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A rebelião chilena desperta Marx, a luta de classes e o fantasma da crise capitalista

Benjamín Lobos

A rebelião chilena desperta Marx, a luta de classes e o fantasma da crise capitalista

Benjamín Lobos

A frase que o revolucionário alemão pronunciou há mais de 150 anos atrás: "a história da humanidade é a história da luta de classes" começa a fazer sentido na cabeça de milhares de pessoas após a rebelião. Nestes mais de 50 dias, vimos como os excluídos, oprimidos e explorados, depois de 30 anos saem às ruas para lutar por tudo o que uma minoria lhes tirou, pela "vida digna". Esse grupo minoritário, a burguesia composta pelos grandes empresários e seus representantes políticos, reagiu fortemente para defender seus interesses, sendo uma mostra disso que, enquanto escrevemos este artigo, é aprovada a proposta de criar uma lei que proíbe protestos, com os votos da Frente Ampla e a abstenção majoritária do PC.

Esse salto na luta de classes abriu outro período, rompeu o equilíbrio instável da economia chilena, que vinha com desaceleração, esgotamento do modelo de exportação e um quadro econômico internacional fraco.

Neste artigo, queremos estabelecer o que essa mudança implica (a ruptura do equilíbrio econômico) para o capitalismo no Chile, e como isso abre - acreditamos - um período entre tendências recessivas e a possibilidade de uma crise de proporções, que também terá efeitos para que se abram novas lutas de trabalhadores, que podem tender a se expandir, assumindo um caráter mais repulsivo em relação a todo o regime.

Marx e a luta de classes

As categorias marxistas delineadas por Marx n’O Capital, como valor, mais-valia e interesse, demarcam as relações sociais. Esses relacionamentos são antagônicos e justamente dão o caráter instável a uma sociedade de classes. Se trouxermos ao presente, por exemplo, o conceito de "poupança" vinculado às AFP, é a expressão concreta do antagonismo que existe entre os trabalhadores e os empresários. Ou seja, as categorias de Marx são a forma de existência da luta de classes no capitalismo [1].

Assim, manter a estabilidade do capitalismo depende de como a classe dominante lida com esses antagonismos e a instabilidade que eles produzem para a economia capitalista (daí o papel do Estado). Isso depende, em grande parte, se os subordinados - neste caso, os trabalhadores - querem se manter como tal.

O problema do capitalismo pós-crise de 2009 - que caracterizaremos como um equilíbrio instável - é a dificuldade do capital para manter a subordinação. Assim, a crise capitalista não pode ser caracterizada como algo "puramente econômico", no sentido de tendências ou leis econômicas do capital. Essas tendências e as possibilidades de crise estão intimamente ligadas à possibilidade de insubordinação dos trabalhadores, especialmente, que com maior ou menor força, não desejam permanecer nos atuais antagonismos (manter os equilíbrios).

O fator luta de classes e a restauração do equilíbrio capitalista

A economia chilena estava em um momento transitório de equilíbrio instável, onde buscava recompor o equilíbrio que se rompeu após a crise de 2009 no mundo. A direita teve que atacar as condições de trabalho para iniciar uma recuperação nos novos contextos da economia mundial, uma economia em convulsão, com uma ligeira recuperação dos Estados Unidos. Justamente no Chile, nos ataques e na resistência que eles têm, é onde os choques ocorrem e reconfiguram os novos cenários econômicos.

O fator que atravessa todas as relações da economia e que por fim ameaça as intenções da direita, dos empresários do Chile e de toda a burguesia do mundo, é a luta de classes. Ou seja, a classe operária é um fator nessa equação, que pode impedir que a restauração capitalista caia sobre seus ombros, assim como a rebelião chilena faz hoje. As crises capitalistas mostraram essa dinâmica na história (Arrigui 2009, Brenner 1998). No período de 1970-1980, vimos como o triunfo da contra-revolução capitalista neoliberal iniciou um novo período de acumulação, ou seja, restaurou o equilíbrio, a partir de um momento de grande instabilidade iniciado pela crise de 1970 (Brenner 1998). Por sua vez, o marxista revolucionário Leon Trotski caracterizou a dinâmica capitalista na década de 1920 em momentos de equilíbrio instável da economia capitalista, antes da crise de 1929.

