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CASO TAÍS ARAÚJO | As frases ditas à Taís Araújo: Uma análise do discurso

terça-feira 3 de novembro de 2015 | 23:44

“Entrou na globo pelas cotas”:

Existe uma luta hoje da juventude secundarista e universitária pela implementação de cotas em todo o país, nas universidades públicas especialmente. Essa reivindicação diz respeito a escancarar que, apesar dos crimes cometidos contra os negros no Brasil, não houve por parte do Estado (obviamente por ser representante dos mesmos que escravizaram os negros) medidas de reparação aos negros. Consideramos a luta pelas cotas uma importante iniciativa nesse sentido, e que apesar de não significar a democratização de fato das universidades – que só é possível conquistar com o fim do vestibular –, pela via da exigência de cotas proporcionais à população negra em cada estado cria condições de enfrentar em números o discurso da democracia racial, estimulando a autoidentificação de muitos negros que ainda hoje não assumiram sua identidade racial. A frase desta mula que cito acima o coloca lado a lado com o senhor de escravos, seus herdeiros e seus fantoches, todos juntos se cagando de medo que os negros passem a ocupar determinados espaços sociais que hoje são privilegiadamente brancos, como a mídia, a universidade, os parlamentos, etc.

“Pode ser mais clara?”:

Como disse no texto anterior, Gilberto Freyre fundou um pensamento no Brasil que depois foi nomeado de tese da Democracia Racial. Esse discurso ajudou a criar um sentimento de que não existem mais negros e brancos no Brasil, seríamos todos mestiços, e por isso não haveria sentido na reivindicação por justiça ou por igualdade racial. O problema dessa tese é que ela não corresponde à realidade concreta, onde negras e negros ocupam claramente espaços físicos e subjetivos completamente diferentes, divididos enquanto classe operária e, no caso dos negros, não pertencentes em maioria nas camadas da burguesia, que acaba por fazer de si o modelo estético padrão ao qual os negros devem perseguir. Assim, a tese da mestiçagem somada à realidade de opressão e super exploração faz com que a brancura da pele (mesmo que aliada a traços fenotípicos negros, como o cabelo crespo) seja sinônimo de beleza, sucesso e “bondade”. A polícia brasileira em sua cartilha, por exemplo, define uma “cor padrão” para os criminosos, que é claramente a cor negra. Ou seja, a cor da pele segue definindo sim o lugar social ocupado pelos sujeitos, assim como o grau de respeito e de respeito às normas padrão que ele ocupa.

“Como pode alguém achar bonito esse cabelo de Bombril”

Falei bastante sobre a questão do padrão de beleza acima, mas não poderia deixar de dizer que a própria globo é uma das principais porta vozes do padrão de beleza, inclusive com a insistência em criar personagens negras de cabelos alisados ou ao produzir programas com Zorra Total, Sai de Baixo (entre outros) que de maneira escandalosa ridicularizam negras, negros, migrantes e lgbts.
“Esse cabelo dá pra lavar a globo inteira”
Além de reproduzir a ideia de que o cabelo negro não é cabelo – logo somos menos ou nada humanos – essa frase produzida muito provavelmente por um/uma grande imbecil, se liga inclusive à ideia de que a negra é compatível apenas com o trabalho de limpeza.

“pensava q o Facebook era pra humanos não pra macaco.”

Ufff... Esse aí parou nas teses racistas da Eugenia, aplicadas inclusive por Hitler durante o nazismo na Alemanha. Essas teses atestavam que dependendo das qualidades genéticas de uma ou outra raça, o individuo seria dotado de maior ou menor grau de desenvolvimento humano. Essa tese considerava inclusive que os negros não falavam, mas grunhiam (única e simplesmente por incapacidade intelectual desses colonizadores que não os permitia estudar as línguas africanas), não se relacionavam como humanos, mas se violentavam e que eram dotados de modos de agir animais. A própria Igreja durante séculos defendeu essa tese, dizendo que o escravo negro poderia ser violentado sem limites porque por não ser humano e não ter alma, essa era a única maneira de lidar com ele. Além disso, é importante que se diga: infelizmente se vê menos no Facebook posicionamentos dignos de humanidade do que o contrário. Com a proteção que um espaço virtual gera, esses espaços de socialização de massas – muito importantes para a troca de informações da esquerda que a mídia não divulgaria – serve infelizmente para proteger racistas, misóginos e pedófilos em todo o mundo.

“Já voltou da Senzala?”

Essa frase prova que a escravidão, apesar de muitos burgueses e políticos dizerem que está muito distante e deixou poucas marcas, é tão presente hoje quanto o oxigênio e o gás carbônico. O indivíduo que produziu essa frase sabe que a elite cafeicultora que enriqueceu com a escravidão durante os 400 anos de escravidão no Brasil, se tornou o que é hoje a burguesia brasileira, representada por gigantes como a Camargo Corrêa, a Odebrescht, a JBS, entre outras, que apesar de não serem mais donas de escravos, produzem suas mercadorias se utilizando da mais aguda precarização do trabalho, inclusive com casos como o da Aurora, que recruta haitianos para trabalhar em suas fábricas em Santa Cantarina. Os recrutadores de negras e negros brasileiros precarizados no Brasil são auxiliados tanto pela direita como pelo PT, que de mãos dadas aprofundam a precarização do trabalho, flexibilizam os contratos e fornecem isenção de impostos para que esses capitalistas lucram mais. Quanto aos recrutadores de negras e negros haitianos, estes contam com o auxílio do PT que há 11 anos mantém as tropas brasileiras no Haiti garantindo a miséria e o desespero que os faz buscar refúgio no Brasil. As negras e negros de hoje são fruto das gerações que por 1 século e meio de “liberdade” ainda não conquistaram uma vida plena, com direito à saúde, educação, moradia e lazer.
Contra a lógica de que essas frases são manifestações individuais, isoladas e desconexas com a realidade, exaltamos a necessidade de que trabalhadores e juventude, negros e brancos, abracem a luta contra o racismo como parte de suas reivindicações de classe, situando-a como tema de suas greves de trabalhadores, como a efetivação dos terceirizados, e de estudantes, como a luta por cotas e pelo fim do vestibular, assim como em ambos os casos a conscientização da necessidade de fim das polícias, civis e militares, que são os cães de guarda dessa mesma burguesia, agentes portanto dela, e responsáveis pelos maiores índices de violência policial no mundo.




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