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EDUARDO CUNHA | Análise: O que explica o poder de Eduardo Cunha na atual conjuntura política?

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

sexta-feira 3 de julho de 2015 | 00:30

Ontem o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, emplacou mais uma manobra de legalidade contestável. Repetindo o que conseguiu fazer na votação do financiamento privado de campanha, Eduardo Cunha conseguiu votar de novo a redução da maioridade penal, aprovando ela 24hs depois de rejeitada com pequenas modificações.

Diariamente o deputado chantageia o governo Dilma, debocha de seus críticos, propõe novas votações, parece todo poderoso. Como que um político que era pouco conhecido até mesmo em seu estado natal o Rio de Janeiro alcançou tamanha proeminência e parece “mandar” no país?

O que explica a ascensão de Cunha?

Malandragem e esperteza individual?

A comparação de Eduardo Cunha com a personagem de Kevin Spacey no seriado House of Cards, que ilustra este artigo, vem sendo feita por muitos. Mas tal como aquela personagem não podemos atribuir todo o poder do presidente da Câmara a suas reconhecidas espertezas.

Evidentemente Cunha, como o Underwood da série, se distingue por um bom “kit” de espertezas, das mais sórdidas, e quantos analistas não pagariam caro para ouvir os planos de Cunha naquelas viradinhas e confissões para a câmara que acontecem no seriado. Cunha é um político habilidoso, treinado nas artimanhas da politicagem, começou sua carreira política como tesoureiro no Rio da campanha presidencial de Collor, depois foi agraciado com a presidência da importante TELERJ por nomeação de ninguém menos que PC Farias (tesoureiro de Collor, morto a tiros). Na importante estatal de telecomunicações atuou para preparar sua privatização. Desde então foi tramando seu caminho, sempre à sombra de figuras mais influentes, até chegar a líder do PMDB na Câmara de 2012 a 2013 (ou seja, negociava as medidas de governabilidade de Dilma) e, agora emergiu para uma importância central na política nacional.

Esta esperteza e trajetória não distingue especialmente este deputado de muitos outros em um covil de malandragens, votações contra os trabalhadores e o povo, intermináveis escândalos de corrupção como é o Congresso Nacional. De tantos “Cunhas” porque este Cunha emergiu? Não são exclusivamente “atributos individuais” que explicam o fenômeno.

Ofensiva conservadora?

A primeira resposta não individual (das habilidades do “demônio” Cunha) que muitos analistas e militantes têm para a emergência deste deputado seria a existência de uma suposta ofensiva conservadora e que Cunha seria um representante e agente da mesma.

Esta definição, que discordamos, é funcional ao petismo porque apaga que este mesmo inegável conservador já era líder do principal partido aliado no primeiro mandato de Dilma, apaga também que Marco Feliciano assumiu a Comissão de Direitos Humanos em 2013, em acordo com o PT, e muitos outros casos em que o PT cedeu ou ajudou seus aliados conservadores a galgarem maiores posições institucionais.

Com argumentos de “ofensiva conservadora” e que “o problema é Congresso” o PT tenta se colocar de fora da mesma e tenta criar um relato que as jornadas de junho que teriam aberto esta ofensiva. No entanto, todos sabemos que nestas jornadas também era forte o protesto contra os elementos mais conservadores no regime e no próprio governo.

Porém, olhando as votações no Congresso teríamos, mesmo assim, uma imagem de uma ofensiva conservadora, seus símbolos maiores seriam os projetos de “Cura Gay”, proposto por aliado de Dilma antes de junho de 2013, passando pela redução da maioridade e agora uma série de medidas contra os trabalhadores, a maioria delas oriundas do próprio Palácio do Planalto como as MPs 664 e 665.

Esta suposta ofensiva destoa fortemente com a impressão que todos tivemos da situação da luta de classes no país depois de Junho de 2013. As demandas de junho – sociais e democráticas – não foram atendidas pelo governo Dilma nem pelos parlamentares petistas. Tiveram mais medo de Junho, pois viam que era “contra eles”, do que dos conservadores. Como junho não avançou, e não há vazio em política, os conservadores aproveitaram essa contradição – um movimento espetacular que não “mudou nada”, e o petismo sem sequer “reagir” para “dialogar com as ruas” – e assim os conservadores se colocaram adiante na conjuntura política.

A ofensiva conservadora também destoa com a onda “arco-íris” que tomou o Facebook neste final de semana. Difuso e sem ganhar as ruas certo clima democrático de 2013 ainda está presente ao mesmo tempo que as grandes mídias, o governo Dilma, o PT e o congresso todos estão pautados à direita.