“O equilíbrio capitalista é um fenômeno complicado; o regime capitalista constrói esse equilíbrio, rompe-o, reconstrói-o e o rompe novamente, expandido, de passagem, os limites de seu domínio. No domínio econômico, a crise e o recrudescimento da atividade constituem as rupturas e a restauração do equilíbrio. No domínio das relações entre as classes, a ruptura do equilíbrio consiste em greves, bloqueios, em lutas revolucionárias. No domínio das relações entre Estados, a ruptura do equilíbrio é geralmente a guerra, ou, mais veladamente, a guerra das tarifas alfandegárias, guerra econômica ou bloqueio”.

Podemos observar hoje que vários desses fatores começaram a estar mais presentes desde 2017, com a guerra comercial e agora com a rebelião chilena, além do novo período de luta de classes que parece se abrir na América Latina e no Caribe (Equador, Haiti, Colômbia).

O equilíbrio instável à possibilidade de uma crise de proporções no Chile

Antes de 18 de outubro, a economia vinha de um ano de desaceleração no Chile, particularmente as estimativas de crescimento vinham se reduzindo. Poderíamos dizer que era um “momento transitório de equilíbrio instável”, que tinha como característica geral os empresários que buscavam recompor no Chile e internacionalmente os equilíbrios perdidos após a crise de 2009 (e, particularmente, após o fim do super-ciclo do cobre no Chile), levando adiante a reforma trabalhista e tributária. Tudo isso para dar novas margens aos empresários, melhorar seus lucros e revitalizar o investimento. Além do mais, com algumas lutas parciais (professores de maio a julho de 2019, Valparaíso 2018).

No Chile, o que expusemos acima assumiu uma forma concreta. O modelo neoliberal baseado em exportações, salários miseráveis e consumo através de crédito estava se esgotando. No cenário mundial, a China estava começando a desacelerar acentuadamente e, com isso, chegava ao fim o boom dos preços das commodities, deixando de ser o fenômeno que empurrava o mundo pós-2009. Os atritos no mundo, a guerra comercial e os choques geopolíticos retornam a uma economia mais volátil, isso impõe limites a um modelo que depende das exportações, principalmente da China. Por outro lado, os limites internos e estruturais, as grandes empresas exportadoras transnacionais baseiam seus lucros nos salários da fome.

Esse era o contexto do equilíbrio instável ou transitório que buscava fazer com que os trabalhadores arcassem com os custos de iniciar um novo período de acumulação.

O fator ausente da equação, para a possibilidade de recomposição desse equilíbrio, foi um salto qualitativo na luta de classes que impediu os planos dos empresários e do governo, questão que poderia determinar se os capitalistas conseguiriam aprovar suas reformas e iniciar novos cenários para o crescimento econômico. Questão que finalmente aconteceu, a força da rebelião mudou a situação transitória de equilíbrio instável, para um momento de possibilidade de uma crise de proporções para o capitalismo no Chile.

Em 18 de outubro, tudo deu uma guinada, o fator “luta de classes”, que dormiu por mais de 30 anos, acordou. Entre o mundo empresarial, o medo da "morte da galinha dos ovos de ouro" os leva a ter pessimismo em poder continuar ganhando como ganhavam no Chile. Seus lucros milionários são hoje atravessados pelas enormes expectativas das massas, que tiveram como expressão enormes batalhas nas ruas.

É importante esclarecer que no Chile houve luta de classes nesses 30 anos (2006, 2011 etc.), mas que não conseguia ser um salto qualitativo para mudar o momento, quebrar o equilíbrio. Essa é a diferença com a atual rebelião, em termos qualitativos.

Aonde vai a economia chilena

À medida que a luta aumenta, a crise econômica se aprofunda. A evidência disso foi o último IMACEC (-3,4 em outubro, ver figura), que desencadeou o medo e a histeria dos empresários. O Banco Central agiu e vendeu 20 bilhões de dólares para impedir a fuga de capitais para a moeda imperialista. Ao mesmo tempo, ele adverte: “nós podemos, através de medidas como essa, reduzir a volatilidade, podemos conter um pouco essa incerteza, mas não temos capacidade para influenciar as origens dessa incerteza” (La tercera, 30 de novembro).

