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Nota de pesar | Alfredo Bosi, presente!

Hoje chegamos aos quase quatro mil mortos, um dado escandaloso e fruto da política genocida de Bolsonaro e todos os golpistas que ceifaram mais de 19 mil vidas na última semana. Dentre elas, estará "um dos maiores intelectuais do país", como foi qualificado Alfredo Bosi pelo Antonio Carlos Secchin, imortal da Academia Brasileira de Letras.

quarta-feira 7 de abril de 2021 | Edição do dia

(Imagem: Ste Oliveira)

“O novo se repropõe desde a origem dos tempos. Esse é o fundamento da esperança”, Alfredo Bosi.

“A poesia traz, sob as espécies da figura e do som, aquela realidade pela qual, ou contra qual, vale a pena lutar”,
Alfredo Bosi.

Crítico literário, professor emérito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH), membro da Academia Brasileira de Letras e autor de diversas obras que são verdadeiras pedras angulares para a análise literária do país, como por exemplo “História concisa da literatura brasileira”, “O ser e o tempo da poesia”, “Dialética da colonização” (cuja importância foi ressaltada pelo seu amigo e também professor, Roberto Schwarz, ao classificá-lo como o seu livro “mais original”) e “Machado de Assis: O enigma do olhar”, Alfredo Bosi analisou a história e fez história como poucos.

Formou-se em Letras no ano de 1960, começando a lecionar apenas dois anos depois. Iniciou com literatura italiana, sobre a qual defendeu em 1964 sua tese de doutorado, tendo como foco o escritor italiano Pirandello. Todavia, sua paixão pelo Brasil, que algum tempo depois se expressará em uma densa antologia de análises sobre a sociedade brasileira e seus escritores, escancara-se com a publicação de “História concisa da literatura brasileira”, de tal modo que em 1972 passa a ser professor do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas da USP, destinado a estudar, dentre outras coisas, a literatura brasileira.

Sempre muito crítico ao sistema capitalista e à indústria cultural, Bosi chegou a declarar em entrevista:

“(...) a poesia terá também, ou poderá ter, o papel de contradizer a generalidade abusiva das ideologias, em especial das ideologias Dominantes. Por quê? Porque as ideologias, em geral, racionalizam e justificam o poder. Há no sistema capitalista um uso constante, ideológico, da palavra, que procura convencer o usuário a transformar tudo em mercadoria e a consumir toda mercadoria como bem supremo. Ora, nesse contexto particular, que nós estamos vivendo, que é uma sociedade de consumo, em que tudo passa a ter um valor venal, a palavra lírica soa como uma mensagem estranha porque ela se subtrai a esse império da ideologia, nos remete a certos traços humanos, universais, a certos sentimentos comuns, à humanidade, como a angústia em face da morte, a indignação em face da opressão – enfim, a palavra lírica está em tensão com a ideologia Dominante, e isso é um papel evidentemente dialético.”

Ainda mais no momento que estamos vivendo, marcadamente catastrófico e reacionário, que tirou de nós hoje um dos maiores intelectuais do país, essas sábias e sensíveis palavras reatualizam-se e soam como um alerta constante para nós: por mais que o desejo da ideologia dominante seja o de naturalizar, banalizar e justificar a miséria que é imposta a nós, devemos romper seu véu - ação orquestrada magistralmente pela poesia através das tensões que dela nascem - para reconstruir a sociedade que merecemos viver.

Sobre esse poder de reflexo e motor de transformação advindos da poesia, Alfredo também escreveu:

“A poesia traz, sob as espécies da figura e do som, aquela realidade pela qual, ou contra qual, vale a pena lutar”

A poesia, esse fenômeno marcadamente humano para o qual Alfredo Bosi dedicou uma vida de estudos, possui esse papel incendiador, revelador e transformador, que ganham, com os olhos deste Grande da crítica literária, uma potência revolucionária.

Como um estudante de Letras, gostaria de registrar meu mais sincero pesar. Entretanto, não posso me paralisar pelo luto dos gigantes que se vão, só posso me armar com o que me deixaram para forjar o mundo que eles mereciam ter vivido.

Por fim, deixo em homenagem ao eterno professor, Alfredo Bosi, este poema de Brecht que assino em baixo como se fosse meu:

“Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo.
E examinai, sobretudo, o que parece habitual.
Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”




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