Como teríamos passado de um forte questionamento às polícias em 2013, tanto pelas manifestações como por escândalos, como o de Amarildo, para um amém às forças repressivas como no tema da maioridade penal? As ações do PT e do governo Dilma que, por omissão ou capitulação, deram uma vitória por “W.O.” para os conservadores.

Este movimento à direita para negociar medidas contra a juventude é visível quando o PT e o governo Dilma abriram mão de uma posição categórica contra a redução da maioridade para negociar medidas repressivas e adotaram o projeto de Serra que aumentará a internação para até 10 anos.

No campo “econômico e dos direitos” vemos o mesmo. A CUT e uma auto-declarada esquerda do PT era contra o fator previdenciário, agora todos assumiram o fator 85/95 como sua bandeira... perde-se batalhas sem sequer travá-las. Assumem posições que teoricamente seriam dos conservadores, dos tucanos...

Este “giro” no governo e no parlamento não está sendo acompanhado por um igual giro na juventude e na classe trabalhadora. Pelo contrário, cresce a insatisfação e desprestígio de todas as instituições, com centro no governo Dilma.

Se há algo de correto nestes questionamentos a chamada ofensiva conservadora não parece ser uma explicação, mas antes algo a ser explicado pelo papel do PT, das centrais sindicais governistas, etc. Complementa este questionamento o fato de Cunha não ser simplesmente um conservador, um Bolsonaro, mas um conservador do PMDB, do PMDB carioca, e da Câmara. Como que o PMDB ficou tão poderoso e o que isto implica para o regime político é outra parte crucial da reflexão para entender este Underwood fluminense.

Crise do PT, débil fortalecimento do PSDB e espaço político

O principal fator que explica como este astuto político ganhou proeminência é a crise do PT e do governo Dilma. Golpeado pelas jornadas de junho, depois eleito em apertadas eleições e sofrendo o desgaste dos ajustes de agora, das diárias denúncias de corrupção, o PT cedeu cada vez mais a única forma para se sustentar sem se enfrentar com este regime: mais fisiologismo.

O PSDB, que junto ao PT é um outro pilar do regime brasileiro, se fortaleceu nas últimas eleições, mas não o suficiente para já se impor. Espremido entre mostrar-se mais “social” para conquistar parte do eleitorado antes identificado com o PT, e uma nova direita, fica preso em debates internos sobre quando avançar e quando conciliar. E, mais que isto, não se arrisca em nenhuma manobra que pode acertar junto do PT o PMDB, de quem também dependeria se quiser governar.

É neste “empate” entre a crise do PT e do governo e o fortalecimento débil do PSDB que emerge o PMDB de Eduardo Cunha. Os fracos resultados eleitorais do PMDB paulista, liderado pelo vice-presidente Temer, e o ostracismo da principal figura do PMDB carioca, o ex-governador Sérgio Cabral, abriram espaço para este representante do baixo-clero, do fisiologismo, das privatizações e não só do conservadorismo. Eduardo Cunha se preparou habilmente para este papel, fazendo jogo duplo nas eleições de 2014, se cacifando para o atual cargo caso ganhasse Dilma ou Aécio. Porém, toda sua “esperteza” só pode emergir nesta situação específica.

Num regime fissurado - com as principais instituições políticas (executivo e legislativo) muito desgastadas na opinião pública - o único mecanismo "ordenador" das diversas frações só pode ser mais e mais fisiologismo, mais "pequena política" (intrigas, interesses de grupos etc.) e um "salve-se quem puder". A novidade com este presidente da Câmara não é a ascensão de alguém do baixo clero, em pleno lulismo vimos Severino Cavalcanti assumir a presidência da casa, a diferença é que agora, fruto da debilidade de todos os demais atores quem parece dar as cartas é Cunha e em outra medida Renan, também do PMDB, que por sua vez preside o Senado.

Para a classe trabalhadora e para a juventude a ascensão de um antes desconhecido como Cunha não é sinal não de uma “imparável ofensiva conservadora” mas que tempos mais decisivos, de maiores enfrentamentos devem se colocar. Este “empate” tem que ser desfeito. Será ele desfeito ao sabor das elites, do conservadorismo, ou será derrotado pela esquerda, pelos trabalhadores e pela juventude? Para sairmos do empate à esquerda será preciso derrotar não só os conservadores, mas aqueles que os alimentaram todos estes anos, o PT, e todas suas novas manobras para vender-se a esquerda como “grupo Brasil” recém lançado.




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