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DEBATE NA ESQUERDA | A ’não luta’ do Partido Obrero contra o golpe no Brasil

O golpe institucional é um fato. O Partido Obrero não passou na prova. Algumas questões sobre a luta contra o golpismo e os debates de programa e estratégia no Brasil.

Matías MaielloBuenos Aires

quarta-feira 18 de maio de 2016 | Edição do dia

"Obrigada, não fumo"

Deu-se o golpe institucional no Brasil. Dilma se foi logo depois de apostar até o último momento na Corte Suprema golpista e de que a CUT realizaria uma "jornada de paralisação nacional" organizada para que fosse um fiasco. O golpista Michel Temer já está a frente do governo.

Neste cenário, o PO ganhou uma triste marca: sabendo que havia um "golpe de estado" em curso no principal país do subcontinente não moveu um dedo contra ele.

A decisão do PTS de colocar a luta contra o golpe no Brasil como eixo da convocatória do dia internacional dos trabalhadores, foi considerado em seu momento pelo PO como"arbitrário’, e para não perder o costume, também como "fracionalista".

No dia 30 de abril,milhares se concentraram em frente a embaixada brasileira de Buenos Aires e em todas as principais cidades do país frente a bandeira: "Contra o golpe no Brasil. Basta de ajustes e entrega na Argentina e em toda a América Latina". Uma ação das que não apenas tiveram que tomar nota os grandes meios de comunicação locais, mas também as próprias mídias brasileiras (até um dos meios direitistas mais importantes, a Folha de São paulo). O PTS na Frente de Esquerda, colocava o peso político conquistado na Argentina ao serviço da luta contra o golpe institucional no Brasil.

Porém, o PO preferiu um ato folclórico que, no dia internacional dos trabalhadores, nem se pronunciara contra o golpe institucional no Brasil. Colocar como eixo de um ato na Argentina, um golpe que se passa do outro lado do Rio Iguaçu, para o PO parecia ser demais internacionalista.

O "argumento" que soltava o PO era "que Izquierda Socialista tem uma caracterização distinta sobre os sucessos políticos do Brasil" (PO 1407). Claro, que sim, para a Izquierda Socialista não tem golpe, ao contrário, o que há é uma direita que forma parte de um grande movimento pelo "fora todos". Da sua consigna "Fora Dilma, Cunha, Renan e Aécio! Lula e Dilma devem ser investigados e punidos", poderia considerar que com os métodos do golpismo institucional já se concretizou a primeira parte.

Por si, restam dúvidas da posição do PO, Prensa Obrera assinalava claramente que a luta contra o golpe no Brasil: "Ocupa um lugar subordinado frente a defesa da Frente de esquerda e sua estratégia de independência de classe" (PO 1407). Algo assim como "a independência de classe em um só país".

Agora bem, suponhamos que como disse o PO para eles ocupava um lugar "subordinado", e a posição do PTS era "fracionalista": porque não fizeram um ato, ou alguma ação contra o golpe nas semanas que seguiram ao primeiro de maio: Não sabem, não respondem.

Há que reconhecer, mesmo assim, que a inação do PO foi consciente, não se limitou ao terreno da luta "extra-parlamentária", sendo que também se expressou no silêncio dos seus deputados no parlamento. Nem sequer apoiou a moção que realizou Myriam Bregman na Câmara de Deputados, para que esta se pronunciasse contra o golpe no Brasil.

Contra o golpe embelezando a esquerda que vai no rastro do golpismo?

Aos leitores da Prensa Obrera lhes chamou a atenção que o golpe no Brasil não tenha merecido nem um pedaçinho em seu número 1410, publicado no mesmo dia da consumação do golpe. Desde cedo entendemos que se trata de um seminário, porém mais além de não dar conta dos últimos feitos, será raro para qualquer militante distribuir um jornal sem menção alguma a situação do Brasil.