Indicador mensal de atividade econômica, IMACEC
(Base 2013 = 100, porcentagem)

Especificamente, a rebelião custou aos empresários entre 1,2 e 1,5 pontos do PIB, as estimativas antes de 18 de outubro estabeleciam um crescimento de 2,4% para 2019. Recentemente, o mesmo Banco Central (BC) reduziu fortemente os números em torno de 1%. Por outro lado, seu presidente acaba de dizer publicamente que isso pode custar ao Chile um retrocesso de 27 anos e o desemprego poderia chegar a 10%.

A chave é ver que a recomposição do capitalismo é e será uma luta até a morte, embora não haja mais centenas de milhares nas ruas (embora isso ainda deva ser visto), é quase certo que as lutas contra o desemprego, o fechamento de fábricas, demissões arbitrárias, reformas repressivas, permanecem por um longo período, especialmente considerando as estruturas instáveis da economia mundial.

Para pensar sobre a situação econômica do Chile, é importante notar que o batalhão central de trabalhadores do Chile não entrou nessa rebelião. Os trabalhadores do cobre desempenham um papel fundamental como fator econômico. Talvez, no quadro dessa rebelião, não teria sido diferente com o preço do cobre pelo piso e com milhares de despedidos em várias tarefas? Isso não teria empurrado os trabalhadores do metal vermelho a entrarem em cena? Este não foi um fator objetivo que limitou o poder da rebelião? O comunicado de imprensa do banco central torna isso mais claro:

“O IMACEC de mineração cresceu 2,0%, enquanto o IMACEC de não mineração caiu 4,0%. A atividade econômica do mês foi afetada pelo desempenho das atividades de serviços, comércio e indústria manufatureira” (Comunicado de imprensa, 2 de dezembro, Banco Central).

Ou seja, a estabilidade da mineração impediu um colapso ainda maior do capitalismo chileno. Essa força ainda não se testou na realidade, e amanhã, no Chile pós-rebelião, pode ser um fator determinante que pode ferir mortalmente uma economia capitalista que está sangrando.

Não é por acaso que Piñera promove o projeto de "lei anti-protestos" que protege a infraestrutura crítica de locais estratégicos com os militares. Os empresários sabem muito bem que, em um cenário econômico assim, irão se abrir lutas nos diversos setores estratégicos da economia e que isso, em um contexto de crise social, pode dar um salto em lutas mais revulsivas, que podem hegemonizar uma luta aberta por todas as demandas que essa rebelião vem lutando há mais de 50 dias.

Tudo que está em jogo depende muito do papel da economia internacional, e esta vem mostrando fraqueza há algum tempo. Se isso continuar assim (ou piorar), o cenário para os empresários no Chile, pelo menos como um fator objetivo da realidade, colocará grandes dificuldades para encontrar uma saída que não vá pelo lado do estrangulamento. Isso imprimirá na realidade, acreditamos, um cenário de lutas parciais que podem assumir um caráter político com tendência à revolta. Tudo isso considerando que a rebelião mudou a consciência de milhares ou talvez milhões de trabalhadores, que começam a brigar com seus locais de trabalho, com os métodos históricos, que justamente essa rebelião tornou válidos, como as greves, assembleias, barricadas e métodos violentos como um todo.

Um exemplo vivo disso são as trabalhadoras da limpeza da USACH, que realizaram assembleias, ameaçaram com greve e, assim, forçaram a reitoria a entregar uma demanda histórica, justamente para evitar uma grande revolta, em união com estudantes e professores.

Essa possibilidade tem como principal limite a burocracia sindical, que nessa rebelião impediu a entrada em cena principalmente dos trabalhadores de cobre. Mas nada está dado ainda, a superação desses limites dependerá dos fatores discutidos neste artigo, e da organização de uma esquerda dos trabalhadores que lute por essa perspectiva. Mas, de qualquer forma, acreditamos que a combinação de "avanço na consciência da luta" com "uma economia que sangra" (quando os equilíbrios do capitalismo são quebrados) fornece traços mais convulsivos, com tendência a revolta das lutas que virão.

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Bibliografia

Arrighi, Giovanni 2009, Adam Smith en Pekin
Brenner, Robert 1998, Turbulencia de la economía mundial
Trotsky León, 1921, La Situación Mundial
https://www.bcentral.cl/imacec
https://www.latercera.com/pulso/noticia/banco-central-advierte-efecto-acotado-la-intervencion-no-se-frena-la-incertidumbre-la-crisis-social/921103/


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