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A perspectiva comunista em tempos de inteligência artificial e biotecnologia

Esteban Mercatante

A perspectiva comunista em tempos de inteligência artificial e biotecnologia

Esteban Mercatante

Um livro recente de Aaron Bastani, um jornalista britânico, fala da transformação abrupta gerada pelo desenvolvimento da inteligência artificial e outras tecnologias para pensar as possibilidades de uma sociedade comunista.

Comunismo de luxo totalmente automatizado. Essa é a proposta atraente que intitula o livro recente de Aaron Bastani [1]. A ideia central proposta no livro é que estamos atravessando os primeiros momentos de uma grande ruptura tecnológica, a terceira na história da humanidade. A primeira teria sido o desenvolvimento da agricultura, que deu origem ao estilo de vida sedentário e permitiu o desenvolvimento da sociedade; e a segunda ocorreu com o desenvolvimento da revolução industrial, com o motor a vapor sendo o gatilho da mudança. A atual teria sua base no colapso repentino nos custos para a produção de praticamente tudo, remetendo basicamente à iminência do fim do trabalho graças à automatização, que permite a inteligência artificial e a transformação da biotecnologia. Para Bastani, não se trata de saber se o trabalho humano será substituído pelas máquinas, mas sim a velocidade com que isso ocorrerá e a maneira em que a sociedade compartilhará seus benefícios. É aqui que a questão do comunismo entra como uma perspectiva possível, e a única que poderia garantir as melhores possibilidades referentes ao desenvolvimento tecnológico atual.

O que normalmente é tratado nos meios de comunicação e por economistas tradicionais com notas sinistras, levando a traçar horizontes distópicos que poderiam ser aliviados com algum paliativo, como a renda básica universal, para Bastani é a base para uma transformação radical de como vivemos. Deixar de trabalhar, que sejam as máquinas que cuidem de tudo, para que aproveitemos de um lazer acompanhado de abundância. Possibilidades que nem os autores do Manifesto Comunista chegaram a imaginar: um comunismo “de luxo”.

Crescimento exponencial

A chave da análise que nos propõe Bastani é o crescimento exponencial da capacidade de gerenciamento da informação. Isso resultou em um colapso abrupto do custo de “coletar, processar, armazenar e distribuir informação digital” que, por enquanto, não tem um piso, ficando cada vez mais baixo. No centro dessas tendências está a operação da lei de Moore: em 1965, Gordon Moore (que mais tarde fundou a Intel) afirmou que, a cada dois anos, o número de transistores que poderia caber em um circuito dobraria, o que significa dizer que a capacidade dos processadores também seria duplicada nesse período. Isso continuou acontecendo até os dias de hoje, com resultados surpreendentes: Bastani nos diz que um supercomputador construído em 1996 pelo governo norte americano, a um custo de 55 milhões de dólares, e que tinha o tamanho de uma quadra de tênis, tinha a mesma capacidade de processamento que poderia ser encontrada, em 2006, em… um PlayStation 3! E por apenas 600 dólares. Em 2013, o PlayStation 4 dobrou essa capacidade e custava 400 dólares.

O mesmo aconteceu em terrenos chave para a coleta de dados, como a fotografia, a geolocalização, etc. Estas têm sido as bases de apoio para a crescente automatização do processo de trabalho e para o desenvolvimento da inteligência artificial. A informação é a matéria-prima central da produção moderna, segundo Bastani, e se torna cada vez mais barato coletar e processar.

Outra área em que o crescimento exponencial teve efeitos radicais é na biotecnologia. O livro apresenta um olhar ambicioso sobre isso. O que é a vida além de uma longa cadeia de informações armazenadas no DNA? Como nos outros terrenos, desde que que foram construídos os primeiros genomas até hoje, o custo do processo despencou. Sequenciar o genoma humano pela primeira vez, em 2003, levou trinta anos e bilhões de dólares. Em junho de 2015, sequenciar o DNA de uma pessoa custava 10 mil dólares, mas a empresa de biotecnologia Illumina já apresentou uma máquina que planeja realizar esse processo por menos de 100 dólares.

