Nessa semana o cantor e poeta Arnaldo Antunes lançou em sua página do Facebook o que chamou de “desabafo e não um poema”.
Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle
segunda-feira 15 de outubro de 2018 | Edição do dia
No vídeo a letra do texto em que o autor fala do assassinato de Môa do Katendê “por conta de uma divergência política num bar”, sobre a extrema-direita agindo contra a arte, cultura, educação, liberdade de expressão, e democracia, sobre como o mercado vem apoiando Bolsonaro sem ligar para aonde caminha o Brasil. O ódio e o horror que pregam Bolsonaro reproduzindo frases do mesmo como: “eu apoio a tortura”, “eu defendo a ditadura”, “eu vou fechar o congresso”, “não servem nem pra procriar”, “não te estupro por que você não merece”, “a gente vai varrer esses vagabundos daqui”, “o erro foi torturar e não matar”, “viadinho tem que apanhar”.
Continua colocando os argumentos de quem defende o candidato: “sim mas veja a Venezuela”, “é para acabar com a corrupção”, “nós queremos segurança”, “não é bem assim”. Arnaldo questiona como explicar o que é Bolsonaro para esses que só querem matar, atirar, vingar, em nome da pátria, família, propriedade, segurança. Arnaldo cita Marielle e “sua placa rompida rasgada, desonrada, pelas mãos truculentas de brutamontes prepotentes com suas camisetas estampadas com a face do coiso”. Relembra o apoio de Bolsonaro a Ustra “aquele que além de torturar levava crianças para verem suas mães torturadas. A vitória da direita excita “em outros o desejo de exercer seu obscuro poder de milícia, polícia, esquadrão da morte”.
Arnaldo faz referência Intervenção Federal do Rio de Janeiro, cita outras frases mais recentes de Bolsonaro: “ não vai ter ONG, não vai ter ativismo, não vai ter mimimi”, e to da a campanha de Bolsonaro que se pauta em fake newse em seguidores que cravam “suásticas nazistas na pele da menina que usava Ele Não”. Arnaldo continua colocando quais serão os resultados de uma extrema-direita no poder, cita o Museu Nacional, o projeto “Escola sem Partido”, a reforma curricular, o “golpe que precisa parir outro golpe, ou autogolpe”. Tudo em nome Deus Bolsonaro é contra “os dferentes os misiráveis os favelados, os do outro lado, os que se manifestam, ou contestam, ou pensam de outra forma, ou se vestem de outro cor, ou tem outra cor. Arnaldo denuncia os que agora se declaram neutros “lavando as mãos como Pilatos”, ou aqueles que declaram os dois lados extremistas. Bolsonaro e a extrema-direita são defensores da Ditadura e conseguem respaldo no STF quando o seu presidente afirma que não foi golpe militar, foi um movimento, porém para que não tenhamos o sentimento de derrota o autor nos chama dizendo que “ainda dá para evitar, ainda é tarde de menos para conter o ódio” e termina declarando o seu voto em Haddad.
