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COLUNA | As condições subjetivas da derrota e da paralisia

sexta-feira 19 de março de 2021 | Edição do dia

O canal da Boitempo no YouTube postou, há cerca de uma semana, o primeiro vídeo do quadro de Mauro Iasi em 2021. O dirigente do PCB faz uma analogia entre a atual situação política do Brasil e um texto de Lênin a respeito do refluxo que se seguiu à derrota da Revolução de 1905, texto ao qual, infelizmente, eu ainda não tive acesso. Por menos semelhantes que sejam o poder revolucionário do Soviete de Petrogrado e os governos de conciliação de classes do PT, a analogia se justificaria na medida em que uma derrota “paralisou” a classe trabalhadora e resultou em uma “enorme dificuldade” de mobilizá-la, mesmo que os sofrimentos das massas populares só aumentem, dia após dia, desde então.

Segundo a paráfrase de Lênin por Iasi, não é possível prever quanto tempo essa paralisia irá durar, já que a dureza da crise econômica não produz a consciência da necessidade de uma ação revolucionária por si só. As situações revolucionárias dependem de uma combinação de condições objetivas e subjetivas. Portanto, os revolucionários deveriam se preocupar menos com o que não podem fazer, ou seja, com tentativas de acelerar o desenvolvimento dos fatores objetivos, e mais com o que devem fazer: preparar as condições subjetivas para uma eventual mudança da situação política.

O problema é que, para Iasi, as causas da paralisia dos trabalhadores são estritamente ou, pelo menos, predominantemente objetivas, e não subjetivas. Iasi situa a derrota, à qual se segue a paralisia, em 2016. O golpe institucional, é verdade, foi o começo de um processo de degradação bonapartista do regime de 1988 que culmina, na prática, no fim deste regime. E, desde então, os golpistas foram bem-sucedidos em uma série de ataques contra a classe trabalhadora, como as reformas trabalhista e previdenciária, a lei da terceirização irrestrita, o teto de gastos e, mais recentemente, a PEC emergencial, entre outros. Mas, para tanto, não bastou o golpe nas alturas. Foi preciso ainda derrotar a resistência dos trabalhadores e de outros estratos da sociedade. Inclusive, uma sequência de paralisações nacionais pôs o governo Temer contra as cordas em 2017! Foi só depois que as centrais sindicais desmontaram a “greve geral” de 30 de junho que a desmoralização se abateu sobre os trabalhadores e a reforma trabalhista pôde ser aprovada, não porque nossas forças eram menores que as do inimigo de classe, mas porque fomos impedidos de lutar. Em outras palavras, esta derrota é paralisante porque foi por W.O.

Não há como preparar as condições subjetivas para um novo ascenso de luta das massas a não ser combatendo essas direções traidoras do movimento operário, que retroalimentam a paralisia e a desmoralização. Iasi, porém, nada diz a este respeito. Segundo ele, o papel da agitação seria simplesmente “dar forma política às insatisfações das massas”. Parafraseando o artigo de Lênin, Iasi afirma que não é hora de inventar palavras-de-ordem, ou de agitar aquilo que gostaríamos de fazer mesmo que as circunstâncias atuais não permitam fazê-lo. Se é assim, em que a agitação dos revolucionários se distingue da dos oportunistas? Evidentemente, é impossível combater as direções oportunistas de massas senão exigindo das mesmas uma luta séria e unitária em defesa das reivindicações dos próprios trabalhadores, por mais mínimas e elementares que possam ser. Mas o próprio Lênin dirá, em Esquerdismo, doença infantil do comunismo, que os comunistas não devem descer ao nível dos elementos politicamente mais atrasados da classe, e sim estender-lhes a mão e ajudá-los a subir. A agitação deve ter, portanto, um caráter transicional, ou seja, deve construir uma “ponte”, uma mediação entre as demandas mínimas dos trabalhadores e a necessidade de que estes conquistem o poder político.

Mas o grande limite da analogia é que, para Lênin, o principal fator objetivo que impediria a entrada em cena da classe trabalhadora é o reestabelecimento, ainda que temporário, do pacto entre as classes dominantes após a derrota da Revolução de 1905. No argumento de Iasi, Bolsonaro seria algo como um “elo débil” do pacto golpista. Parece até que, se Bolsonaro caísse, todo o resto colapsaria junto; logo, a classe trabalhadora deveria “criar condições para que o governo se inviabilize”. De maneira bastante contrária ao espírito de Lênin, Iasi afirma até que é preciso “atrair segmentos que orbitam o pacto”, o que só pode significar, em bom português, aliar-se a frações burguesas descontentes com o governo Bolsonaro. Curiosamente, o vídeo foi ao ar dois dias depois da anulação da condenação de Lula por Fachin, uma expressão gritante das crescentes divisões entre as classes dominantes.

O próprio Iasi admite que a burguesia preferiria um presidente mais habilidoso do que Bolsonaro. Se este é o caso, então, o impeachment diminuiria, e não aumentaria, as tensões entre as classes dominantes ao transferir a presidência a Mourão preservando a obra econômica do golpe e os poderes “tutelares” que o judiciário e os militares adquiriram desde então. Isto não é nenhuma alternativa à “inércia da ação institucional”, ou seja, a esperar até 2022. Neste sentido, a consigna de Assembleia Constituinte Livre e Soberana é indispensável para unificar as distintas lutas dos trabalhadores da cidade e do campo, da juventude que estuda e trabalha, das mulheres, negros, indígenas, quilombolas, LGBTs, etc., em luta política não só contra Bolsonaro, mas o regime do golpe em sua totalidade.




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