Desenvolvimentos similares são observados na produção sintética de proteínas animais. Bastani revisa inúmeros casos de empreendimentos que, por meio de diversos métodos, planejam oferecer-nos ovos, carne vermelha, frango, peixe, leite e queijos a preços competitivos em que poderão afirmar, como nos créditos ao final dos filmes: “nenhum animal foi ferido durante essa produção”. Embora hoje, sob diferentes ângulos, existam propostas de prevenção do envolvimento da biotecnologia na produção de alimentos, o autor é categórico em seu posicionamento: além do tratamento aos animais, que hoje em dia deveria ser uma consideração irrefutável por si só, os menores níveis de poluição (o metano pecuário é um dos maiores propulsores da mudança climática, como evidenciam inúmeras pesquisas), e a redução na utilização de recursos essenciais como a água (1 dúzia de ovos consome 2.400 litros de água para ser produzido e 1 quilo de carne, 3.300 litros de água) poderiam ser motivos suficientes. Além disso, Bastani nos diz, as proteínas que em breve virão dos laboratórios, serão tão saborosas como suas equivalentes produzidas porteiras adentro.

Como conciliar a perspectiva da abundância com a urgência em conter os danos ambientais? O luxo totalmente automatizado significa mais e não menos consumo de energia. A chave está em uma mudança profunda na matriz energética. E aqui Bastani oferece uma resposta surpreendente, porque se trata outra vez do aumento exponencial atuando em algo que tem sido utilizado há muito tempo: energia solar. “Em apenas noventa minutos a terra é banhada por energia solar suficiente para satisfazer a necessidade energética atual por um ano inteiro”, afirma Bastani. Claro, isso sempre esteve aí, e é utilizada há muitas décadas, mas sem escala ou viabilidade econômica suficiente para se transformar na base da matriz energética. Em meados da década de 70, produzir 1 watt usando energia solar custava 100 dólares, muito mais que as outras fontes de energia vigentes. Hoje em dia, nos países mais ensolarados, o custo de produzir 1 quilowatt caiu para 10 centavos de dólar, enquanto a capacidade instalada se multiplicou por 100 entre 2004 e 2015. No Reino Unido, em 2010, a energia solar cobria 2% de toda a sua necessidade energética; hoje satisfaz 25%. Para Bastani, a mesma combinação de tornar mais barato e eficaz é observada na energia eólica. As duas fontes, opina, poderiam substituir quase totalmente o gás e o petróleo, e outras formas de gerar eletricidade, em poucas décadas.

A perspectiva de “pós-escassez” delineada pelo livro, se completa com o possível acesso a um conjunto ilimitado de recursos que têm disponibilidade limitada até hoje. A mineração espacial, a custos sustentáveis, é outro desenvolvimento que Bastani vê como algo promissor. Na última década, ela deixou de ser um monopólio de (alguns) governos e, ao contrário disso, é a iniciativa privada, apoiada no crescimento exponencial do desenvolvimento dos processadores, que está determinada a fazer das viagens espaciais regulares uma iniciativa viável. A expectativa é desenvolver uma nova corrida espacial, “na qual as empresas competem no lugar dos países, e nas quais a elite mundial se torna ainda mais rica”.

A informação quer ser gratuita (livre)

A terceira ruptura traz uma mudança radical na economia política. Desde seu desenvolvimento como disciplina, a economia política teve como objeto de análise um mundo de produção dedicado à administração de recursos escassos. O preço e o lucro só fazem sentido se os bens só podem ser produzidos a um determinado custo —– se for necessário realizar um determinado tempo de trabalho socialmente necessário para fazê-los, diria Marx. O mundo das mercadorias —– como “aparece” na sociedade capitalista à primeira vista, de acordo com [O Capital] —– existe porque há uma economia do trabalho social, única base para satisfazer todas as necessidades. Um setor minoritário da sociedade é dono dos meios de produção requeridos para realizar esses trabalhos necessários e monopoliza o acesso a eles. É isso que lhes dá o direito de se apropriar de uma parte do trabalho que faz, sob seu comando, aquela parte da sociedade que não possui nenhum meio de produção. Esta última é a que compõe a classe trabalhadora, que tem apenas sua força de trabalho para vender, a cada dia, em troca de um salário.