Abaixo colocamos na íntegra o vídeo e poema:
IstoNãoÉUmPoema
isto não é um poema
só
desabafo
que não pude não
fazer e não pude fazer
de outra forma
que não fosse
assim
fatiando as frases
no espaço
aqui
hoje
eu vi
aterrorizado
um artista assassinado
Moa do Catendê,
mestre de capoeira,
autor do Badauê —
por conta de uma divergência política num bar
da Bahia
depois corri o dedo
sobre a tela e
vi e ouvi
arrepiado
Luiz Melodia
(também negro e compositor,
também com o cabelo rastafari,
como a vítima do post anterior)
cantando
“no coração do Brasil”
e repetindo muitas vezes
esse refrão
“no coração
do Brasil”
“no coração do Brasil”
que tento sentir
pulsar ainda
entre a luz de Luiz
e a treva
desse buraco vazio
que não pulsa mais no peito
de Moa do Catendê
e “não existe amor em SP”
ou “no coração do Brasil”
fraturado
nesses dias
brutos
de coturnos
chucros
a chutar a cara
de quem
ama
arte
cultura educacão
liberdade de expressão
diversidade
cidadania
solidariedade
democracia
mas não se dá
a mínima
o que importa é se subiu
a bolsa
caiu
o dólar
se todos vão prosseguir
seguindo
docilmente para o abismo
nessa insanidade coletiva
em que o Brasil nega
qualquer Brasil
possível
cega
qualquer futuro possível
e o ódio
o horror e o
ódio
e nada que se diga faz sentido
mais
para quê
expor na cara desses caras
a palavra explícita
(gravada em vídeo e repetida, repetida, repetida)
do seu “mito”
dizendo
“eu apoio a tortura”
“eu defendo a ditadura”
“eu vou fechar o congresso”
“não servem nem para procriar”
“não te estrupro porque você não merece”
“a gente vai varrer esses vagabundos daqui”
“o erro foi torturar e não matar”
“viadinho tem que apanhar”
etc etc etc etc etc
e tudo mais
que repete incansavelmente
há anos
ante câmeras e microfones
para quê mostrar de novo
e de novo
o mesmo nojo
se é justamente
por isso
que o idolatram?
e sempre haverá
os que vêm disfarçar
dizendo:
“estamos entre dois extremos”
“sim, mas veja a Venezuela”
“é para acabar com a corrupção”
“nós queremos segurança”
ou
“não é bem assim…”
enquanto constatamos cada vez mais
que sim,
é assim
mesmo, é assim
que é
mas
como li por aí:
“como explicar a lei Rouanet para quem
ainda não assimilou a lei Áurea?”
ou: como explicar a lei da gravidade
para quem ainda crê
que a terra é plana?
e querem defender sua ignorância com dentes
e garras
querem
matar atirar vingar
a quem?
em nome de quem?
(pátria, família, propriedade, segurança?)
se nessa seara não há direitos
nem respeito
ensino ou dignidade
só horror e
ódio, ódio
e horror
as palavras perdem a clareza
os valores perdem o valor
a vida perde o valor
Marielle
remorta remorrida rematada
por sua placa
rompida rasgada desonrada
pelas mãos truculentas de
brutamontes prepotentes
com suas camisetas estampadas
com a face do coiso
que redemonstra sua monstruosidade
quando vende
em seus próprios comícios
camisetas de outro
ultra-monstro
ustra
—
aquele que além de torturar
levava crianças para verem
suas mães torturadas
—
e esses mesmos
abomináveis
que, diante de uma claque vergonhosa,
se orgulham
de terem
rasgado as placas
com o o nome Marielle Franco
estão sim
agora
eleitos
satisfeitos
mas não saciados
de todo o sangue
de inocentes
que há de correr
só por serem
diferentes
excitando em outros
o desejo de exercer
seu obscuro
poder
de milícia polícia esquadrão da morte
e o anúncio da Rocinha metralhada
como solução
a barbaridade finalmente
institucionalizada
como diversão
o Brasil finalmente
sem coração
fora da ONU
e dos acordos internacionais pelo
meio-ambiente
sem controle
de sensatez ou mentalidade
sem limite humanitário
“não vai ter ong!”
“não vai ter ativismo!”
“não vai ter mimimi!”
bradam
cheios de si e de ódio
criminosos contra o crime
opressores pela família
amorais pela moral
apesar de todos
os alertas
da imprensa internacional
de esquerda, de centro, de direita
só não vê quem não quer
a tragédia anunciada
divulgada
não como boato
mas escancarada
ético
que diz
preferir uma autocracia
perfeita
a uma
defeituosa
democracia
esse
erro
que nenhum arrependimento será
capaz de reparar
quando for tarde
demais
ainda dá
para evitar
ainda
é tarde
de menos
para
conter
o ódio,
o horror e o ódio
ainda
dá
dd
a
d
Temas