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CRISE ECONÔMICA | Armínio Fraga no Roda Viva e os limites da economia política burguesa

O programa Roda Viva que foi ao ar na terça-feira (23) teve como convidado o economista ex-chefe do Banco Central durante o governo FHC, Armínio Fraga Neto, discutindo os rumos da economia em contexto de coronavírus. Nesse texto debatemos com algumas de suas posições.

quinta-feira 26 de março de 2020 | Edição do dia

O economista de raiz liberal Armínio Fraga falou sobre diferentes temas no último programa do Roda Viva da emissora Cultura. Perguntado por jornalistas do Valor, Folha entre outros, deu sua visão sobre a crise econômica que passa o Brasil em particular num momento de coronavírus, onde os próprios economistas burgueses não conseguem dar saídas fáceis para as forças ocultas que a pandemia mundial pôs em relevo mais rápido do que se esperava.

Diferente do colocado pelo economista de "uma crise que só acontece uma vez a cada cem anos" o capitalismo mundialmente vem mostrando sua face mais bárbara desde crise climática global, tragédias como as queimadas na Amazônia e Austrália e diretamente crimes como a enchente da Vale em Brumadinho e Mariana. Mostrando que a tendência é que as crises globais se tornem cada vez mais recorrentes.

Renda mínima para a população e dívida pública

O Brasil tem registrado hoje (25) cerca de 2241 casos confirmados de coronavírus. Estimativas mostram que número pode ser ainda maior, e um setor da população está confinada em casa para não correr o risco de contaminação do vírus. Um outro setor muito importante não pode estar de quarentena, tirando os trabalhadores da saúde, um amplo setor de trabalhadores precarizados afetados pelas últimas reformas, como a trabalhista, que tem que continuar trabalhando para garantir seu sustento, entre eles está: o serviço de entrega, trabalhadores do callcenter e milhões de terceirizados pelo país. Também é grande a parcela que está em casa sem trabalho (11 milhões de desempregados antes da crise e que agora aumenta) e se preocupa em como ficar de quarentena se não tem como nem se sustentar.

Armínio Fraga argumenta que diante de uma crise que acontece hoje um roteiro a se seguir seria aumentar a contribuição ao bolsa família, incluir os 3 milhões que hoje estão na fila para receber o benefício além de usar os beneficiários do cadastro único para chegar em outros 70 milhões e até abrir emergencialmente o CAD único para chegar a 100 milhões. Como medidas rápidas para contornar os efeitos da crise nos mais pobres.

Essas são medidas extremamente básicas diante da crise que nos encontramos para que a população não morra de fome. Como forma de financiar estas medidas, o economista defende que o dinheiro usado para isso seja custeado a partir da emissão de títulos da dívida pública.

Vale lembrar, Armínio Fraga esteve a frente do Banco Central brasileiro durante o segundo governo de FHC, num momento em que foi promovida uma profunda liberalização dos fluxos de capitais no país, permitindo ao capital financeiro estrangeiro acesso aos mercados nacionais com os mesmos direitos que o capital doméstico. Neste mesmo período, foi aprovada a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), bem como outros mecanismos orçamentários como a Desvinculação de Receitas da União (DRU) que serviram para subordinar o orçamento público brasileiro para garantir, em primeiro lugar, o pagamento da dívida pública, este mecanismo histórico de roubo das riquezas nacionais pelo capital financeiro estrangeiro.

O Brasil possui mais de 4 trilhões de reais em dívida pública e destina, todos os anos, montantes inimagináveis para pagar os seus juros e amortizações para os principais especuladores internacionais. Condicionando justamente uma maior parcela do dinheiro público para gastos na saúde diante da crise para as águias carecas do imperialismo mundial.

São esses os mesmos setores que lucraram enormes quantias com os títulos da dívida a juros alto nos governos de FHC e depois nos governos do PT, quando o país vivia um boom do preço das commodities e podia conciliar gastos sociais com altíssimas taxas de lucros para os bancos nacionais e estrangeiros.