A questão mudaria com o peso crescente que a informação adquire no capitalismo contemporâneo. Esse debate não é novo. Entre os marxistas, há décadas há a discussão com aqueles que defendem que entramos na era de um capitalismo cognitivo. Muitos dos defensores dessa última tese voltam a Marx, e sua defesa do “general intellect” feita nos Grundrisse, esboço preliminar d’O Capital, escrito em 1857 e desconhecido até as primeiras décadas do século XX. Marx expõe como o desenvolvimento da técnica, que se traduz em meios de produção cada vez mais complexos (que, sendo mais caros, representam um maior “trabalho objetivado”), tende a transformar a fonte de lucro (a exploração da força de trabalho) numa base cada vez mais “miserável” para sustentar essa sociedade. Partindo dessa frase de Marx, que em algumas interpretações deslocaria o trabalho como fonte de valor em favor do conhecimento “imaterial” (como se este não fosse também material e laboral, mas complexo), os teóricos do capitalismo cognitivo tendem a defender que a ideia de que a fonte do valor (e do lucro) é o trabalho socialmente necessário teria se tornado anacrônica, e com ela todas as categorias da crítica da economia política de Marx.

Bastani passa também por outra abordagem da questão: como a economia dominante, neoclássica, enfrenta a importância que a informação adquiriu como mercadoria cada vez mais importante hoje. A informação (entendida em termos gerais, incluindo desde a coleta de dados até o desenvolvimento de processos e desenhos) tem um custo para ser gerada, mas reproduzi-la, uma vez que terminada, não tem custo. É isso o que dizia Paul Romer, economista do Banco Mundial, que esteve entre os primeiros a analisar essa questão. Em seu artigo de 1990 “Mudança tecnológica endógena”, Romer considerava que o processo que dava título a seu trabalho poderia ser interpretado como “um melhoramento nas instruções para combinar matérias-primas”. Mas, “uma vez que o custo para criar um novo conjunto de instruções foi necessário, estas podem ser utilizadas outras vezes sem custo adicional”.

Uma década depois, serão Larry Summers e James Bradford DeLong, dois economistas de prestígio que integraram o gabinete de Bill Clinton, os que se meteram a considerar essa questão inquietante para uma sociedade baseada na apropriação privada das receitas da produção. Em sua opinião, “a condição mais básica para a eficiência econômica” é que “o preço seja igual ao custo marginal”. O custo marginal é o custo para produzir a última unidade, o qual supõe-se ser o mais alto porque, depois de diminuírem, após certo ponto da produção, o custo aumenta. A conclusão clássica da teoria dos rendimentos decrescentes sustenta que a produção aumentará até o nível em que produzir a última unidade (a mais cara) tiver o custo igual ao preço que o produtor espera obter. Esta é uma das bases de toda a economia neoclássica. O problema, diziam Summers e DeLong, é que “com bens informacionais, o custo social e marginal de distribuição é quase zero”. Isso, aponta Bastani, se aplica tanto ao design de medicamentos ou robôs, quanto para livros, filmes e artigos acadêmicos. E também, como vimos, para o DNA ou quase qualquer coisa nos dias de hoje. Mas então, se as mercadorias desse tipo fossem vendidas ao seu preço marginal (zero), “não podem ser criadas e produzidas por empresas que usam sua receita para cobrir os custos”. Qual conclusão tirar disso? Que o sistema baseado no capital privado e no lucro mostra os limites aos quais se confronta para organizar as forças produtivas que desenvolveu? Pelo contrário, os defensores da livre iniciativa e da competitividade, argumentaram sem nenhuma vergonha, diante desse problema, que “o poder do monopólio temporário e os lucros decorrentes dele podem ser a recompensa necessária para estimular a empresa privada a lançar-se a inovações”. Ou seja, em uma situação onde não existe a escassez, ela deve ser criada para que as leis do capital possam “funcionar”. O Spotify ou o Netflix são exemplos de negócios que surgiram dessas ideias, em oposição, por exemplo, ao Napster, empresa que permitia a distribuição gratuita de música entre usuários da Internet do mundo todo. Como nos lembra Bastani, essa empresa foi derrubada pela indústria da música no momento em que Summers e DeLong escreviam seu artigo.

