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A redução da jornada de trabalho nas grandes empresas poderia criar mais de 5 milhões de empregos com carteira assinada no Brasil

Caio Silva Melo

Pedro Oliveira

A redução da jornada de trabalho nas grandes empresas poderia criar mais de 5 milhões de empregos com carteira assinada no Brasil

Caio Silva Melo

Pedro Oliveira

Basta andar nas ruas de qualquer grande cidade brasileira para entender o nível da crise econômica pela qual o país passa. O aumento da população de rua é visível sem a necessidade de recorrer às estatísticas. Elas também mostram o avanço da fome e da pobreza, profundamente ligadas ao desemprego no país.

Segundo os dados do IBGE para maio de 2022, a taxa de desemprego no Brasil era de 9,8%, o que significa 10,6 milhões de pessoas desempregadas. Some-se a isso os 4,3 milhões de desalentados, que já desistiram de buscar emprego, e os 6,6 milhões de subocupados e chega-se a um quadro da situação brasileira.

Este alto número de desempregados é algo bastante funcional à burguesia e ao capitalismo. Marx, já no século XIX, falava sobre o exército industrial de reserva, uma massa de trabalhadores desempregados que atuava como uma constante pressão para rebaixar os salários e condições de trabalho daqueles que estavam empregados, pela existência de um setor que, pela necessidade imperiosa de ter alguma renda, estará disposto a substituir, ganhando menos, trabalhadores demitidos.

O alto desemprego é um dos principais fatores que limita a luta dos trabalhadores, e diminui sua capacidade de se enfrentar com os capitalistas por melhores salários e mais direitos. Da mesma maneira, baixos níveis de desemprego fortalecem as posições dos trabalhadores por suas reivindicações.

O desemprego, portanto, é estrutural no capitalismo, um mecanismo para que o sistema possa funcionar de sua maneira usual. Somado a esse exército de reserva, existe ainda a precarização do trabalho dos que estão ocupados, com informalidade, longas jornadas e falta de direitos, que mostram as contradições da recuperação econômica da pandemia no Brasil, onde a taxa de informalidade já passa de 40%, e o rendimento médio atingiu o mínimo da série histórica no último trimestre de 2021.

Esta situação está em linha com o projeto do bolsonarismo para o país, que é o de, a partir da Reforma Trabalhista e do Teto de Gastos do governo Temer, seguir com o aprofundamento dos ataques às condições de trabalho, diminuindo seu custo para os capitalistas, e aumentando os lucros destes.

O grande símbolo disso, na gestão de Bolsonaro, foi a aprovação da Reforma da Previdência, em 2019, mas também as tentativas de aprovar a Reforma Administrativa, que atacaria os direitos dos servidores públicos, e as privatizações, como a da Eletrobrás. Um país de jovens uberizados fazendo entregas, e de trabalhadores informais com baixo rendimento. E nada mostra mais claramente o que significa esse projeto de país do que os recentes dados sobre a fome no Brasil: são 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, e 33 milhões que passam fome diariamente, segundo dados da Rede Penssan. Fazendo uma rápida comparação com os dados de desemprego, vê-se que a fome no Brasil não atinge apenas os desempregados, mas também um grande número de pessoas que têm emprego e que, mesmo assim, passam fome.

O projeto de Bolsonaro é o de manter essas condições pela força destilando todo seu reacionarismo. Apoiado nos militares na maior parte do centrão, não hesitaria em se utilizar da repressão para enfrentar qualquer tipo de descontentamento social causado pela grave situação no país.

Frente a essa situação, o MRT propõe uma medida que poderia servir para combater tanto o desemprego quanto a precarização do trabalho: a diminuição da jornada de trabalho, sem diminuição do salário. Segundo nossos cálculos, caso essa medida seja implementada apenas nas empresas com mais de 250 empregados, ou seja, grandes empresas, poderiam ser gerados cerca de 5,4 milhões de postos de trabalho diretos com carteira assinada. Ou seja, apenas considerando os lucros de um punhado de capitalistas, seria possível acabar imediatamente com metade dos desempregados do país, segundo os dados oficiais. A partir dessa medida, outras formas de organização racional da produção poderiam ser implementadas, através da auto-organização dos trabalhadores, liquidando completamente o problema do desemprego e da fome. Nossa proposta é que cada trabalhador trabalhe cinco dias por semana, seis horas por dia, com carteira assinada e direitos trabalhistas. Seria uma semana com jornada de 30 horas, menor que a jornada média dos trabalhadores com carteira assinada, de cerca de 38 horas por semana, para não falar das jornadas infindáveis dos trabalhadores informais.

