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O POETA DO BATEL EMBRIAGADO | Arthur Rimbaud: o jovem poeta que irá aonde quiser

Arthur Rimbaud, poeta que em plena adolescência revolucionou os ambientes underground e intelectual de Paris. A vida de um jovem rebelde que cresceu numa França convulsionada pelo apogeu do capitalismo e dos movimentos revolucionários.

quarta-feira 4 de novembro de 2015 | 00:00

É estranho escrever sobre a vida de Rimbaud, já que é impossível chegar a definições certeiras sobre o que significou sua relação com o ambiente intelectual e sobre sua própria forma de viver. Sua vida foi senão um grande paradoxo, entre sua libertina e marginal juventude, as marcas que deixou na literatura francesa, e sua vida adulta unida ao comércio imperialista.

Jean-Arthur Rimbaud nasceu em 20 de outubro de 1854 em Charleville, França. Seu pai era militar e sua mãe integrante da burguesia católica. Se algo ficava claro na infância de Rimbaud, é que não era um menino como os outros.

Desde jovem seus professores do colégio destacavam sua inteligência e talento. Paul Verlaine (de quem falaremos mais adiante) assegurava que aos 14 anos já tinha lido toda a poesia francesa disponível. Rimbaud pretendia revolucionar o fazer do poeta. Aos 16 anos em “Cartas do vidente”, expressou: “Quero ser poeta, e trabalho para converter-me em vidente: o senhor não compreenderá de modo algum, e eu quase não poderia explicar-lhe. Trata-se de chegar ao desconhecido pelo desregramento de todos os sentidos. Os sofrimentos são enormes, mas é preciso ser forte, ter nascido poeta, e eu me reconheci poeta”.

Nas características de Rimbaud se vê essa desregulação dos sentidos, o material mistura-se com o surreal, a vida cotidiana com o místico, o moderno e o selvagem se entrelaçam, suas metáforas não conduzem à realidade tal qual é, senão que pretendem dotar de um espírito poético, o material conduz ao desconhecido, e é nesta codificação, nesta carência de um ponto de chegada onde reside o espantoso de sua poesia. Embriagado em um mar de haxixe e absinto, utilizará estas substâncias para escapar da materialidade cotidiana.

Se há algo que expressa sua forma de viver nestes tempos, é sua rejeição à moral e aos costumes burgueses. Em “Movimento”, número 39 de suas “Iluminações”, ele descreve: “São os conquistadores do mundo / buscando a fortuna química pessoal; o esporte e o conforto viajam com eles; / conduzem a educação das raças, das classes e dos animais”. Além disso, pode-se ver seu aborrecimento com as mudanças suscitadas pela consolidação do capitalismo, em “Cidade” ele expressa: “uma metrópole que se supõe moderna porque todo gosto conhecido foi subtraído tanto dos mobiliários e do exterior das casas quanto do traçado da cidade”.

No mesmo poema, alguns versos mais adiante, ele escreve em alusão à classe operária e as zonas industriais: “desde minha janela, vejo novos espectros circulando através da espessa e eterna fumaça de carvão”. Podemos ver continuamente estas passagens de crítica social, de resistência às mudanças apresentadas de uma forma sombria, intercaladas sempre por versos onde ele joga com os sentidos transbordados e a percepção deturpada.

Em 1871, fugirá a Paris maravilhado pelos acontecimentos da Comuna, vagabundeando durante duas semanas na rua. “Um passo seu é o levante de novos homens e sua marcha”. Ali entrará em contato com os posteriormente denominados “poetas malditos”. Apesar de sua juventude, ele será bem recebido por este círculo, e inclusive Víctor Hugo o apelidará de “o jovem Shakespeare”.

Rimbaud desafiará uma vez mais à heteronormatividade da sociedade mostrando-se publicamente com Verlaine em uma época onde a homosexualidade era castigada penalmente. Este aspecto enlouquecerá a vários críticos literários que não podiam suportar que um gênio de tamanha excelência fosse homossexual, tentando por todos os meios heterosexualizar sua figura e sua poesia.

Porém sua estadia junto a Verlaine não será tranquila, este era constantemente humilhado por Rimbaud, a tal ponto que Verlaine seria encarcerado por atirar em seu pulso. Paradoxalmente, desta complicada relação nascerá sua mais famosa obra “Uma temporada no inferno”. Nela Rimbaud proclamaria “Há que ser absolutamente modernos”, uma espécie de tese sobre o papel do poeta e a poesia nesta nova sociedade. Anos mais tarde, na Alemanha, em seu último encontro com Verlaine lhe entregará uma série de poemas que este publicaria em 1886 sobre o título “Iluminações”.

No entanto, a passagem de Rimbaud pela literatura será fugaz. Em 1876 se alistará no Exército Colônia da Holanda, convertendo-se precisamente no que durante sua juventude detestava. Este será o começo de um longo roteiro em que ele desempenhará diferentes trabalhos, tornando-se finalmente traficante de café, peles e armas na Ásia e África.

Esta nota poderia ter sido escrita dando foco nos aspectos mais conhecidos de sua vida, sua constante vadiagem pelas ruas, seu vício em alucinógenos, suas idas e vindas constantes das prisões, sua violência e insubordinação, e sua embriaguez pública descontrolada. Entretanto queremos realçar o grande paradoxo de sua vida: a sua firme oposição à hipocrisia da sociedade, em que sua juventude e poesia foram um verdadeiro reflexo uma da outra e a sua metamorfose adulta em que sucumbiu ante o sistema comercial. Talvez neste sentido foi profética sua famosa frase “Eu é um outro”.

Tradução: Jonas Pimentel


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