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Na capa da revista Nova Escola desse mês está Romeo Clarke, de 5 anos, britânico, com um de seus vestidos brilhosos com uma flor e muitas lantejoulas, e o chamado "Precisamos falar sobre Romeo...". E revista traz um debate fundamental sobre o papel das instituições de ensino na reprodução das discriminações às pessoas LGBT, em particular às identidades trans, sejam estas binárias (homem/mulher) ou não. Romeo foi mais um caso onde a direção da escola o afastou até que "se vestisse de acordo com seu gênero" (sic!).

Virgínia GuitzelTravesti, trabalhadora da educação e estudante da UFABC

segunda-feira 2 de março de 2015 | 12:00

O artigo de Wellington Soares na revista Nova Escola nos traz a visibilidade de uma pauta tão importante como é a necessidade de se discutir gênero e sexualidade nas escolas. Relembra o veto de Dilma ao Kit Anti-Homofobia que previa a distribuição de materiais didáticos, elaborados pelo MEC, abordando o assunto das sexualidades não-heterossexuais, com o objetivo de desmistificar pré-conceitos e buscar o respeito a diversidade.

Wellington aponta diversos casos onde a escola foi conivente ou diretamente responsável por casos de discriminação, demonstrando como a instituição escolar não pode responder estas questões, nem garantir o direito ao conhecimento para os setores oprimidos enquanto estiver a serviço da reprodução da ideologia dominante, que busca domesticar a juventude, principalmente os filhos dos trabalhadores. A instituição escolar não almeja tocar em temas “sagrados” para as instituições religiosas e o Estado que, juntos, garantem a dominação da sociedade sob a ordem burguesa.

Ainda que sejam poucas páginas para abordar o mundo das identidades trans e as problemáticas da educação no Brasil, o artigo nos abre a possibilidade de refletir acerca dos limites de projetos do governo Federal e seus chamados "combates a homofobia e transfobia". A extensão do direito ao nome social e o projeto Transcidadania foram avanços importantes, mas que pecam pelo fim em si mesmo. Cumprem o papel de conceder um direito elementar como a educação e o reconhecimento da identidade de gênero, mas o faz sem questionar o “silencioso” acordos entre os políticos e as milionárias instituições religiosas como Vaticano, que impede disciplinas escolares sobre essa temática, que garantiriam a livre construção da identidade de gênero de maneira consciente e da própria sexualidade. São projetos localizados, com vagas limitadas (apenas 100 no caso do Transcidadania) que não incluem verdadeiramente as travestis nas escolas, mas comprometem a Prefeitura a conceder escolas para que estas possam frequentar, com a disposição de uma equipe “especializada”, que receberá uma espécie de curso para compreender sobre a identidade de gênero. O governo do PT jamais poderá combater as opressões, pois não é seu objetivo o enfrentamento com os pilares do sistema capitalista, onde as opressões estão a serviço da divisão das fileiras operárias e a justificativa de explorar uns mais do que outros.

Na educação básicas e nas universidades: a invisibilidade trans

Não é uma surpresa saber de casos em que professores, as coordenações e as direções das escolas escondem ou amenizam discriminações, responsabilizam as vítimas e tentam educar os oprimidos com a separação da vida pública da vida pessoal (na escola, no trabalho, nos ambientes públicos você não precisa ser "você mesmo", não precisa "se assumir", etc). A desistência de pessoas trans em concluir os estudos é generalizada. A extensão do nome social não poderá reverter por si só esses números, uma vez que para os menores de 18 anos ainda será preciso a autorização dos pais para que se obtenha o direito ao nome.

Acaba-se que o projeto da Transcidadania se apresenta como uma "segunda-cidadania", colocando as pessoas com identidades trans numa situação particular sem reconhecimento de sua identidade, de seu nome, sem condições materiais para a sua construção física de gênero (nos casos que busca a hormonização, as cirurgias e outros procedimentos médicos), estando majoritariamente na prostituição, quando não nos piores postos de trabalho como o telemarketing e a terceirização. Expressam assim que é impossível garantir direitos iguais à todos os “cidadãos” independentemente se são burgueses, operários ou estão à margem do mercado de trabalho devida a profunda exclusão social que somos submetidas.

Um ponto fora da curva foi Maria Clara Araújo, mulher trans que passou na Universidade Federal de Pernambuco, uma das 95 pessoas trans que conseguiram utilizar o nome social no ENEM de 9 milhões de participantes. Nas universidades são raras os homens trans e mulheres transexuais que alcançam esses espaços. Das que chegam, é ainda mais difícil ver as que conseguem permanecer até sua formação. Essa realidade é a expressão de um verdadeiro campo de batalha diário que vivemos as identidades não hegemônicas, mas que seguem sendo pontos fora da curva, por responsabilidade do governo e do Congresso Nacional.

Por educação sexual nas escolas! Basta de acordos com Vaticano e a bancada Evangélica!

Com a chegada de Cunha e suas repugnantes declarações, é hora do Movimento LGBT junto as entidades estudantis combativas e os sindicatos que a esquerda dirige se colocarem em luta. É preciso organizar debates nas categorias de trabalhadores e nas universidades e escolas para que colocar de pé um verdadeiro plano de luta que exija a verdadeira separação das instituições religiosas do Estado para avançar nos direitos da população LGBT, mulheres e do povo negro.

O PSOL que foi o principal partido que durante as eleições do ano passado se colocou como interlocutor dos homossexuais fazendo frente a Levy Fidelix e o próprio governo Dilma para ser coerente com suas candidaturas precisa que seus deputados, parlamentares e figuras públicas como Luciana Genro coloquem seus mandatos a serviço de um movimento independente que tome as ruas com centenas de milhares para dar um basta na homofobia e transfobia estrutural do país. A Oposição de Esquerda da APEOESP (sindicato dos professores) deve ser linha de frente de impulsionar uma campanha que implemente a educação sexual nas escolas para prevenir doenças sexualmente transmissíveis, prevenir a gravidez, mas também organizar discussões que possibilitem a livre construção de nossas identidades e de nossa sexualidade rompendo com a moral (burguesa) que quer que sejamos cada vez menos indivíduos plenos, nos sujeitando e reproduzindo seus valores patriarcais e capitalistas.

Sabendo do alto índice de famílias que rejeitam seus filhos e filhas por sua identidade de gênero ou sexualidade não normativa, a população Trans não deve ficar a mercê das instituições como a família, as escolas e o próprio Estado estão a serviço de nos manter na marginalização, sobrevivendo pela via da prostituição compulsória, até atingirmos a média de 35 anos, que é nossa atual expectativa de vida. A organização do movimento LGBT é fundamental para atuarmos na luta de classes para arrancar nossos direitos. Ganhando importantes aliados como foram os metroviários e os trabalhadores da USP que se manifestaram e marcharam conosco pela investigação de João Donati e Marcos Vinicius.

Não podemos mais nos contentar com os projetos reformistas que estão a serviço de apaziguar nossas lutas. Por isso, devemos nos apoiar nas iniciativas progressistas como o projeto da Transcidadania para questionar porque remediar as contradições ao invés de combater pela raiz a partir de se enfrentar com as instituições mais reacionárias como a Igreja Católica, a bancada evangélica e impondo pela força de nossa mobilização o reconhecimento do Estado com a criminalização da homofobia e transfobia e a Lei João Nery.




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