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CONTAGEM REGRESSIVA 8 DE MARÇO - FALTAM 13 DIAS | A luta das mulheres na era Trump: lutar pelo pão e pelas rosas

A 13 dias do 8M reproduzimos a seguir um artigo de Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya, professoras universitárias e signatárias do chamado à construção da Paralisação Internacional de Mulheres desde os Estados Unidos.

quinta-feira 23 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

A Marcha das Mulheres de 21 de janeiro foi uma das primeiras manifestações massivas que enfrentou o governo de Donald Trump. Após vários dias, as organizações que convocaram a manifestação afirmaram que ela contou com cerca de 3 milhões de pessoas. Como em outros países, a luta das mulheres (por seus direitos ou contra a violência) se transforma em canal de expressão do descontentamento dos trabalhadores, jovens e estudantes com as políticas de austeridade, como ocorre na Europa, ou contra o ajuste e as demissões, como na Argentina.

Reproduzimos a seguir um artigo, publicado originalmente em inglês com o título “As greves faziam parte do Dia da Mulher. Com Trump, farão parte novamente”, de Cinzia Arruzza e Tithi Bhattacharya, professoras universitárias e signatárias de um chamado à construção de uma mobilização que se estende para vários países do mundo, e a levantar um "feminismo para os 99%, um feminismo de base, anticapitalista, em solidariedade às mulheres trabalhadoras, suas famílias e seus aliados ao redor do mundo":

Está na hora de repolitizar o Dia da Mulher. Ele tem sido frequentemente comemorado com chás da tarde, flores e cartões de papelaria. Mas na era Trump, nós precisamos da iniciativa de um feminismo dos 99%. É por isso que estamos convidando mulheres do mundo todo a se unirem conosco num dia internacional de greves no 8 de março.

A imensa Marcha das Mulheres de 21 de janeiro e sua repercussão pelo país demonstram que milhares de mulheres nos Estados Unidos estão fartas não apenas da misoginia descarada da administração de Trump, mas também das décadas de ataques contínuos às vidas e corpos femininos.

Estamos unidas pela consciência de que a administração de Trump é sintoma de um problema maior: o resultado de décadas de políticas neoliberais, de transferência de riquezas para os mais ricos, de erosão dos direitos trabalhistas e da dignidade do trabalho, de guerras neocoloniais de agressão, do racismo institucional e da misoginia arraigada na sociedade estadunidense.

Organizações feministas e grupos ativistas no mundo todo já estavam a meses organizando a Greve Internacional de Mulheres, quando nos demos conta de que as condições estavam postas para uma greve de mulheres nos EUA.

Inspiradas nas recentes greves de mulheres na Polônia, e nas manifestações massivas de mulheres na Argentina e na Itália, vemos cada vez mais mulheres no mundo todo se mobilizando e tomando as ruas.

É por isso que recentemente escrevemos uma declaração junto de outros ativistas e intelectuais feministas convocando um dia de ação em solidariedade à Greve Internacional de Mulheres.

A resposta a essa declaração foi emocionante: depois de apenas duas semanas, e após horas de trabalho coletivo frenético, nasceu uma coalizão nacional de grupos ativistas, coletivos informais, feministas e organizações trabalhistas.

O que nos une é a vontade de dar voz e empoderar as mulheres que foram deixadas de lado pelo feminismo corporativista e que estão sofrendo as consequências de décadas de neoliberalismo e guerras: as mulheres pobres e trabalhadoras, as mulheres negras e imigrantes, as mulheres com deficiências físicas, muçulmanas e mulheres trans.

Ao construir uma greve conjunta, vamos retornar às origens históricas dessa data - uma história da qual precisamos nos reapropriar.

"Não só exigiremos o pão, porque também merecemos as rosas"

Nessa data em 1908, 15 mil trabalhadoras têxteis, em sua maioria imigrantes, marcharam no centro de Manhattan exigindo aumento salarial, menores jornadas de trabalho e o direito a votar. Um ano depois, trabalhadoras têxteis imigrantes entraram em greve contra as péssimas condições de trabalho às quais eram submetidas, enfrentando a violência policial e repressão dos patrões.

Inspirada pela luta das trabalhadoras, a socialista alemã Clara Zetkin convocou as participantes da Conferência Internacional de Mulheres Trabalhadoras de 1910 a organizarem um Dia Internacional da Mulher Trabalhadora. Delegadas mulheres de mais de 17 países votaram unanimemente a favor da moção.

Alguns anos depois, em 1917, milhares de mulheres russas, trabalhadoras e esposas de soldados, tomaram as ruas no 8 de março exigindo paz e pão, e deram início à insurreição que derrubou o regime czarista: nesse ano de 2017, o Dia Internacional da Mulher também será o centenário do início da revolução de outubro.

Existem duas formas específicas como nós queremos repolitizar o 8 de março na era Trump.

Primeiro, queremos recuperar a ideia do impossível.

No começo do século XX, era considerado impossível organizar as mulheres em geral, ainda mais especificamente as trabalhadoras têxteis. Os principais sindicatos da época deixava-as sozinhas trabalhando sob péssimas condições, ou - como no caso da fábrica Triangle Shirtwaist - sendo queimadas vivas dentro das fábricas.

Entrando em greve, as mulheres realizaram o impossível. Como disse Clara Lemlich, uma das líderes da greve com apenas 19 anos, “eles diziam que não era possível organizar as mulheres. Elas não iam às reuniões do sindicato, eram ‘trabalhadoras temporárias’. Bem, nós mostramos pra eles!” Precisamos retomar essa ideia de realizar o impossível agora na era Trump.

Em segundo lugar, queremos que a luta pelo direito ao pão se une de novo à luta pelas rosas.

A organizadora sindical Rose Schneiderman cunhou a frase “pão e rosas” em 1912 enquanto lutava contra as péssimas condições de trabalho após o incêndio na Triangle Shirtwaist.

“O que a mulher trabalhadora quer”, ela falou, “é o direito a viver, não apenas a existir… o direito à vida, ao sol, à música, à arte… a trabalhadora tem que ter o direito ao pão mas também às rosas”.

Décadas de neoliberalismo não apenas roubaram o pão das mesas das trabalhadoras e suas famílias, mas também destruíram toda a infraestrutura que sustenta a vida, as rosas.

Os hospitais e escolas foram fechados enquanto se multiplicaram os presídios e a força policial. Enquanto os salários caíram e os sindicatos foram destruídos por uma série de leis anti sindicais, os mesmos legisladores não condenam os policiais que abertamente assassinam homens negros, tentam fechar clínicas de aborto (legal e seguro), e proíbem as mulheres trans de usarem banheiros femininos. Por isso a luta pelo salário não pode ser separada da luta pelos meios que sustentam a vida.

Essa é a história, a de mulheres auto-organizadas e lutando por direitos econômicos e políticos, que os Estados Unidos apagou de sua memória.

Não exigimos apenas o pão, porque também merecemos as rosas.




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