Para chegar a esse número, utilizou-se os dados do Caged de 2020, os mais novos disponíveis. Estimou-se a média de horas trabalhadas por semana, por trabalhador, que foi de 38,26 horas por semana. A partir destes dados, se estimou o total de horas trabalhadas nas empresas com mais de 250 empregados, dividiu-se por 30, a proposta de semana de trabalho que estamos fazendo, e chegamos ao número de trabalhadores necessários. Subtraindo desse número o total de trabalhadores hoje empregados, se chega ao número de novos empregos, supondo que a quantidade de horas trabalhadas se manterá igual.
Porém, esses dados são de 2020, ano em que o Brasil passou por uma recessão, e sua produção caiu 3,9%. Os dados de 2021 não estão disponíveis, mas é possível supor que o total de horas trabalhadas tenha aumentado, dado o crescimento do PIB.

As grandes empresas, que acumulam lucros bilionários a cada ano, seriam as principais atingidas por essa medida, como o Banco do Brasil, maior empregador do país, com quase 120 mil funcionários, e que lucrou mais de R$ 6 bilhões no primeiro trimestre do ano. Ou então os bancos Itaú (108 mil funcionários, lucros de R$ 7,4 bilhões no primeiro trimestre) e Bradesco (93 mil funcionários, lucro de R$ 6,8 bilhões no primeiro trimestre), as gigantes alimentícias BRF (96 mil funcionários, lucro de R$ 437 milhões em 2021) e Seara (74,5 mil funcionários, lucro de R$ 5,1 bilhões no primeiro trimestre), ou a Atento, de telemarketing, um setor conhecido pelas longas jornadas, baixos salários e assédio moral, que tem mais de 72 mil funcionários no Brasil.

Por que então o PT e os reformistas nunca lutaram verdadeiramente pela redução da jornada?

Uma medida como essa só poderia ser levada a frente enfrentando a grande burguesia e atacando os seus lucros. Como diálogo com o anseio dos trabalhadores pela redução de jornada, as centrais sindicais propuseram a pauta de 40 horas semanais no III CONCLAT, a mesma medida que já constava no I CONCLAT de 1981.

Centrais sindicais como a Força Sindical já participaram de governos desde Collor, e o principal fundador da CUT, Lula, já foi presidente por 8 anos, e mesmo assim as centrais sindicais sequer foram capazes de colocar em pé uma luta consequente pela redução da jornada para 40 horas mesmo fazendo 40 anos que levantam essa bandeira!

É claro, também, que a grande burguesia não iria aceitar passivamente a redução da jornada sem redução salarial e sem aumento da exploração, pois seria obrigada a contratar mais trabalhadores para garantir sua produtividade. Pelo contrário, iriam mobilizar todas suas forças na mídia, no Congresso, nos tribunais, nas polícias e até na presidência para se opor a isso, afinal seria um golpe nos seus lucros e na sua capacidade de submeter os trabalhadores, e o caminho de apoio irrestrito à chapa Lula-Alckmin mostra que as centrais sindicais não estão interessadas em se chocar com os interesses da burguesia. Por isso, aqueles que se juntam com a burguesia não vão lutar por tal medida.

As “pautas da classe trabalhadora” na Conclat são uma farsa das centrais sindicais a serviço da conciliação de classes na eleição

Lula se postula agora à presidência, e vende a ilusão que através de investimentos estatais seria possível resolver o problema das desigualdade sociais. Lula apresenta um modelo de gestão do capitalismo, no qual seria possível avanços sociais, apenas modificando alguns aspectos da política econômica do governo. Utilizando sua influência na classe trabalhadora, bem como o controle que o petismo tem sobre centrais sindicais, movimentos sociais e sobre a UNE, busca dar uma nova cara ao regime político brasileiro, atravessado por inúmeras características bonapartistas e com direitos sociais cada vez mais reduzidos. Não por acaso, Lula nunca propôs, nem se dispõe a isso, adotar qualquer medida que modificasse a estrutura do regime capitalista brasileiro.