Contraditoriamente, o economista que diz que nunca apoiou a ideia liberal de Estado mínimo, defende que esses gastos sejam feitos sem anular a PEC de teto dos gastos, utilizando o recurso do estado de calamidade dentro da PEC, sem rever o mecanismo que compromete por mais de 20 anos investimentos em áreas básicas como saúde e educação. O sistema de saúde ameaça colapsar diante da crise, e com a PEC do teto dos gastos, provavelmente colapsaria sem a existência da pandemia mundial ao longo dos anos. Ou seja, a proposta defendida por Armínio Fraga é aumento dos gastos de seguridade social, apoiando justamente a lei que fará com que esses gastos diminuam ano a ano. A mão invisível do mercado agora tem que passar álcool em gel.

Outro ponto é que juntamente com a PEC do teto de gastos continua apoiando a lei de responsabilidade fiscal. A mesma lei, que causa o enorme endividamento dos estados e impossibilita medidas eficazes contra o avanço da pandemia mundial. A mesma lei que condiciona o salário dos servidores públicos (aí se inclui os heróis do SUS que em meio à precarização lutam para salvar vidas) e também investimentos essenciais.

Salvar os empresários ou lutar contra a desigualdade?

Em diversos momentos Armínio Fraga critica a crescente queda de investimentos no país e defende um ambiente favorável para que se aumente os investimentos. Elogia a queda da taxa de juros feita pelo BC e a reforma da previdência encaminhada por Bolsonaro e Paulo Guedes, a mesma que afeta a maior parte da população trabalhadora e os mais pobres que são mais afetados pela atual crise.

Ao comentar sobre o baixo PIB de 2019 o economista aponta como um dos principais problemas para o PIB, a baixa taxa de investimento, principalmente os que se concentram no setor de infraestrutura. " O Brasil deveria ser um paraíso para o investimento em infraestrutura" diz o economista. E aponta o saneamento básico como uma aposta para o investimento privado no país.

Existe um grande atraso que se tem em obras de infraestrutura no país que diante de uma crise cada vez maior cobram seu preço, como a falta de um sistema de saneamento básico onde 48% da população não tem coleta de esgoto ou mesmo a falta de investimentos em um infraestrutura para um sistema de saúde de qualidade onde os leitos hospitalares consigam atender vítimas do coronavírus, ou mesmo uma infraestrutura que possa realizar testes massivos na população sendo a nossa maior chance de combater o avanço da doença.

A questão é que atender esses objetivos básicos para a saúde e bem estar da maioria da população se contrapõe ao lucro dos investidores que ele diz querer investir no país. Não querem investir em infraestrutura, pois os títulos das gigantes dívidas públicas dos países atrasados são menos arriscados e mais fáceis de se investir do que obras de infraestrutura. Ainda assim, o que significaria deixar nas mãos das empresas privadas todo um setor de infraestrutura débil no país? A Vale já deu o exemplo trágico no país do que acontece quando os lucros estão na frente dos interesses da maioria.

Sua preocupação com a debilidade da infraestrutura tem raiz nas tentativas de achar setores rentáveis para os lucros dos capitalistas em meio a crise. Querendo abrir mais espaços de exploração em consonância com o que pede setores da burguesia internacional.

Paulo Guedes e Armínio Fraga: mais semelhanças do que diferenças

Durante a entrevista ao Roda Viva ainda que o ex-chefe do Banco Central teceu uma leve crítica ao Ministro da Economia Paulo Guedes dizendo que "não faz parte do grupo dos mais otimistas" como se apresenta o próprio Paulo Guedes um liberal com um presidente ferranhamente não liberal , nas palavras do próprio Armínio Fraga.

Contudo, qualquer crítica à Paulo Guedes foi ofuscada frente as grandes semelhanças em temas fundamentais hoje no país. Armínio Fraga elogiou a reforma da previdência, acrescentando que ainda era parcial e precisaria se pensar como aprofundar a própria, juntamente com a reforma administrativa.

