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ACIDENTES DE TRABALHO NA DITADURA | A explosão de acidentes de trabalho por trás do “milagre econômico”

O texto abaixo se compõe exclusivamente de trechos extraídos entre as páginas 173 a 175 da tese de doutorado “Movimento operário e sindicalismo em Osasco, São Paulo e ABC paulista: rupturas e continuidades”, defendida por Alessandro de Moura, Unesp, 2015.

quinta-feira 28 de abril de 2016 | Edição do dia

Em 1969 o Brasil registrava 1 milhão e 50 mil acidentes de trabalho. Esse número aumentou progressivamente atingindo a cifra de 2 milhões de acidentes de trabalho em 1975. (ABRAMO, 1999, p. 63). Sendo que: "em 1974 e 1976 o Brasil conquistou o prêmio de campeão mundial de acidentes de trabalho". (ABRAMO, 1999, p. 117). Conforme nos relatou Betão, que foi operário no ABC paulista (na Volkswagen de 1966 até 1974 e na Ford de 1974 até a primeira metade de 1990).

Predominava a intensa exploração com superlucros e repressão no local de trabalho. Conforme nos relatou "Betão", Alberto Eulálio, nasceu em Igarapava, interior do Estado de São Paulo. Estabeleceu-se em Guarulhos em 1966, aos 22 anos. Em 1966 foi admitido na Volkswagen de São Bernardo, onde trabalhou durante 8 anos na montagem de câmbio (ala 3 e ala 5), saiu dessa fábrica em 1974. Nesse ano, no mês de outubro, empregou-se na Ford de São Bernardo, fábrica que, nesse período, contava com cerca de 15.000 operários. Iniciou sua militância sindical em 1978, integrou a comissão de mobilização das greves do ABC de 1979, foi membro da diretoria do Sindicato do ABC de 1981, também foi membro da comissão de fábrica da Ford:

"(...) Acidente era o que mais acontecia. Acidente... A forma de trabalhar (...) era uma loucura. Tinha um tratamento térmico, assim, perto da nossa ala, que o calor era 45º graus, era uma... Não tinha CIPA, não tinha sindicato, não tinha nada... Nunca vi falar de sindicato lá dentro. Nunca tinha ouvido falar de CIPA. Nem sabia o que era CIPA. Eu lembro que o único jornal que eu li na Volkswagen, que entregava na portaria era um jornal chamado La presa, que era da FIESP. Eu lembro desse jornal até hoje, La presa, porque sindicato não tinha nada, nada..." (Entrevista - Betão).

O período do dito "milagre" combinou arrocho salarial, repressão, mutilações e mortes nos locais de trabalho. Os acidentes de trabalho estavam diretamente relacionados com o ritmo da produção e ao grande volume de horas extras. Sendo que as horas extras e a intensidade do ritmo de trabalho eram peças chave da sobre acumulação de capital. Humphrey (1979) registra que: "quando ferramenteiros da Volkswagen se recusaram em outubro de 1973 a fazer horas extras, consta que a produção caiu mais de 40%". (HUMPHREY, 1979).

"(...) rapaz, mas foi duro, nossa, você trabalha... Eu tinha vindo do interior né, e encarava o serviço, e não era fácil para aguentar, era um trampo assim, que você não tinha nem tempo para ir no banheiro, e uma repressão violenta. Aqueles alemães tudo estragados, um com a perna fodida, outro sem braço, outro com olho tapado, um bicho maluco. Não cumprimentavam ninguém, uns caras ignorantes para burro. E na Volkswagen, quando eu entrei lá, meu horários era da 6 às 16:30, uma quinzena. A outra quinzena era das 16:30 às 2:20." (Entrevista - Betão).

Revezamento de turno...
"Isso. Então você, quando estava acostumando a trabalhar de dia, o corpo, você passava para a noite, quando você estava acostumando à noite você passava para o dia, aquilo era um sofrimento. E outra coisa, era muita hora extra. Puta, era hora extra assim, que você até... Sabe... E você tinha que ir, não tinha conversa. Às vezes você entrava às 6 horas da tarde... 6 horas da manhã, 16:30 era hora de você ir embora, você ficava até ás 8 horas da noite." (Entrevista - Betão).

Nossa, 4 horas de hora extra...
"4 horas de hora extra. Rapaz, eu ganhei muito dinheiro, nossa, a gente ganhava dinheiro, e tem outra... A gente entrava 4 e meia da tarde saía 2:20, a gente ficava até às 6 da manhã. E era obrigado a ficar, não é que você queria ficar, é que era obrigado (...). E de sábado... Chamava de sábado, chamava de domingo... Não, uma loucura..." (Entrevista - Betão).

E se você falasse: eu não quero ficar na hora extra!
"Não, não importa." (Entrevista - Betão).

Eles mandavam embora?
"Mandava embora. Você tinha que fazer hora extra de qualquer jeito. Se você não fizesse era demitido. E não tinha conversa, era trampo. Você ia no banheiro, se você ficasse mais de 12, 15 minutos, tinha um guarda dentro do banheiro olhando, se você, chegava um outro cara, ficava conversando, as vezes falando alguma coisinha, o cara falava: "Oh, circulando! Circulando!". Tinha guarda ali, um sistema, assim... Nazista mesmo. Uma coisa brava." (Entrevista - Betão).

A repressão ao movimento operário e sindical, estabelecia amplas liberdades para implantação de variadas formas de sobre trabalho e repressão nos locais de trabalho. Os operários viviam sob vigilância férrea para produzirem o máximo possível. Logicamente, essa mesma vigilância era acionada também para obstruir as possibilidades de auto organização política do operariado. Essas formas de controle, repressão e sobre trabalho foram determinantes para garantir lucros milionários no período do chamado "milagre" ditatorial. Conforme sintetiza Singer (1982):

“Não há como desconhecer que a política trabalhista posta em prática após 1964 foi um importante fator para que a economia alcançasse elevadas taxas de crescimento de 1968 em diante. Mas há, como sempre, o reverso da medalha. Os autores da proeza – os trabalhadores – sofreram sensível piora de suas condições de vida, que transparece por exemplo no avolumado número de acidentes de trabalho que caracteriza a economia nestes últimos anos (...).”

(SINGER, 1982, p. 82).

O ritmo de trabalho acelerado e o grande volume de horas extras constituem parte central para explicar porque em 1976 o Brasil foi campeão mundial em acidentes de trabalho, registrando 1.743.025 acidentes de trabalho, sendo que 3.900 resultaram em morte. (FARIA,
1986). Se considerarmos a intensificação do ritmo de trabalho, com grande incremento da produtividade, os baixos investimentos em tecnologia de produção, estagnação salarial, altas
taxas inflacionárias e a repressão às organizações dos trabalhadores, chegamos à conclusão que o “milagre” ditatorial decorrido no período 1968-1973, não teve nada de milagroso, mas
que sim, foi resultado da super exploração por meio do incremento da taxa de mais valor absoluta e relativa.

Isso colaborou diretamente para que a economia brasileira pudesse recuperar-se do período de desaceleração econômica decorrida de 1962 a 1967 e ainda atingir patamares muito superiores de crescimento. Paul Singer (1982) observa inclusive que: “A notória expansão de nossas exportações, nos últimos 10 anos [1964-1974] não resultou de nossa superioridade tecnológica (...), mas da abundância de nossos recursos naturais e do baixo custo de nossa mão de obra”. (SINGER, 1982, p. 91). Foi nesse diapasão que o PIB do país passou de 4,2% em 1967 para 14% em 1973, ano que constituiu o auge do milagre militar-burguês.

Disponível no blog Combate Classista.




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