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ARTE | Arte e revolução

"A independência da arte - para a revolução. A revolução - para a liberação definitiva da arte". Conclusões de um primeiro debate entre militantes artistas do MRT

segunda-feira 30 de janeiro de 2017 | Edição do dia

Leon Trotsky, revolucionário russo, organizador e comandante do Exército Vermelho, e o escritor André Breton, representante mais destacado de uma das correntes artísticas mais contestadoras do século XX, o Surrealismo, se encontram no México em 1938 para escrever a duas mãos o Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente, com o objetivo de conclamar artistas do mundo todo a conformarem a FIARI, Federação Internacional por uma Arte Revolucionária Independente.

Naquele momento a Europa era sacudida pelas forças contra revolucionárias. Nos países capitalistas onde a revolução foi desviada, a burguesia se utilizava de sua última cartada, o fascismo, para enterrar o movimento operário e suas conquistas. Enquanto que na União Soviética, avançava a burocratização contra a democracia direta das massas e de suas liberdades. A partir desses dois flancos contrarrevolucionários, advém uma feroz repressão a liberdade intelectual e artística, que se expressou tanto pela perseguição às correntes vanguardistas como quanto pelo controle direto do estado sobre a criação artística e intelectual. A arte e a intelectualidade se tornaram ferramentas de difusão e expressão desses totalitarismos, sendo submetidas a situação de fazerem propaganda “enganosa” destes.

“Não obstante, o mundo atual nos obriga a constatar a violação cada vez mais generalizada destas leis [leis que regem a criação intelectual, ver o texto Por uma Arte Revolucionária Independente], violação que corresponde, necessariamente, um envelhecimento cada vez mais notório, não só da obra de arte, senão também da personalidade “artística”. O fascismo Hitleriano, depois de ter eliminado da Alemanha todos os artistas que expressavam em alguma medida o amor a liberdade, ainda que somente formal, obrigou a quantos ainda podiam sustentar uma pena ou um pincel, a converter-se em lacaios do regime celebrado segundo ordens, dentro dos limites exteriores do pior convencionalismo. Deixando de lado a publicidade, tem ocorrido o mesmo na URSS durante o período de furiosa reação que hoje chega a seu apogeu”. Manifesto Por uma Arte revolucionária Independente.

Tanto a URSS estalinizada quanto os fascismos (alemão, italiano, francês etc.) e o capitalismo, buscaram na expressão artística formas tranquilizadoras para transmitir suas mensagens, para assim disciplinar o imaginário coletivo no sentido da conformidade com a realidade. E assim, ainda hoje, com o capitalismo, utilizam-se de linguagens simples e diretas que buscam falsificar a realidade a fim de amansar a sociedade, negando qualquer conteúdo crítico que possa leva-la a questionar seu status atual e as formas de representação.

O realismo socialista através de uma extrema simplicidade formal, buscava transmitir de forma direta e sem necessidade de reflexões, um paraíso socialista e um herói proletário imaginário, enquanto que o fascismo submetia a arte para promover a mentira do paraíso nacionalista, e o capitalismo, desde esta época, através dessa mesma manipulação, expressava o triunfo desse sistema de exploração com a reprodução em massa de elementos artísticos no sentido de apresentar uma suposta liberdade democrática de acesso a esses “produtos artísticos”. A plena liberdade de consumo, acrítica e superficial, como o que haveria de mais desenvolvido no campo da arte.

O contraditório está fora da ordem do dia para esses senhores. Para eles, o papel da arte se reduziria praticamente à propaganda de um regime ou um estilo de vida, transmissão direta dessas ideologias que subordinam, à mão de ferro, a produção artística através do controle direto dos meios para produzi-la. O monopólio da capacidade de produzir cultura e arte, ou seja, a exclusividade no acesso a ferramentas de cultura através da propriedade privada (casas de show, teatros, salas de cinema, oficinas de diversos tipos, estúdios, equipamentos de áudio e vídeo, ferramentas e maquinários, etc) está nas mãos de uma ínfima minoria privilegiada. Desde emissoras como a Rede Record “evangélica”, até a Rede Globo, cujo grupo é dirigido diretamente pelos interesses imperialistas, utilizam toda essa estrutura para o interesse da classe burguesa. Disseminam seu estilo de vida, seus valores, seus códigos em cadeia mundial. Todas as facções da burguesia disseminam seus pontos de vista e sua ideologia através do controle direto das “empresas” envolvidas. É a expressão ideológica da Ditadura dos Patrões.

A Indústria Cultural com sua capacidade de produção e reprodução em massa de objetos artísticos e culturais com o objetivo do lucro, apresenta ao grande público uma infinidade de “produtos artísticos” de consumo, que seriam a saída individual de suas crises “espirituais”. Esses produtos tem prazo de validade curto, mas logo são substituídos por outros mais novos numa cadeia incessante. Jogando com as necessidades mais íntimas, filosóficas, estéticas do ser humano, o mercado consegue impor nos meandros mais sensíveis da especulação humana sua lógica de lucro.

