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DEBATE NA ESQUERDA | Alemanha: votar no “mal menor” para frear a extrema-direita?

As eleições regionais de Berlim foram uma vitória para o partido de extrema-direita Alternativa pela Alemanha (AfD) que entrou no parlamento com 14% dos votos. A esquerda alemã debate como enfrentá-los.

segunda-feira 26 de setembro de 2016 | Edição do dia

Foto: Manifestação xenofóbica do Alternativa pela Alemanha/ EFE

Este resultado alto em uma cidade considerada liberal e cosmopolita como Berlim, mostra o fracasso de uma estratégia política que tenta impedir o ascenso do AfD de forma eleitoral. Para parar a extrema-direita, é preciso combatê-la.

O avanço do Alternativa pela Alemanha (AfD) parece interminável. Depois das eleições regionais na Saxônia-Anhalt em março deste ano, Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental foi o segundo estado onde o AfD se impôs como segundo força acima de um dos dois partidos governantes. Inclusive na metrópole Berlim conseguiu seu primeiro resultado com dois dígitos e próximo a 15%.

É que o AfD se beneficia como ninguém mais com o descontentamento frente ao governo da grande coalizão entre o partido conservador de Angela Merkel (CDU) e a social-democracia (SPD), e com a polarização em chave direitista. Os enfrentamentos violentos entre centenas de nazistas e um grupo de refugiados na cidade saxã Bautzen foram a expressão mais recente deste clima reacionário.

A nível nacional o AfD sobe nas pesquisas para 14%, que lhe asseguraria um cômodo terceiro lugar nas eleições parlamentares do ano que vem. Por isso não só os trabalhadores, jovens e imigrantes buscam as vias para frear o ascenso do AfD, senão que também o establishment político. Sua estratégia tem dois elementos centrais.

Por um lado, tomam cada uma das demandas da extrema-direita, como a proibição da burca, o fim da dupla nacionalidade ou as deportações massivas e o fim da entrada de refugiados. E Merkel se distanciou de sua famosa frase “conseguiremos” (que prometia receber os refugiados) para dar lugar à “a Alemanha permanecerá a Alemanha” de seu último discurso frente ao parlamento, em chave nacionalista.

Isto empurra à direita todo o panorama político e incentiva os preconceitos racistas (que a mídia e os políticos burgueses chamam eufemisticamente “temores e preocupações”) que legitimam o discurso xenofóbico do AfD.

Por outro lado, querem estabelecer um “muro” entre os partidos estabelecidos e “democráticos” e o AfD “antidemocrático”. Antes das eleições, todos os partidos parlamentares de Berlim (SPD, CDU, os Verdes, Die Linke e os Piratas) assinaram um “Consenso berlinense contra a direita”.

Mas a grande maioria dos votantes do AfD justamente vota porque se apresenta como “alternativa” à casta política. Ainda que grande parte de seus dirigentes provenham de partidos burgueses e se bem seu programa não reflita os interesses da classe trabalhadora (têm um programa neoliberal e anti-operário, escondido sob um discurso de representar “os de baixo”), são vistos como única alternativa real “aos de cima”.

Inclusive setores da esquerda apoiam a ideia de construir uma “grande frente democrática” contra o AfD. Esta política tem sua máxima expressão na aliança “Levantar-se contra o racismo”, conformada por setores da esquerda radical e partidos burgueses como os Verdes ou o Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD), que organizou uma manifestação no início de setembro sob o lema Deine Stimme gegen die AfD (que pode ser traduzido como “Sua voz contra o AfD” mas também “Seu voto contra o AfD”).

Organizações de esquerda esperam amplificar a mobilização contra a direita incluindo partidos como a social-democracia. mas esta não moveu nenhum dedo e transformou a ação em um ato de sua campanha eleitoral. Com ao redor de 6 mil pessoas nem sequer se conseguiu a esperada mobilização massiva nem foi possível desmascarar a culpa de todos os partidos estabelecidos no ascenso do AfD.

León Trotsky escreveu em um artigo intitulado “Lição da Espanha: Última advertência” sobre esta lógica reformista:

“os teóricos da Frente Popular não vão além da primeira regra da aritmética: a soma. A soma de comunistas, de socialistas, de anarquistas e de liberais, é maior que cada um de seus termos. No entanto, a aritmética não basta, faz maior falta quanto menos conhecimentos de mecânica. A lei do paralelogramo de forças se verifica inclusive na política. A resultante é, como se sabe, menor quanto mais divergentes sejam as forças entre si. Quando os aliados políticos puxam em direções opostas, a resultante é zero. O bloco das diferentes agrupações políticas da classe operária é absolutamente necessário para resolver as tarefas comuns. Em certas circunstâncias históricas, um bloco deste tipo, é capaz de arrastar as massas pequeno-burguesas oprimidas, cujos interesses estão próximos aos do proletariado, já que a força comum deste bloco termina muito maior que as resultantes das forças que o constituem. Pelo contrário, a aliança do proletariado com a burguesia, cujos interesses, atualmente, nas questões fundamentais, formam um ângulo de 180º, não pode, em termos gerais, faz outra coisa que não paralisar a força reivindicativa do proletariado.”

O chamado de grande parte da esquerda alemã a uma “frente democrática” com a social-democracia é somente um passo mais para a subordinação completa aos partidos capitalistas. Assim, já em março deste ano o dirigente da ala direita do Die Linke exigiu avaliar a possibilidade de uma coalizão entre o partido de Merkel e o Die Linke para frear o AfD: “Todos os partidos democráticos desde a esquerda até a União (Democrata Cristã) têm que pensar como podem parar o giro à direita na Europa e na Alemanha”, assinalaram.

De fato, o Die Linke aproveitou seu perfil “Anti-AfD” nas eleições regionais de Berlim, sobretudo na parte ocidental onde atraiu muitos votos de jovens. Assim se tornou a terceira força com um resultado histórico na parte ocidental.

Mas se bem a tática eleitoral funcionou, não serviu para parar realmente o AfD nem a curto prazo, já que este conseguiu 14% porque a maioria de seus votantes antes não votavam e são mais velhos. A longo prazo, o resultado será utilizado pela cúpula partidária do Die Linke para assegurar a governabilidade da social-democracia debilitada junto com os Verdes.

Se prepara uma nova coalizão de governo entre SPD-Verdes e Die Linke. Mas este governo não acabará com a política de cortes e privatizações e assim aumentará ainda mais a desigualdade social que é a base do avanço da extrema-direita, primeira força entre os trabalhadores e desempregados.

Por isto os trabalhadores, jovens, mulheres e LGBT, imigrantes e refugiados não podem esperar para “votar contra o AfD”. É necessário levantar um programa não somente para enfrentar o racismo da direita, mas também sua base social como a precariedade do trabalho, o aumento dos alugueis e do custo de vida. Exigindo moradia digna para todos por meio da expropriação sem indenização dos investidores imobiliários. Demandas como “Igual salário para igual trabalho” (como pedem vários setores de trabalhadores em luta) e o fim da precarização do trabalho por meio da estatização sob controle operário e popular das ex-empresas estatais e o direito à permanência para todos os refugiados e fronteiras abertas. Estas são algumas demandas fundamentais.

No dia 29 de setembro acontece uma jornada de luta nacional contra o racismo e a xenofobia, seja de nazistas, populistas de direita ou do governo, uma grande oportunidade para fortalecer esta perspectiva nas ruas.




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