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#BLACKLIVESMATTER | A mensagem de Obama em Dallas: unidade nacional e racismo institucional

O presidente Barack Obama falou de unidade nacional no funeral dos policiais de Dallas. Ele estava acompanhado pelo ex-presidente G. W. Bush. Broche de ouro para uma semana de hipocrisia e racismo?

Celeste MurilloArgentina | @rompe_teclas

quinta-feira 14 de julho de 2016 | Edição do dia

O presidente Barack Obama chegou terça-feira em Dallas, Texas, para participar do funeral dos policiais mortos no tiroteio que ocorreu na última sexta-feira (8), na mesma cidade, enquanto acontecia uma marcha contra os assassinatos de afro americanos pelas mãos da polícia.

Ele estava acompanhado pelo ex-presidente e ex-governador do Texas, G. W. Bush e sua esposa Laura Bush, em um claro apoio à polícia racista e uma mensagem de unidade (especialmente do establishment) contra as discussões que buscam aprofundar as rupturas sociais. Também foi parte da festa “da unidade” o ex-candidato republicano Ted Cruz (senador do Texas).

Antes de embarcar no avião para Dallas, Obama falou, pelo telefone, com as famílias dos afro americanos assassinados na semana anterior. As execuções racistas de Alton Sterling em Baton Rouge (Luisiana) e Philando Castile em Falcon Heights (Minesota), ambos afro americanos, ambos pelas mãos da polícia, fizeram com que a raiva voltasse às ruas e se espalhassem os protestos contra o racismo e a brutalidade policial.

Discursos e justificativas

Ao se referir aos acontecimentos da última semana, Obama disse que ficaram expostas “as fendas mais profundas da democracia estadunidense”, mas completou, “Não estamos divididos como parece (...) As relações inter-raciais tem melhorado de forma dramática (...) Aqueles que negam isso desonram as lutas que nos ajudaram a conseguir o progresso. Mas sabemos que as diferenças se mantêm”.

Com essas palavras, Obama enviou uma mensagem dupla. Por um lado, aos setores reacionários, que buscam capitalizar as frustrações de setores da população (por exemplo, aqueles que apoiam a candidatura de Donald Trump) e encorajar os preconceitos racistas. Por outro lado, reduz – e de alguma forma despreza – a raiva legítima contra o racismo da comunidade afro americana, especialmente dos jovens.

Em seu discurso, Obama disse “Sabemos que a enorme maioria de oficiais de polícia fazem um trabalho incrivelmente difícil e perigoso de forma correta e profissional, merecem nosso respeito e não desprezo. E quando alguém, não importando quão boas sejam suas intenções, fala de todos os policiais como preconceituosos ou intolerantes, enfraquecemos esses oficiais, dos quais depende a nossa segurança”.

A reinvindicação da polícia, principal executora da chamada violência racial, tem sido uma rotina desde o tiroteio em Dallas. Os discursos e a ordem de Obama de baixar as bandeiras a meio mastro em sinal de luto ou os chamados à calma àqueles que protestam contra a brutalidade policial, confirmam novamente que o racismo é institucional e abrange todos os níveis da vida política dos Estados Unidos.

Obama chegou a se referir ao tiroteio em Dallas como um “crime de ódio” e o comparou com o massacre da Igreja Emmanuel em Charleston, cometido por um simpatizante confesso da supremacia branca. Assim o explicou o representante da Fraternal Order of Police (organização de efetivos das forças de segurança) que se reuniu com Obama e o vice-presidente Joe Biden. Obama se referiu aos acontecimentos em Dallas como “não apenas um ato de violência insana, mas como ódio racial”.

Igualando os dois acontecimentos e a condenação de terem sido puramente “violência racial”, em um país cujos pilares se fundaram na escravidão e no racismo, onde só 13% pertencem à comunidade negra, os afro americanos são a metade da população carcerária e 40% das vítimas de violência policial é, no mínimo, um ato de cinismo.

Ao mesmo tempo em que, comparações como a de Obama incentivam discursos abertamente reacionários como o do ex-prefeito de Nova York, Rudolph Giualiani, que protestou abertamente contra o Black Lives Matter, chamando, considerando o “movimento racista”. Deixam nua a hipocrisia que atravessa o debate de controle de armas, a não ser quando se trata de afro americanos, como mostrou a infame acusação contra Mark Hughes, sobre a qual a NRA não se pronunciou nem se pronunciará jamais.

Mas, acima de tudo, o discurso em Dallas, é um lembrete de que a lealdade de Obama, assim como a da maioria negra que ocupa altos cargos do poder político e econômico, é como o regime que governa o país a serviço de uma elite branca e milionária. Esse discurso não sega que sua chegada à Casa Branca não representou contradições, tanto quanto às expectativas dos afro americanos como ao ódio visceral que ainda hoje desperta em setores reacionários.

Da ilusão pós-racial ao racismo institucional

O assassinato de Michael Brown em agosto de 2014 selou o fim definitivo da ilusão pós-racial e fez surgir o movimento Black Lives Matter que se colocou de pé contra a violência policial racista.

Michael Brown se transformou em símbolo de uma mudança no humor da juventude negra que, como parte da geração do milênio, saiu às ruas. Cresceu a diferença, não apenas entre as gerações, a juventude e os líderes afro americanos do movimento pelos direitos civis. Figuras democráticas de peso no movimento negro, como os reverendos Al Sharpton e Jesse Jackson, foram vaiados pela juventude no funeral de Brown e, dessa forma, confirmavam que era algo mais que um momento de raiva.

As medidas do governo federal, mornas e insuficientes, diante da crescente violência policial, confirmaram que o racismo é mais que atitudes extremas de alguns setores. O racismo teve expressão na economia com a super-representação da comunidade negra entre os pobres, nos estigmas sociais que mantém sua validade (os guetos, a criminalidade e o encarceramento massivo dos jovens negros). A ampliação de direitos, produto da mobilização negra na década de 1960, se choca com uma realidade onde as piores manifestações de racismo são atuais porque a sociedade estadunidense segue fundada nas mesmas bases.

O massacre da Igreja Emmanuel em Charleston foi um lembrete sangrento de que a supremacia branca seguia vigente como a ideologia sustentada, mais ou menos expressamente, por setores da população. E se mantém vigente a bandeira da Confederação que ainda tremula em edifícios oficiais ou na existência legal do Ku Klux Klan ou milícias brancas como os Oath Keepers que se deram o luxo de desfilar com impunidade no aniversário do assassinato de Brown.

Os assassinatos de Sterling e Castille e o tiroteio em Dallas são a confirmação definitiva de que seu governo não significou avanços no fim do racismo. Ao contrário, os últimos acontecimentos mostraram Obama chamando a juventude negra à calma e à unidade nacional com aqueles que desprezam suas vidas e justificam suas mortes. Mas a política não se reduz a Washington, nas ruas volta a soar, com legítima impaciência, que “Sem justiça não haverá paz”.

Tradução: Pammella Texeira




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