Lula e o PT fizeram também zigue-zagues no discurso em relação a Reforma Trabalhista, ora falando de revogação, ora adotando uma postura de revisão, em um aceno à burguesia. No fim das contas, decidiram excluir a menção à revogação no projeto de programa fechado pelos partidos que estão aliados, incluindo o PSOL. Além disso, Lula escalou Alckmin para rearticular sua aliança com Temer, e tranquilizá-lo que o legado que ele deixou com sua reforma trabalhista seria mantido. Um símbolo do resultado da política de conciliação, manter ataques como esse contra as condições de vida das massas trabalhadoras.

Somente a esquerda que se coloca num campo antiburocrático pode lutar consequentemente por essa demanda de reduzir a jornada de trabalho para 30 horas (5 dias, 6 horas) sem redução salarial. E fazendo uma grande agitação ao redor deste ponto, ganhando setores da vanguarda para uma demanda como essa, podem ser um fator para pressionar as burocracias sindicais a que se movam por uma demanda como essa, mas como mínimo já cumprem um papel educativo com essa agitação política, chamando a unidade de empregados e desempregados para lutar por ela. Um forte exemplo nesse sentido é o PTS, que na Frente de Esquerda e dos Trabalhadores da Argentina, coloca peso em agitar essa consigna e a tornou conhecida amplamente nas massas através das eleições. Um exemplo para a esquerda brasileira.

Mas a luta pela redução da jornada para 30 horas sem redução salarial ainda não seria capaz de resolver completamente o problema do desemprego. Para isso, é necessário avançar para uma sólida unidade entre empregados e desempregados na luta pela divisão das horas de trabalho entre todas as mãos disponíveis para trabalhar. Não podemos naturalizar que o capitalismo não dê sequer condição para a classe trabalhadora ter direito à “escravidão assalariada”, é papel da esquerda revolucionária lutar por uma saída de fundo que acabe com o problema do desemprego definitivamente.

Sem ilusões, também, que a divisão das horas de trabalho poderia ocorrer por dentro do capitalismo, deve estar ligada a um programa que aponte de fundo para uma saída operária para a crise política e econômica pela qual o Brasil passa.

Somado à divisão das horas de trabalho, seria necessário a estatização, sob controle operário, de todas as empresas que realizassem demissões em massa, o não pagamento da dívida pública, rompendo com os grandes bancos nacionais e estrangeiros que controlam o Estado, a nacionalização do sistema bancário em um único banco estatal, dirigido pelos trabalhadores, e o monopólio do comércio externo.

Perante a organização da burguesia para evitar essas medidas, será necessário a organização dos trabalhadores para impô-las pela força, e que sirva de base para avançar rumo a um governo de trabalhadores de rompimento com o capitalismo, a partir da derrota dos setores burgueses.

Em momentos de crises agudas, onde a conciliação de interesses entre burgueses e operários se revela como uma ilusão reacionária, se coloca a situação de que ou a crise será descontada nas costas dos trabalhadores, como é a regra dentro do capitalismo, ou os trabalhadores se organizam para fazer com que os capitalistas paguem pela crise, com os bilionários lucros que acumularam durante a pandemia, enquanto obrigavam seus funcionários a trabalharem em péssimas condições, se expondo e morrendo por causa do coronavírus.

Nestes momentos de crise é que se torna ainda mais fundamental a organização dos trabalhadores em defesa de seus interesses, se enfrentado, inclusive fisicamente, com a burguesia, em defesa de seus direitos, de suas condições de vida, contra a fome e a pobreza, e também contra os massacres perpetrados pela polícia burguesa e seus jagunços, como o assassinato de Dom e Bruno e a chacina que ocorreu no Rio de Janeiro, ou o assassinato de Genivaldo pela Polícia Rodoviária Federal de Bolsonaro.
É preciso colocar abaixo esse sistema de miséria, lutando pela libertação da humanidade da opressão e da exploração, o que só pode se desenvolver a nível internacional, na perspectiva da construção de uma sociedade comunista.


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Caio Silva Melo

Economista, estudante de direito e técnico do IBGE.

Pedro Oliveira

Estudante de Economia na USP.
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