Para o economista os gastos com a previdência e o pagamento dos servidores públicos se constituem como um dos principais empecilhos para avançar em políticas de assistência social frente a crise. O mesmo discurso de Paulo Guedes que hoje (25) soltou uma nota em que dizia que qualquer ajuda para combater o vírus, dependeria de reformas estruturantes ainda maiores no momento posterior ao coronavírus.

Também faz parte do time que defende uma pesada reforma administrativa que ataque fundamentalmente servidores públicos dizendo que eles são o principal gasto do Estado. A questão é que diante da crise que passamos todo o funcionalismo público se mostra como insuficiente para atender as necessidades básicas da população.

Argumentou ainda que um dos motivos para o baixo investimento e confiança dos investidores da população se devem ao colapso fiscal dos anos anteriores, ainda não resolvidos pelas picuinhas dentro do governo. O mesmo argumento de diversos investidores que acreditam no plano ultraneoliberal de Guedes, mas que acham que o que atrapalha esse plano é Bolsonaro. Não entendendo ambos, como parte do mesmo projeto político-econômico.

A falência da economia política burguesa: vão-se os anéis, ficam os dedos

Quando perguntado sobre as diferentes escolas econômicas e qual se adequaria melhor à crise atual, Armínio Fraga argumentou que vê como um pêndulo a política econômica que cada hora oscila para determinados momentos. Citando Keynes, colocou como sua teoria econômica foi pensada em um momento excepcional do pós-crise de 29 e aplicada como uma economia de guerra.

Os keynesianos argumentam que essa teoria é válida para todos os momentos não valendo apenas para os momentos de guerra e que o crescimento econômico deve ser impulsionado pelo Estado (no caso o burguês) a todo momento.

Não a toa um liberal, presidente do BC durante o governo FHC, diz que nunca acreditou no Estado mínimo em tempos de coronavírus. Aparentemente todo o mainstream econômico, desde os mais liberais vem defendendo intervenções estatais mais ou menos pesadas para sairmos da crise em que vivemos. Hoje querem defender a intervenção estatal para dividir as perdas de seus lucros privados com todos. Enquanto isso, os índices de desemprego e trabalho informal continuam aumentando em um claro claro processo de "socialização das perdas" para salvar os capitalistas.

Vão-se os anéis, ficam os dedos parece ser a frase a guiar a grande parte dos economistas e políticos burgueses atualmente. O medo diante do coronavírus cresce não pelo alastre do vírus em si, porque se fosse estaríamos vendo medidas contundentes de combate como testagem massiva da população em todos os países europeus e nenhuma relutância na assistência médica das pessoas infectadas, mas ao contrário pelas forças ocultas que o vírus desatou que mostram a debilidade da recuperação econômica pós crise de 2008. Mostram o grande endividamento da maior parte dos estados capitalistas, com dívidas públicas que vai de 200% a 300% o PIB mundial (esse tendente cada vez mais a cair) e a debilidade do relativo equilíbrio conquistado na saída da crise de 2008.

A política de quantitative easing implementada pelo FED em 2008, e agora anunciada em uma escala ainda maior, com o objetivo de evitar a quebradeira dos bancos e possibilitar o empréstimo para as empresas e a recuperação da atividade econômica não parece se encaixar em um mundo cada vez mais enclausurado e longe das atividades econômicas. Poderia ela conter as crescentes tensões geopolíticas entre EUA e China, agora apaziguadas pelo coronavírus?

Parece delirante entender a crise atual como uma crise causada pelo coronavírus. A "gripezinha" que disse Bolsonaro, só desatou os monstros ocultos de uma economia capitalista tendente a crescentes crises que nem de perto chegou a se recuperar globalmente de 2008. A "gripezinha" acertou em cheio os receituários econômicos burgueses, liberais ou não, parece que está na hora de sair do script e serem os de baixo, os "perdedores" do neoliberalismo, a pensar uma nova organização social e econômica que atenda aos interesses da maioria e da classe trabalhadora.




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