Porém, o feito é que na manhã de quinta 12, PO publica sua posição em sua página de Internet. A declaração se intitula: "Brasil: Abaixo o golpe, por um congresso de trabalhadores", e culmina: "Os sindicatos combativos - começando pela Conlutas - e a esquerda devem colocar-se de cabeça desta iniciativa".

Porém resulta que o PSTU, direção da Central Sindical e Popular Conlutas, esta central sindical alternativa fez atos a favor da corrente pró-golpe. Sua consigamos é "fora todos" (qualquer semelhança com a IS não é pura coincidência). Ao golpe o consideram uma espécie de Vitória parcial. Daqui que trazem o seguinte título em matéria: "Senado aprova o afastamento de Dilma: Fora Temer, Fora Dilma, Fora Todos!".

Obviamente disto o PO não disse nada. Embelezando assim a política do PSTU e da própria Conlutas, às quais não escapou uma única crítica. Não merece nenhuma crítica para o PO, a esquerda que no Brasil faz-se de auxiliar do golpismo institucional? Ainda a estamos esperando. Pode-se "enfrentar o ajuste e discutir uma saída operária frente a crise nacional" como disse PO, sendo a retaguarda da direita golpista e o Supremo Tribunal Federal e a Folha de São Paulo? Evidentemente, não.

No caso do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), organização irmã do PTS no Brasil, vem dando na prática a batalha por uma perspectiva independente nas organizações do movimento operário, e no interior da Conlutas contra a política de sua direção (PSTU). O sindicato de trabalhadores da Universidade de São Paulo, um dos mais combativos do país, do qual participa como parte da direção o MRT, votou em sua assembleia a efetivação do plano de luta contra o impeachment e os ajustes do PT. Levou esta posição à mobilização da Conlutas enfrentando enfrentando a política do "Fora todos", imposta pelo PSTU e funcional ao golpismo.

Isto foi e é parte de uma política mais de conjunto do MRT. Ao tempo que vem desenrolando duras polêmicas com o PSTU e a esquerda que coloca a consigna "Fora todos" e "eleições Gerais" é funcional a política golpista de direita, levou na prática a política nas organizações do movimento estudantil e movimento operário contra o golpe institucional é os ajustes do PT de Dilma e Lula (muito difundida e propagada também pelo Esquerda Diário).

O carro antes dos bois

Falar é grátis, costuma-se dizer. Escrever parece que também. 10 de Março, Prensa Obrera dizia: "A podridão do regime político brasileiro coloca a consigna "fora todos" e o debate de uma assembleia constituinte livre e soberana que reorganize o país sobre novas bases sociais" (PO 1402). Um mês depois, 20 de abril dizia: "a necessidade de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana", [...] nos feitos significa a remoção do governo atual, ou seja, um golpe" (PO 1407). A conclusão lógica seria que, segundo a própria Prensa Obrera, o PO era golpista em Março, principista em abril. Pouco sério.

Esta ultima crítica a quem defendia a necessidade de uma Constituinte estava dirigida ao MRT. O certo é que como assinalamos antes, a intervenção do MRT teve como primeiros eixos a luta contra o golpe e os ajustes, tanto nas moções mas assembleias estudantis e operárias, na agitação desde o Esquerda Diário, como nas intervenções nas ruas. A consigna da Assembleia Constituinte Livre e Soberana cumpriu um papel subordinado em relação a aqueles. Sem embargo, não por ser menos fundamental. Trata-se de um projeto contra o regime da Lava-Jato de conjunto (articulado com a luta contra o golpe e os ajustes) que responde a necessidade de terminar com os "superpoderes" do poder judicial e o parlamento golpistas, reacionários e corruptos; da eleição popular dos juízes, a revogabilidade dos mandatos, o fim de seus privilégios para todos os políticos; de romper com o imperialismo e a entrega, e de que a crise seja paga pelos capitalistas.