Os remédios sugeridos pelos economistas que consideram o capitalismo como um horizonte insuperável, para presumidamente enfrentar o “problema” da produção de bens que, uma vez gerados, podem ser reproduzidos sem custo e, portanto, não estão sujeitos às leis de escassez, é gerar uma escassez artificial. Não é só agora que isso tem sido discutido sobre o capitalismo. Os direitos autorais e as patentes são quase tão antigos quanto a grande indústria. Sempre foram uma forma do capital declarar sua propriedade e estabelecer um preço. As “novidades” são as condições de abundância e a generalização que a necessidade de controlar essa abundância adquire.

Bastani não considera que o capitalismo não possa encontrar soluções para adaptar as possibilidades criadas pela terceira ruptura. De fato, ele revisa durante todo seu livro, em muitos casos com entusiasmo, as soluções alcançadas pelos empresários para inovar e reduzir custos, sem deixar de lembrar também que o “‘investimento privado’ não é responsável pelo nosso nível atual de tecnologia”, que é devido em muitos casos, direta ou indiretamente, aos investimentos públicos. Mas ainda que o autor mostre que o empreendedorismo, na busca de vender mais e mais barato e transformar tudo o que puder em negócio, cumpriu e segue cumprindo um papel nessa criação de possibilidades para a abundância, não pode nos levar a tal situação. Para garantir o lucro, é necessário seguir impondo, “com fórceps”, as leis do mercado onde elas começam a se tornar precárias.

Bastani retoma em várias ocasiões a sentença de Stewart Brand: “a informação quer ser livre!”. Brand afirmava:

Por um lado, a informação quer ser cara, porque é muito valiosa. A informação correta no momento adequado muda a sua vida. Por outro lado, a informação quer ser livre, porque o preço para se informar cai cada vez mais e mais. Então nós temos essas duas tendências lutando entre si.

Se a segunda tendência vencer, irá nos forçar a ir além do capitalismo.

O futuro já chegou?

Bastani quer provocar e ele consegue. Ele apresenta várias evidências convincentes dos motivos de muitas histórias de ficção científica estarem mais próximas de se tornar realidade do que pensamos.

Mas um dos maiores problemas de sua caracterização das tendências em curso é que toma como certa a ideia de que o desenvolvimento técnico no capitalismo está nos levando ao fim do trabalho. Aqui há uma grande operação ideológica: os grandes meios de comunicação e os “especialistas” falam permanentemente da iminência do fim do trabalho, uma ameaça que é utilizada pelos capitalistas em todo o mundo para forçar a aceitação de reformas trabalhistas cada vez mais precarizadoras. Bastani assume como certo que seguimos por esse caminho, se o capitalismo acabar ou não. Seu “comunismo” não visa acabar com o trabalho, o que ele acha que acontecerá de qualquer maneira, mas sim discutir como serão distribuídos os frutos da automatização. Mas ainda que nos últimos tempos esse espectro tenha se tornado senso comum, a acumulação de capital, que deveria motorizá-lo, se destaca por manter níveis historicamente baixos. Ao mesmo tempo, as empresas mostram a mesma ganância para extrair até o último segundo de trablalho não remunerado que mostraram ao longo da história do capitalismo. Além disso, com o argumento da crise dos sistemas previdenciários, os Estados capitalistas insistem em estender o máximo possível o tempo de vida que devemos dedicar ao trabalho. Hoje se trabalha mais, e não menos, do que há décadas, e os capitalistas estão determinados em não mudar esse cenário, ainda que isso signifique, ao mesmo tempo, condenar milhões ao desemprego ou subemprego, porque “não há” trabalho formal para todos nos limites do capitalismo.

Populismo: o novo caminho para o comunismo?

Como é o caso de Paul Mason e seu pós-capitalismo, que nos diz que o capitalismo está quase desaparecendo diante de nossos olhos para nos oferecer como roteiro uma série de medidas reformistas que não asseguram nenhuma transição entre o presente capitalista e um suposto futuro “pós”, Bastani traça uma perspectiva que se caracteriza por um salto no vazio similar.

