Circula nas redes sociais um vídeo gravado no município de Mafra, Santa Catarina, no qual mostra uma ocorrência policial em andamento onde uma mulher já detida por desacato, e sem apresentar resistência, é algemada sob ação violenta, desproporcional e - claramente - não necessária, de um dos seis policiais presentes na filmagem. A mulher detida é Silvana de Souza, 39, costureira. Trabalhadora.
quarta-feira 11 de março de 2020 | Edição do dia
O fato ocorreu no bairro do Novo Horizonte do município localizado no planalto norte do estado e a 310 km de Florianópolis (SC) no dia 19 de fevereiro, mas as filmagens viralizaram somente agora. Segundo a PM, em nota divulgada sob o protocolo SADE 5506052, o fato se deu devido a um motociclista que fugiu de uma blitz no bairro Jardim América e se escondeu nos fundos de uma casa, mas foi detido pelos policiais. “Nesse momento vários vizinhos se aproximaram e passarão a ameaçar de agressão física os policiais caso tentassem levar o detido e a motocicleta” O relato ainda aponta que uma “pessoa, de posse de um facão foi na direção dos policiais militares que utilizaram gás de pimenta” e que “várias outras pessoas, de posse de pedações de madeira, ferro e pedras ainda ameaçavam os policiais militares”. Após isso, a situação foi controlada e segue-se os acontecimentos do vídeo que viralizou, assim segue a nota da PM.
Tal relato não pode ser deixado como despercebido. Pois, num segundo vídeo produzido pela câmera tática instalada na farda de um dos policiais não evidencia o trecho acima, onde a nota justifica o uso do gás, pois um dos moradores do local deixou “claro o intento de investir contra a vida dos policiais militares”. E neste vídeo, gerado pela PM, Silvana de Souza também não demonstra nenhum indicativo físico contrário à sua condução até a viatura para ser detida. A nota ainda minimiza a situação vivenciada pela costureira apontado que sofreu “ferimentos superficiais no nariz, bem como, suspeita de fratura na perna esquerda”. Atente-se para como esta colocação é destituída de sentido.
O ocorrido foi dia 19 de fevereiro; a nota foi emitida posteriormente ao episódio, e somente, devido a viralização do vídeo; um editorial da região, Notícias do Dia, divulgou ontem (10/03/20) que a mulher teve a perna quebra, com fraturas “na fíbula e na tíbia, além de uma ruptura no tendão”, assim descreveu um familiar; o editorial também divulga fotos, cedidas por familiares, das lesões na face e na perna “onde realizou uma cirurgia para a colocação de 13 pinos” e que ainda deverá faz outra cirurgia devido a ruptura. Já passados vinte dias da ocorrência, pós consulta médica da vítima, como pôde a PM, em nota, apontar tal lesão - ocasionada por um de seus agentes - como suspeita de fratura? Não fazendo, menção alguma a situação presente, ao dolo causado a Silvana, a real vítima, a sua família? Nenhuma retratação? É estarrecedor isto ter viralizado após dois dias do 8 de março.
Este tipo de narrativa, após uma ação policial que finaliza com vítimas, muitas vezes fatais, já é bastante comum nos bairros pobres e nas periferias de muitas cidades pelo país. Uma inversão dos papeis, no qual se constrói uma explanação que faz as vítimas serem as vilãs. E isto é usado de maneira tão corriqueiro nos acontecimentos envolvendo polícias, que aparenta ser algo institucionalizado: uma ferramenta de combate ao crime. Diante do vídeo, em um noticiário online, um internauta postou: a covardia veste farda. Para se entender de onde vem essa covardia, essa truculência descabida é preciso se entender de onde e quando nasceu a polícia no Brasil, coisa que este artigo pode esclarecer alguns pontos: Quando vamos falar sobre a polícia?