O PO, não satisfeito em não conhecer a política do MRT, ensaia uma espécie de "tese" para fundamentar sua negativa à consigna da Constituinte no Brasil. No que parece ser sua fundamentação "teórica" (em sua posição de abril), o PO define que a defesa da Assembleia Constituinte deve se dar "somente quando a classe trabalhadora tenha reunido condições mínimas de mobilização para poder lutar por sua própria saída à crise, essa reivindicação pode ser uma ferramenta de luta". (PO, 14/3/2016).

Isto significa que para o PO se trata de levantar a consigna de Assembleia Constituinte somente quando a classe trabalhadora esteja suficientemente mobilizada.

É interessante comparar esta perspectiva com a alguém que afiava um pouco mais as questões de estratégia e programa. Em outro contexto, os trotskistas chineses em 1930 indagavam a Trotsky, justamente se era possível defender ou não a consigna de Assembleia Constituinte (à qual a direção do PCCh se negava) quando a classe trabalhadora não contava com as condições de mobilização para luta por sua própria saída, de fato naquele momento na China ela se encontrava duramente derrotada e só continuavam levantamentos isolados no campo. Nesta situação Trotsky respondia categoricamente: "...Na China não existe um partido comunista forte e centralizado; é necessário criá-lo. A luta pela democracia é precisamente a condição necessária para isto. A consigna de Assembleia Nacional [Assembleia Constituinte] uniria aos movimentos e insurreições regionais disperasas, lhes daria unidade política e assentaria as bases para a formação do partido comunista como dirigente do proletariado e de todas as massas trabalhadoras em escala nacional" (Trotsky, "A consigna da Assembleia Nacional na China").

Isto significa que para Trotsky, diferente de para o PO, se trata de defender decididamente a Assembleia Constituinte, justamente para desenvolver a mobilização da própria classe trabalhadora e seus aliados (no caso da China o campesinato), e que os trabalhadores possam conquistar a hegemonia no curso desta luta pela Constituinte (e participando da mesma no caso de que se concretize) com o objetivo estratégico de impor um governo operário pela via revolucionária.

O PO coloca como condição o que é na realidade o objetivo: a mobilização independente das massas. O carro vai na frente dos bois, o que, como se sabe não tem outro que a imobilidade de ambos. No caso concreto do Brasil se trata do complemento ideal para inação prática frente ao golpe.

Agora com o governo golpista de Michel Temer o que vai defender o PO para a agitação, "Abaixo Temer, governo operário", flertando com uma interpretação eleitoralista de governo operário? Ou "Fora Temer que volte Dilma e companhia?". Até o momento é um mistério. Somente nos dizem que gostariam de um congresso operário com a esquerda "golpe friendly" para "enfrentar o ajuste e discutir uma saída operária frente à crise nacional", não se sabe o que esta última afirmação significa.

No caminho inverso da neo-"teoria" do PO, na situação atual do Brasil pós-golpe a consigna de Assembleia Constituinte cobra grande importância, inclusive na agitação. O MRT se deu conta disso e vem levantando a consgina "Abaixo o governo golpista de Temer, por uma Assembleia Constituinte" baseada na luta e na mobilização dos trabalhadores contra o conjunto do regime da Lava Jato.

Mais uma vez sobre estratégia e programa

Não se trata da primeira vez que temos discussões deste tipo, da articulação entre programa e estratégia, com o PO. Poderiam virar um livro. O PO se caracteriza por articular o programa de forma escolástica, por fora da estratégia.

O desprezo pelas consignas democrático radicais, ou como no Brasil, o deixar a assembleia constituinte para as calendas gregas, e inclusive a proposta que fizeram em seu momento, de que Syriza formasse um "governo de esquerda", são todas propostas pensadas por fora do objetivo da mobilização revolucionária das massas. E, portanto, por fora de uma estratégia insurrecional para tomar o poder. Daí que o PO carece de uma elaboração teórica sistemática (ou de algum tipo) sobre a questão.

