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Movimento Negro | A necessidade de um novo Movimento Negro

quinta-feira 24 de dezembro de 2015 | 02:24

São 223 anos desde a Revolução do Haiti, 127 anos desde a fraudulenta “abolição da escravatura”, 85 anos desde a fundação da Frente Negra Brasileira, são cerca de 45 anos desde a libertação de países como Angola, Moçambique, Gana, Nigéria, Quênia, Senegal, entre outros, são 37 anos desde a fundação do MNU (Movimento Negro Unificado), 12 anos da criação da SEPPIR (Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial) e 5 anos do Estatuto da Igualdade Racial. E a situação dos negros não mudou. A organização dos negros se modificou muito nesse período, e no Brasil, passo por processos que se iniciam nos quilombos, passam pelo movimento abolicionista, ganha peso com as revoltas, como Chibata e Malês. Mas o que da herança deixada por eles foi incorporada pelo movimento negro dos dias atuais?

As diferentes vertentes do movimento negro foram sempre desviadas, seja através da cooptação do movimento pela estado, com a criação de ONG’s, projetos de fomento (como o Juventude Viva), leis cosméticas (como a lei 10.639, que institui como obrigatório o ensino de história da áfrica), criação de pastas no governo destinadas a frear os anseios de toda uma camada de negras e negros que infelizmente ainda nutrem expectativas e confiança nas vias institucionais e nos próprios partidos da ordem burguesa; ou seja através da destruição e desmantelamento dessas organizações, como ocorreu com os Panteras negras, que foram perseguidos pelo FBI na década de 70.

A cooptação do movimento se dá para que as demandas sentidas pelos negros sejam “aliviadas” e sua indignação contida ou direcionada para outros processos, como vemos agora com várias alas do movimento negro defendendo o governo Dilma, o mesmo governo que ocupa ilegalmente a 11 anos as terras haitianas e treina lá as tropas que invadem os morros no Rio de Janeiro, que ataca os trabalhadores com a aprovação de leis anti operárias e perseguição a ativistas. A justificativa destes movimentos é de que durante os 13 anos de governo do PT, as oportunidades para os negros melhoraram, pois puderam comprar suas casas próprias, cursas faculdades e estabelecer um padrão de compras nunca antes alcançado por eles, surge a “Nova Classe C”, atolada em dívidas com o Fies ou o Minha Casa, Minha vida, retirado dos centros das cidades pelos projetos de “revitalização”, que visa apenas aumentar o valor dos imóveis e revendê-los para a burguesia, “limpando” estes espaços da presença da parcela pobre da população, que é em sua maioria negra.

Enquanto isso os donos das universidade privadas continuam ganhando rios de dinheiro com o PROUNI e o FIES, as empreiteiras seguem construindo prédios com apartamentos cada vez menores, tratando as famílias coo gado estocado, os banqueiros seguem batendo recordes de lucro, enquanto pressionam os pequenos empresários a demitir e os trabalhadores demitidos a serem autônomos, sem vinculo de trabalho e sem direito ao FGTS, empurrados a possuir uma previdência privada para “garantir” sua aposentadoria, que ficou cada vez mais longe e impossível com as novas regras impostas no inicio do ano pelo mesmo Governo Dilma que os movimentos se propõe a defender.

