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25 N / TRAGÉDIA EM MINAS GERAIS | A lama da Vale escorre sobre as costas das mulheres

A tragédia das mineradoras com o rompimento das barragens em Mariana deixa milhões de vítimas e causa um dos maiores desastres ambientais do país. Nesse trajeto de destruição e caos as mulheres trabalhadoras e pobres são especialmente atingidas.

Flavia ValleProfessora, Minas Gerais

quarta-feira 25 de novembro de 2015 | 14:45

Apesar de 80% do financiamento de uma cidade como Mariana, Minas Gerais, vir da economia ao redor da mineração, este é um valor irrisório frente aos enormes lucros das grandes empresas que atuam na região, Vale e BHP, as duas maiores empresas da mineração do mundo, donas da Samarco, empresa que teve lucro líquido de 2,9 bilhões.

A realidade das cidades que recebem royalties da mineração é a de uma população que encara o cotidiano da precarização da vida, com problemas respiratórios, altos índices de alcoolismo devido ao trabalho incessante e precário nas minas, a seca dos rios e nascentes da região, serviços de saúde e educação que deixam a desejar devido ao baixo investimento dos governos nessas áreas.

A existência de esgoto a céu aberto, como na região de Antônio Pereira, comunidade vizinha da Barragem de Doutor da Vale, choca-se com os lucros astronômicos das empresas. Nessa precarização da vida as mulheres são as que mais sofrem com a pois carregam a dupla ou tripla jornada de trabalho, contando as jornadas dentro de casa com o trabalho doméstico e fora de casa com trabalhos precários, os cuidados com a família, com o companheiro que pode perder o emprego, a vida a saúde nas minas.

Como a economia acontece ao redor das mineradoras, as mulheres ainda são excluídas em grande parte das contratações nas empresas devido à divisão sexual do trabalho em que os homens ainda são esmagadora maioria nos postos de trabalho. E quando conseguem emprego nas minas são nos postos de trabalho mais precários e rotativos. Apesar de ter aumentado a participação das mulheres na empresa, a Vale em 2013 ainda contava com apenas 12,3% de sua força de trabalho sendo mulheres.

Devido a esse ambiente majoritariamente masculino, todas as mulheres dentro da Vale são cobradas para serem masculinizadas e fazer "trabalho de homem", sofrendo muito preconceito, inclusive dos colegas de trabalho. Porém, nem as mulheres atingidas pela Vale e pelas mineradoras nem as trabalhadoras da Vale são iguais às alta executivas, também responsáveis pela atual tragédia, devido a uma questão elementar: a classe social que ocupam.

As trabalhadoras contratadas pela Vale, em grande parte terceirizadas, são as trabalhadoras da limpeza, as que fazem manutenção de escavadeiras e caminhões "fora de estrada" com mais de 19 metros de altura, as que recebem um salário mínimo ou ao redor de dois salários mínimos, com postos de trabalho rotativos e direitos flexibilizados, mostrando como a terceirização nas minas e na mineradoras também tem rosto de mulher.

Outras, engenheiras que colocam seus conhecimentos a serviço do lucro da empresa e não da população, garantem seus salários mensais de milhares de reais e passam a acumular capital a partir da espoliação das riquezas minerais, assumindo um papel junto à burguesia. Vania Somavilla, diretora executiva de Recursos Humanos, Saúde e Segurança, Sustentabilidade e Energia, assumiu o cargo em 2011, durante a gestão do atual presidente da empresa Murilo Ferreira. Somavilla comandava anteriormente a área de meio ambiente da Vale e tem sua graduação em Engenharia Civil pela UFMG, pós em engenharia de barragens pela UFOP e MBA em finanças pela IBMEC.

Com currículo tão cobiçado pela diretoria da Vale, não por menos uma especialista em barragens, mulheres como Vânia, não sofrem como as mulheres que perderam seus maridos e entes queridos soterrados pela lama do rompimento das barragens. Tampouco as Vânias sofrem como as centenas de mulheres de Bento Rodrigues e Paracatu que perderam tudo que conquistaram ao longo de uma vida de trabalho. Também não sofrem como as mulheres que deixam de ter água para seus filhos seja em Governador Valadares, nas demais cidades abastecidas pelo Rio Doce e comunidades Ribeirinhas. As Vânias não sabe o que é consertar caminhões fora de estrada ao longo do mês para receber pouco mais de mil reais para manter uma família.

As barragens acabam com o meio ambiente e são uma constante ameaça à população. Mas visando o lucro das mineradoras junto a seus e altos executivos atentam diariamente contra as mulheres e homens trabalhadores e pobres da região. Assim, apesar de serem mulheres, não é possível haver qualquer semelhança entre Vânia Somavilla com qualquer mulher trabalhadora da Vale, com qualquer mulher que tem seu companheiro demitido pelas mineradoras, que teve um parente querido morto ou com qualquer mulher das comunidades atingidas mais fortemente pela tragédia.

Apenas unificando uma rede de mulheres e moradoras das comunidades atingidas pelas barragens e pelas mineradoras, junto ao conhecimento das minas e da produção dos trabalhadores homens e mulheres será possível gerir a crise sem gestar novas tragédias. As empresas, responsáveis pela tragédia, como criminosas que são, devem ter seus bens confiscados e geridos por um comitê de gestão da crise composto por associações de bairro, sindicatos e organismos de base de trabalhadores e moradores.

Apenas a reestatização da Vale sob controle dos trabalhadores que coloque a riqueza mineral a serviço da população pode superar a lama da privatização tucana e a lama das gestões petistas que aprofundaram esse modelo, como os governos de Lula e Dilma em âmbito federal, responsáveis nos últimos anos pelos investimentos do BNDES em empresas como a Vale, e de Fernando Pimentel em âmbito estadual.




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