A pergunta do PO - ao contrário de Trotsky- não é "como a consigna da constituinte pode permitir a mobilização independente das massas e o avanço da hegemonia operária?", e sim "que somatória de grupos se pode conseguir dando por certo a baixa mobilização independente da classe operaria?" No caso da tática de "governo operário" na Grécia, não se perguntava se esta estava proposta desde o ponto de vista de desenvolver a insurreição proletária (pergunta que motoriza a III Internacional quando a formula) mas através de que álgebra eleitoral (Syriza + PC grego) se pode avançar para um "governo operário" em condições não- revolucionárias.

A consequência sempre é a mesma: a tendência a orbitar dentro dos marcos do regime instituído em torno a algum dos "campos" burgueses em pugna. No caso particular do Brasil, tomar pela metade a proposta de assembleia constituinte tem esse efeito, já que se trata de uma consigna que pode ser utilizada para questionar o regime de conjunto.

Como assinala Trotsky, nas discussões sobre China que mencionávamos: "As consignas da democracia formal conquistam ou são capazes de conquistar não somente as massas pequeno-burguesas, como também as grandes massas operárias precisamente porque essas oferecem a possibilidade- ao menos aparente- de impor a sua vontade a dos generais, dos proprietários e dos capitalistas. A vanguarda proletária educa as massas utilizando essa experiência e as impulsiona para frente." (Trotsky, "Stalin, o grande organizador de derrotas").

O desprezo por propagandas democráticas por parte do PO vem como anel ao dedo para a unidade com a esquerda "golpe amigável" (PSTU) que propõe como saída "eleições gerais". Ao mesmo tempo desligar a luta contra os ajustes de uma proposta política capaz de impulsionar a mobilização de massas contra o regime de conjunto culmina em uma espécie de etapismo (primeiro lutamos contra os ajustes, depois levantamos uma política anti-regime). Ao mesmo tempo, é funcional tanto ao sindicalismo do PSTU como a burocracia sindical da CUT. Por ultimo, em termos políticos de médio prazo, a ausência de um plano político como o de constituinte, serve para que as lutas que se desenrolam terminem levando agua ao moinho do PT para que volte ao governo nas próximas eleições, ou de personagens como Marina Silva.

O golpe institucional foi sério, a política do PO não

Resumindo a atitude do PO temos: a inação total na argentina frente ao golpe; a falta absoluta de crítica à esquerda brasileira (e Argentina) "golpe amigável"; a "proposta" de enfrentar o golpe com essa mesma esquerda (PSTU) que é último furgão dos golpistas; a proposta (etapista) de luta contra os ajustes separado de uma proposta política que ligue esses combates, e nesse sentido, o desprezo pelo slogan da assembleia constituinte para mobilizar o enfrentamento contra o regime do Lava Jato de conjunto.

Talvez por haver abandonado há muito tempo a preocupação pela construção de um partido revolucionário no Brasil, o PO permanece imutável frente a esses combates, e as lutas levantadas que fomos falando ao longo do artigo.

O certo é que a política do PO frente ao golpe institucional (inação absoluta, embelezamento da esquerda do "fora todos", etc.) representa uma capitulação, agravada pelo peso que tem a esquerda trotskista argentina, como se pode ver, por exemplo, nas repercussões do ato de 30 de abril frente a embaixada ou nas declarações de Del Caño na mesma quinta-feira (12/05) contra o golpe e o pacote de ajustes macrista. A par de sua inação, o PO segue sustentando em sua imprensa de que há um "golpe de estado", o qual manifesta a pouca seriedade com a que aborda a situação no Brasil.

Visto tudo isso, cabe perguntar-se: o partido operário está verdadeiramente contra o golpe no Brasil ou se arrependeu? O recém assumido gabinete de Temer mostra que o golpe institucional foi a sério. No entanto, até o momento a política do PO não foi. Já é hora de tomar nota disso.




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