O ano de 2015 foi marcado pelo despertar de um novo ativismo no juventude, que viu as massas ganharem as ruas em Junho de 2013, os bravos garis peitarem o governo no Rio e os metroviários pararem a principal cidade do país ás vésperas da Copa em 2014, ao mesmo tempo em que os rolezinhos eram expulsos dos shoppings e os funkeiros que começavam a romper com o “Funk Ostentação” e colocar suas músicas a serviço de despertar uma consciência sobre tudo isso serem assassinados, como foi o MC Daleste. Após isso os alunos não queriam mais serem apenas expectadores da história e decidiram tomar o protagonismo em suas mãos, lutam através da ocupação de suas escolas contra a “desorganização escolar” imposta por Geraldo Alckmin no estado de São Paulo. O protagonismo dos negros ganha tons mais evidentes quando destacamos que cada um dos principais levantes no país teve a incorporação dos negros, seja da juventude das favelas que se incorporou em Junho de 2013, apoiados no sentimento de falta de confiança na policia, a mesma que matou Cláudia e Amarildo, e que lutou ao lado dos professores em greve no Rio de Janeiro; seja nos levantes operários, como em Jirau ou a icônica Greve dos Garis, que parou o principal carnaval do país para desfilar sua luta e inspirar trabalhadores de todo o país; ou recentemente nas ocupações das escolas em São Paulo, em que a maior parte das escolas que seriam fechadas ou "reorganizadas" são escolas periféricas, tendo que seus alunos, em sua maioria pretos e pobres, tomassem para si esta luta.

Este sentimento de insatisfação se alastrou por toda a comunidade, porém, sofre diversos desvios, como um sentimento anti-partido, muito presente em várias das manifestações, que possui uma grande parte de acerto quando se refere aos partidos da ordem burguesa, seja ele de direita assumido como o PSDB, de Aécio, Alckmin e Serra, ou “disfarçado de esquerda”, como o PT de Lula, Dilma e Haddad, e a seus parceiros, como o PMDB de Temer e Cunha, entre outras figuras que expressam este sentimento conservador, como Bolsonaro, Feliciano entre outros, porém quando esta reivindicação chega aos partidos de esquerda, que possuem estes mesmos inimigos em comum, caímos em um desvio perigoso.

Durante muito tempo se diz, com certa razão, que a esquerda no Brasil negligenciou o debate racial, sendo por isso racista. Acredito que possamos dividir essa crítica em duas partes: primeiro, acredito sim que a esquerda foi (e algumas organizações ainda hoje seguem sendo) negligentes com a questão racial, tão importante para o entendimento do desenvolvimento da luta de classes no Brasil. Isso se deve á tradição Stalinista, personificada no Brasil na figura do PCB, que dizia que as lutas pelos direitos democráticos, como os direitos dos negros ou das mulheres, apenas servia para dividir os trabalhadores e não os aproximar das ideias revolucionárias. Equivoco esse que toda a esquerda brasileira paga com juros. E isso deve urgentemente ser consertado por todas as organizações da esquerda revolucionária que pretendem se fundirem efetivamente com as massas, com um programa que aponte um horizonte frente a este mar de desespero e desesperança que temos no país quando o assunto é a perspectiva do negro. Porém, não podemos nos deixar cair na ilusão de que qualquer saída que seja dada por dentro do sistema capitalista posa ser uma saída de fundo para os problemas sentidos pelos negros no país, pois elas não serão. Segundo que se por negligência os partidos de esquerda são racistas, então o movimento negro é homofóbico? Sendo este um debate que segue negligenciado dentro do movimento ainda hoje?

