar uma repetição nos mesmos termos?) há um monte de mato seco e muitas faíscas para começar o incêndio.

Segundo uma pesquisa realizada em Gaza e na Cisjordânia entre 17 e 19 de setembro pelo Palestinian Centre for Policy and Survey Research, a popularidade do presidente palestino está baixa, bem como a expectativa por uma saída negociada. Alguns números indicam a dimensão do descontentamento. 65% querem que o presidente Abbas renuncie. Se as eleições fossem hoje, Ismail Haniyeh, o ex primeiro-ministro do Hamas venceria Abbas. Dois terços creem que a Autoridade Palestina não faz o suficiente para proteger as cidades palestinas dos ataques dos colonos, e se ofereceriam como voluntários para uma guarda civil que olhasse essas áreas.

Diante da inviabilidade de qualquer processo de paz, 57% apoiam o retorno a uma intifada armada. 51% se opõem à saída com dois Estados. E 42% creem que a forma mais efetiva de se estabelecer um Estado palestino (também ao lado de Israel) é mediante ações armadas, contra apenas 29% que escolhem o caminho da negociação.

Vários fatores explicam a queda na popularidade de Abbas e do Fatah, e a perda de legitimidade da Autoridade Palestina, começando porque o próprio Abbas assumiu a presidência como um peão da política de Israel e dos Estados Unidos. As declarações de Abbas diante das Nações Unidas sobre o fim do compromisso do lado palestino com o processo de Oslo são extemporâneas (o processo de Oslo já está bem enterrado há alguns anos) e absolutamente ineficazes para recompor parte de sua credibilidade, o mesmo que suas ameaças de abandonar a cooperação de segurança com o Estado de Israel. Além da corrupção escandalosa da AP no marco de uma deterioração significativa das condições de vida da maioria dos palestinos, principalmente na Faixa de Gaza, sitiada por Israel.

Mas talvez seja equivocado esperar uma reedição das "intifadas". Os enfrentamentos na faixa ocidental e em Jerusalém estão mostrando como a nova organização geográfica dos territórios palestinos e a debilidade política das direções tradicionais do movimento nacional palestino, estão influindo no caráter da resistência.

A expansão dos assentamentos de colonos mudou a configuração. As cidades palestinas estão mais fragmentadas e isoladas por muros, cercas, postos de controle, bases militares e caminhos exclusivos para colonos. Do ponto de vista político, não pesa apenas a ruptura entre OLP e Hamas, e o peso das organizações mais radicalizadas, mas também a maior autonomia de líderes locais.

A proximidade com os colonos, a política de "judaização" de Jerusalém no marco de um governo hegemonizado pela extrema-direita sionista, fazem quase cotidianos os enfrentamentos, já não apenas em cenários de mobilizações massivas, mas também protagonizados por grupos de jovens ou mesmo indivíduos. Isso faz com que qualquer incidente tenha o potencial de acender o pavio.

Pode ser que desta vez, entre a repressão de Netanyahu e a colaboração de Abbas se consiga conter. Mas a situação é a de uma panela de pressão no ponto de ebulição.

Estas são más notícias também para os Estados Unidos, o principal aliado do Estado de Israel, ainda que Obama e Netanyahu estejam em rota de colisão com o acordo com o Irã como o ponto mais alto de tensão, que tem levado Netanyahu a diversificar suas alianças de ocasião. Incluindo sua aproximação com a Rússia para evitar um choque desnecessário no território sírio, em particular nas Colinas de Golan.

Como se fosse pouco, a crise na Síria, a persistência do Estado Islâmico, a intervenção militar russa, a deterioração das condições militares no Afeganistão, a intensificação do conflito palestino-israelense adiciona um condimento picante ao caos político do Oriente Médio.




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