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VIOLÊNCIA NA USP | A voz das Mulheres sobre a violência do dia 7 de março na USP: Cris Andrada – pesquisadora (pós-doutorado - IP-USP)

Relato de Cris Andrada – pesquisadora (pós-doutorado - IP-USP) sobre a violência policial sofrida em 7/3 durante manifestação pacífica na USP.

quinta-feira 30 de março de 2017 | Edição do dia

Tenho 41 anos. Metade deles vivi vinculada a esta Universidade. Mais que cursos, aqui fiz as amizades que nos acompanham pela vida. Junto delas, conheci o valor do trabalho, do debate, da crítica e da solidariedade. Participo de movimentos políticos, dentro e fora da USP, desde a juventude. Meu tema de pesquisa no doutorado foi justamente a relação entre trabalho e política no plano de um movimento social de resistência. Estive em incontáveis atos e manifestações. Não sou, portanto, incauta ou ingênua em relação ao fenômeno. Posto isto, afirmo veementemente: jamais presenciei tamanha violência gratuita como o ocorrido em frente à Reitoria no último dia 07. Não houve provocações por parte dxs manifestantes (ao menos não as vi). O ato corria tranquilo, com as notas típicas de um protesto político num regime (em tese) democrático - palavras de ordem, cânticos de protesto. Crianças estavam presentes em razão da mobilização contra o fechamento da creche. Ainda custa acreditar que trabalhadores/as e estudantes foram brutalmente reprimidos por manifestarem-se politicamente, nos dias atuais, em pleno Campus. Especialmente mulheres foram agredidas de maneira atroz, o que exige todo repúdio.

Há duas cenas daquele dia que não esqueço. Caminhávamos lentamente de costas, três professoras e eu, quando chegou a tropa de choque. Fomos literalmente surpreendidas pelo estampido das bombas de efeito moral (logo viriam piores atos e artefatos repressivos). Como todxs, começamos a correr. Lembro da preocupação de não cair para não ser pisoteada pela multidão, de olhar para baixo e ver, entre os pés, bombas. Mas principalmente lembro das expressões de horror nos rostos das pessoas durante a corrida. Depois, fiquei especialmente comovida com o choro de trabalhadoras com mais de 60 anos, indignadas diante das violências cometidas contra elas e contra a Universidade a que dedicaram toda uma vida de trabalho. Nem preciso dizer o quanto doeu também, em todas nós, as agressões físicas, absolutamente injustificáveis, sofridas por companheiras que ali estavam, como nós, exercendo seus direitos políticos no lugar de trabalho.

Como pesquisadora, aprendi muito sobre o poder humanamente reparador que o diálogo pode ter no cotidiano de trabalho. Devo isso especialmente à costureira Julieta (da Cooperativa Unidas Venceremos). Ela me disse: “Participando das reuniões, eu descobri que não era tão humilde a ponto que eu não pudesse aprender; que não pudesse entender as coisas.” É triste demais reconhecer que é possível confirmar o achado pelo seu oposto na USP atual: a ausência de diálogo é um ato de violência que tende à desumanização crescente em contextos desiguais. Para prevalecer a voz dominante, cala-se à força os dominados. Cada vez com mais força. Ela, a violência, sempre tende à desumanização – busca tornar nossa humanidade um amontoado dócil de carne, cifras, números. Nada menos condizente com o espírito de uma Universidade Pública. Mas, como disse uma vez Eduardo Galeano, a humanidade e o sentido comunitário são “bichitos duros de matar”. Para cada ato de violência, de tentativa de desumanização, haverá outro de resistência, de renascimento de toda humanidade que nos habita. Disso é feita a História.

Cris Andrada – pesquisadora (pós-doutorado - IP-USP)




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