Com esse mecanismo de assimilação da arte, o capitalismo mantém na marginalidade todo tipo de conteúdo crítico produzido. Um verdadeiro filtro ideológico que combate incessantemente a arte independente. O artista sincero com sua arte, que prioriza sua independência como artista, é vítima do choque direto da indústria cultural, que impõe a ele os parâmetros “rentáveis” da produção artística.

Toda liberdade à Arte! Pois essa só pode ser revolucionaria se for livre.

O ponto de princípio fundamental do manifesto está numa simples formulação: toda liberdade à arte! E essa liberdade não diz respeito somente ao trabalho artístico mas também a totalidade do trabalho intelectual, pois as cadeias que prendem a arte e a submete aos mais vis interesses contrarrevolucionários e capitalistas, também submetem o trabalho científico, filosófico e técnico.

“Naquilo que o individual conserva eu sua gênese, nas qualidades subjetivas que põe em ação para revelar um fato que signifique um enriquecimento objetivo, um descobrimento filosófico, sociológico, científico ou artístico, aparece como o fruto de um azar precioso, ou seja, como uma manifestação mais ou menos espontânea da necessidade. Não podemos ignorar semelhante aporte, seja do ponto de vista do conhecimento geral (que tende a que se amplie a interpretação do mundo), como do ponto de vista revolucionário (que, para alcançar a transformação do mundo, exige que tenhamos uma ideia exata das leis que regem seu movimento). Em particular não é possível desentender-se das condições mentais em que este aporte continua produzindo-se, e por isso, deixar de velar para que seja garantido o respeito às leis específicas as quais está sujeita a criação intelectual.” Manifesto Por uma Arte Revolucionária Independente

A arte é o que pode materializar os mais utópicos dos sonhos, devaneios, as mais complexas relações e choques entre forma e conteúdo que possa imaginar uma mente humana. A forma mais sensível de expressão que, assim como todo trabalho de criação intelectual, necessita de insubordinável liberdade para que suas mais profundas potencialidades tenham possibilidade de realização.

Sob esse pressupostos, aos olhos de Trotsky e Breton, todo artista honesto com sua arte dentro de um sistema explorador, acabaria entrando em choque com as formas sociais dominantes e suas representações, na busca por sus liberdade artística. Quanto mais produzissem arte independente, mais sofreriam o isolamento de toda e qualquer estrutura material para sua tarefa artística. Portanto na sociedade de classes, que por explorar a classe operária também aliena os artistas de suas devida liberdade, é uma tarefa dos artistas a luta pela derrubada desse sistema, que aprisiona e condena os sentimentos humanos ao vil objetivo do consumo.
“A arte verdadeira, a que não se contenta com variações sobre modelos prontos, mas se esforça por dar uma expressão às necessidades do homem e da humanidade de hoje, tem que ser revolucionária, tem que aspirar a uma reconstrução completa e radical da sociedade, mesmo que fosse apenas para libertar a criação intelectual das cadeias que a bloqueiam e permitir a toda humanidade elevar-se a altura que só os gênios isolados atingiram no passado. Ao mesmo tempo reconhecemos que só a revolução social pode abrir a via para uma nova cultura”. Escreveu Trotsky e Breton no Manifesto Por uma Arte revolucionária Independente.

O artista revolucionário, seria todo aquele que defendesse a transformação profunda da sociedade através da queda do capitalismo e fim da exploração do homem pelo homem, aquele que vê nas contradições da própria sociedade como a base da miséria cultural e social, que oprimem os trabalhadores e os artistas, e quer destruir essa ordem atual.

Mas a arte não pode ser a ferramenta de transformação social. A libertação da sociedade deve ser tarefa da própria sociedade, com seus próprios métodos de luta social. O elevado papel da arte nessa sociedade é colocar o dedo nas férias sociais. O caráter humanamente elevado da arte revolucionária cumpre o papel de demonstrar o quão miserável é a sociedade de hoje e o quanto o “humano” na sociedade clama por liberdade, seja criticando diretamente essa sociedade como simplesmente representando os mais elevados devaneios e pensamentos humanos.

Essas foram as principais conclusões de uma primeira reunião mês de dezembro de um grupo de militantes artistas do MRT com o objetivo de resgatar os debates marxistas acerca da arte, principalmente os que se colocam acerca do encontro entre Trotsky e Breton para redigirem o Manifesto por uma Arte Revolucionária Independente. Nos baseamos no prólogo do livro “El encuentro de Breton y Trotsky en Mexico” e o próprio Manifesto Por uma Arte revolucionária Independente.


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