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TRIBUNA ABERTA | A reforma do Ensino Médio e o esfacelamento dos Institutos Federais

segunda-feira 24 de outubro de 2016 | Edição do dia

Fruto da militância de centenas de educadores e especialistas em Educação Profissional, os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, vinculados à Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica (EPT), correm o risco de desaparecer diante da probabilidade de aprovação da Medida Provisória n. 746, a chamada reforma do Ensino Médio.

Formados a partir das experiências das Escolas Técnicas Federais, Escolas Agrotécnicas Federais e os Centros Federais de Educação Tecnológica, os IF’s, como ficaram conhecidos, têm como finalidade “ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional” (Lei 11.892/2008).

Na lei que criou os Institutos Federais verifica-se uma ênfase nos cursos técnicos integrados ao Ensino Médio: “ministrar educação profissional técnica de nível médio, prioritariamente na forma de cursos integrados, para os concluintes do ensino fundamental e para o público da educação de jovens e adultos”. Persistindo nesse raciocínio, no artigo 8º da mesma lei encontra-se a determinação para que 50% das vagas ofertadas destinem-se aos cursos técnicos integrados: “No desenvolvimento da sua ação acadêmica, o Instituto Federal, em cada exercício, deverá garantir o mínimo de 50% (cinquenta por cento) de suas vagas para atender aos objetivos definidos no inciso I do caput do art. 7º desta Lei [ensino médio integrado] (...)”.

Nos documentos oficiais que serviram de base para a constituição dos Institutos Federais percebe-se ainda uma ênfase na categoria trabalho, indicando este como elemento norteador dos cursos técnicos integrados. Eliezer Pacheco, ex-secretário da SETEC (Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica) costumava destacar que “a referência fundamental para a educação profissional e tecnológica é o ser humano e, por isso, o trabalho, como categoria estruturante do ser social é seu elemento constituinte”.

Nessa perspectiva dialética, o estudante teria uma formação omnilateral, que se traduz na integração de uma formação geral sólida e uma formação profissional qualificada. A título de exemplo, pode-se citar possíveis integrações no curso Técnico em Alimentos Integrado ao Ensino Médio. Facilmente consegue-se estabelecer relações entre as disciplinas técnicas da área de alimentos com os componentes curriculares da base comum: a discussão sobre composição dos alimentos na disciplina de Química; a relação entre padrão cultural alimentar e as disciplinas de História, Geografia e Sociologia; as medidas dos ingredientes dos alimentos e a Matemática; etc. No curso Técnico em Administração Integrado ao Ensino Médio consegue-se relacionar, sem muito esforço, as disciplinas de Matemática Financeira, Contabilidade com Matemática; Comportamento Organizacional com Sociologia; Ética Profissional com Filosofia; Qualidade de Vida do Trabalhador/Colaborador com Biologia; etc.

Portanto, diferenciando-se da experiência de educação profissional de nível médio praticada pelo Regime Civil-Militar (1964-1985), os documentos que serviram de base para a criação dos Institutos Federais destacam que o objetivo desse novo momento da educação profissional e tecnológica não está voltado para formar um mero profissional para a indústria/empresa. Busca-se uma formação ampla, com base sólida e que estimule o estudante a compreender o que, o por que e as várias formas do fazer, e não somente o fazer. Em outras palavras, almeja-se uma formação politécnica.

Além de proporcionar uma formação politécnica, a experiência de EPT de nível médio dos Institutos Federais abre uma série de possibilidades aos seus estudantes quando não se limita à preparação técnica e profissional. O protagonismo dos alunos dos IF’s em competições como Olimpíadas de Matemática, Concursos de Redação, Intercâmbios, etc. revelam a sua excelência. Esta também pode ser mensurada no excepcional desempenho dos seus estudantes no Exame Nacional do Ensino Médio, o ENEM. Em 2014, a média dos Institutos Federais superou o resultado de todas as outras redes (de maneira misteriosa, o Ministério da Educação não divulgou, até a presente data, os resultados dos Institutos Federais no ENEM 2015).

Fonte: INEP.

No entanto, a Medida Provisória n. 746 coloca essa proposta de cursos técnicos integrados ao Ensino Médio em xeque. A MP determina que todos os estudantes do Ensino Médio percorrerão itinerários formativos idênticos nos três primeiros semestres dessa modalidade de ensino-aprendizagem e, posteriormente, escolherão uma, somente uma, área de sua predileção: I - linguagens; II - matemática; III - ciências da natureza; IV - ciências humanas; e V - formação técnica e profissional.

Caso aprovada, essa reforma do Ensino Médio impossibilitará ao estudante que optar pela área de formação técnica e profissional o estabelecimento de diálogos abertos com as demais disciplinas do núcleo comum, pois a carga horária destas últimas será diminuta nesses três últimos semestres. Consequentemente, inviabiliza-se a integração de uma formação geral sólida e uma formação profissional qualificada.

Além disso, a Lei 11.892 diz que 50% das vagas dos Institutos Federais serão destinadas aos cursos técnicos de nível médio, com destaque para os cursos técnicos integrados ao Ensino Médio. Contudo, com a aprovação da MP, os cursos técnicos integrados desaparecerão e no seu lugar surgirão, provavelmente, experiências educacionais semelhantes aos cursos técnicos concomitantes e subsequentes ao Ensino Médio da década de 1990. Portanto, a proposta de uma formação profissional de nível médio sólida e ancorada em uma educação básica consistente corre o risco de desaparecer e, junto com esta, a experiência qualificada e bem-sucedida dos Institutos Federais.




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