Qualquer saída que possamos querer dar aos negros deve passar por uma reorganização de como os combates do movimento negro vem sendo dados no país, tirando lições do que possuímos de mais avançado no debate racial e de emancipação da humanidade. Segundo Amilcar Cabral, uma das principais figuras do processo de libertação de Guiné-Bissau, diz em seu livro “A Arma da Teoria”, que “ainda ninguém praticou vitoriosamente uma revolução sem teoria revolucionária”. Esta afirmação é repleta de sentido para o problema do negro. Para podermos dar fim ao processo de exploração em que vive os negrxs e pobres no Brasil e no mundo, devemos entender qual é verdadeira nosso inimigo. Os processos de libertação na África foram bem sucedidos pois, além de contar com a teoria revolucionária, elaborada através de pensadores africanos, contou com algo que falta ao movimento e negro brasileiro: a unificação de fileiras entre os explorados, sejam eles negrxs ou brancxs. Em Moçambique, por exemplo, vários africanos, filhos de colonos portugueses, romperam com suas origens, renegando família e benefícios em prol da luta de libertação do país, lutando com os seus “irmãos da terra” contra o colonialismo português. Porém, é uma pena que apesar da gana desses setores em elevar a sua revolução, as direções dos processos, aqui também alimentadas pela tradição stalinista, isolou esses processos e não permitiu que estes países se libertassem até o final possibilitando que ainda hoje eles sejam semi-colonias dos grandes países imperialistas, como Alemanha e Estados Unidos. A revolução deveria, acima de tudo, ter sido internacional, como colocavam os representantes da fração trotskista de Cabo Verde. Em sua recente visita ao Brasil, Malaak Shabazz, Filha de Beth Shabazz e Malcolm X, importantes lideres do movimento negro nos EUA, disse que um dos principais motivos do movimento negro brasileiro não conseguir repetir a força que teve o movimento negro norte-americano foi exatamente não incorporar os brancos a luta anti-racista. O recorte que deve ser feito aqui é que devemos entender que lutamos todos nós, negrxs, brancxs, mulheres, homens, homossexuais e heterossexuais, somos todos oprimidos e explorados pelo mesmo inimigo: o capitalismo, e como tal, este deve ser combatido por todos nós. A burguesia, classe dominante no sistema capitalista, criou essas divisões dentro da classe explorada para que nós não percebamos o poder que temos, para que não lutemos “ombro a ombro”, nos ajudando mutuamente a avançar frente os nossos atrasos subjetivos, como o machismo, o racismo, a homofobia, xenofobia, entre outros, que não são exclusivos do outros mas que estão dentro de todos nós, que carregamos os elementos atrasados e venenosos do sistema em que vivemos, o sistema capitalista.

Enquanto vivermos sob o julgo deste sistema, que nos divide para nos explorar cada vez mais, seremos sempre incapazes de erradicar o racismo, o machismo, a homofobia, etc. Devemos, juntos, romper com este sistema e marchar sobre ele.

O Programa que o Movimento Negro deve defender

Lutamos pela inserção do negro na sociedade de classes como sujeito político independente, e que lute dentro das fileiras operárias pelas demandas de todos os oprimidos pelo Capitalismo e pelo Imperialismo.

A demanda Negra é a demanda de toda a Classe Oprimida, que deve se organizar para tomar o poder das mãos de seu opressor, sendo assim visamos forjar uma fração revolucionária do movimento negro.

Para isso lutamos pelos seguintes Pontos:

  1. · Cotas para os negros e negras nas universidades públicas, proporcional a quantidade de negros por Estado, estatização das universidades particulares que recebem subsídios do Governo e Luta pelo Fim do Vestibular, de forma a Democratizar a educação, possibilitando o ingresso de todos os excluídos ao Ensino Superior, além do Investimento na educação pública para formação dos cidadãos.
  2. · Dissolução das Polícias Militar e Civil, contra o Genocídio da juventude negra e pobre
  3. · Pela efetivação os trabalhadores terceirizados, temporários e precarizados, que são em sua maioria negros e negras, pela igualdade de direitos e salários aos dos efetivos, salários iguais para funções iguais e incorporação dos trabalhadores terceirizados e temporários sem concursos ou processos seletivos como quadro efetivo nas empresas e órgãos públicos.
  4. · Pela reorganização das moradias urbanas, em defesa do confisco dos imóveis utilizados para especulação imobiliária para fins de reforma urbana e das desapropriações, por um plano de obras públicas que acabe com os problemas de moradias precárias nas favelas, sem energia e saneamento básico, e enchentes que desabrigam dezenas de milhares de famílias negras todos os anos.
  5. · Direito a regulamentação das terras Quilombolas e Indígenas, e coletivização das terras rurais e improdutivas.
  6. Defesa das religiões de matriz africanas, contra a intolerância religiosa
  7. · Estatização de todos os meios de transporte, garantindo um transporte público, gratuito e de qualidade, sobre o controle dos funcionários e usuários.



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