Ele nos apresenta um olhar radical sobre as possibilidades inscritas na terceira ruptura que já está em andamento. Mas o caminho até lá estaria em retomar as estratégias que já tentaram, com sucesso na questão eleitoral e palpável adaptação ao regime burguês, as forças como Syriza na Grécia (que prometeu termrinar com a austeridade e terminou aplicando os planos de ajuste do FMI e da União Europeia), Podemos no Estado espanhol (que busca se aliar com o partido social liberal – o PSOE – para conformar um governo), DSA nos EUA (apoiando a candidatura “socialista” de Bernie Sanders, que se apresenta novamente nas primárias pelo Partido Democrata) e o Momentum no Reino Unido (que apoia o candidato do partido trabalhista, Jeremy Corbyn). Em todos os casos, querem retomar a tradição da velha socialdemocracia, antes das últimas décadas, em que foram um dos pilares das políticas neoliberais. São uma espécie de “neorreformismo”, que recupera a velha abordagem de uma via de reformas graduais para reverter, ao menos em parte, a herança das políticas neoliberais. Junto com isso, adicionam questões como a renda básica universal, adaptada à perspectiva de “fim de trabalho” que discutimos acima.

Entre o comunismo de luxo plenamente automatizado e o presente, o único caminho passa por “romper com o neoliberalismo”: reavivar as políticas estatais dos benfeitores, impulsionar uma renda básica universal, avançar na “descarbonização” da matriz energética e “reconstruir o Estado capitalista”.

O livro começa nos mostrando viagens ao espaço feitas diariamente, cidades alimentadas por energia solar e uma sociedade onde o trabalho rotineiro é coisa do passado, sem que ninguém tenha menos do que tudo o que puder desejar. E se despede com uma nostalgia pelas políticas dos “30 anos dourados” de boom econômico nos países imperialistas depois da II Guerra Mundial, que deveríamos buscar recuperar como um passo anterior a esse futuro comunista.

Bastani afirma que o comunismo de luxo “não será alcançado com a tomada do Palácio de Inverno”. Por quê? Simplesmente porque nenhuma perspectiva comunista poderia ser possível antes da terceira ruptura. Com essa afirmação, desconsidera-se a necessidade de realizar qualquer balanço histórico sobre a URSS e sua burocratização, porque a experiência daquela época não seria pertinente aos desafios do presente.

Segundo o autor, o que está colocado hoje é

“construir um partido dos trabalhadores contra o trabalho — um cujas políticas sejam populistas, democráticas e abertas, ao mesmo tempo em que lutamos contra o establishment que, por meio de seu poder sobre a sociedade e o Estado, não descansará em assegurar que o comunismo de luxo plenamente automatizado nunca ocorra.”

Mas Bastani não nos diz como essa luta contra o “establishment” vai se desenvolver, nem como seria essa política “contra o trabalho”. Como poderíamos garantir as possibilidades criadas pelos desenvolvimentos tecnológicos que ele detalha fossem em favor da redução da jornada de trabalho, sem afetar o salário, permitindo, ao mesmo tempo, que todos os que estão em condições de trabalhar possam fazê-lo, se não estivermos disputando o controle dos meios de produção? Para estar “contra o trabalho”, ou seja, procurar se libertar desse fardo, questionar o poder sacrossanto do capital de contratar e demitir, e questionar a suposta racionalidade de que alguns trabalhem, nos dias de hoje, jornadas insuportáveis enquanto outros se afundam na pobreza e no desemprego, é o ponto de partida. A isso aponta a exigência de divisão de horas de trabalho entre todas as mãos disponíveis, para acabar com a superexploração e o desemprego, aumentando os salários para que cubram realmente as necessidades dos trabalhadores. Se não começamos por aí, dificilmente poderemos nos aproximar do comunismo, cuja perspectiva é indissociável de tomar o controle dos meios de produção da burguesia, acabando com o monopólio que uma minoria da sociedade exerce sobre a maquinaria, a terra, as fábricas e os transportes. “Expropriar os expropriadores” segue sendo tão inevitável hoje, em tempos de robôs e inteligência artificial (usados pela burguesia para deixar o trabalho mais precário), como era quando Marx escreveu. Só assim, socializando os meios de produção e conquistando um governo dos trabalhadores, em ruptura com esse sistema baseado na exploração, poderemos iniciar uma transição ao comunismo, entendido como uma associação de produtores livres que organizam coletivamente o trabalho social com o objetivo de reduzi-lo ao mínimo indispensável, ou diretamente automatizá-lo, e conquistar o maior tempo livre para o lazer.

Tradução: Pammella Teixeira
Revisor: Heitor Carneiro


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FOOTNOTES

[1Fully Automated Luxury Communism. A manifesto, Londres, Verso, 2019.
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