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A esquerda brasileira diante da crise terminal do NPA e os partidos amplos

Diana Assunção

A esquerda brasileira diante da crise terminal do NPA e os partidos amplos

Diana Assunção

O Novo Partido Anticapitalista da França está neste momento em uma crise terminal. Este, que foi um símbolo dos chamados “partidos amplos”, se encontra em uma encruzilhada deixando em evidência a falência deste projeto que se propunha unir “reformistas e revolucionários”. A nossa diferença é que defendemos a emergência de uma corrente revolucionária que busca fundir o balanço crítico da tradição do trotskismo francês com a nova vanguarda operária deste país.

Este texto é uma republicação, como parte do dossiê sobre a crise do NPA. Havia sido publicado em 19 de maio.

Como explicamos nesta nota de Fredy Lizarrague, o NPA surgiu da diluição da Liga Comunista Revolucionária, a LCR, integrante do Secretariado Unificado, que se autodefine como “a IV Internacional”. Já no começo dos anos 1990, a LCR literalmente queimava suas bandeiras e jogava fora a defesa da ditadura do proletariado para defender uma difusa “democracia até o final”. O surgimento do NPA em 2009 foi um salto na diluição de fronteiras entre reformistas e revolucionários. Estes, naquele momento, se propuseram a reunir os setores da classe trabalhadora, da juventude e dos movimentos de maneira independente da esquerda institucional e a adotar um programa socialista de “ruptura” com o capitalismo. A possibilidade da existência de tendências em seu interior abriu espaço para a formação de distintas correntes que, cada uma à sua maneira, defenderam seu programa e sua estratégia, entre elas os companheiros e companheiras da Fração Trotskista - Quarta Internacional na França.

Para que se entenda no Brasil, a crise terminal do NPA tem como origem a política de sua própria ala historicamente majoritária, oriunda da corrente dirigida pelo falecido Ernest Mandel. Essa ala – que havia perdido vários aderentes desde 2009 para formações mais conservadoras e de direita, como o antigo Parti de Gauche ou mesmo o Partido Socialista – decidiu agora avançar em acordos nas eleições regionais (na Occitânia e na Nova Aquitânia) com o partido da esquerda institucional (centro-esquerda) pró-imperialista La France Insoumise (LFI), de Jean-Luc Mélenchon. Como se não bastasse, essa ala deixou a porta aberta para acordos de segundo turno com o Partido Socialista (PS) e Os Verdes, partidos que foram governo no Estado imperialista francês, ou fazem parte de acordos governamentais em outros países europeus, como na Alemanha.

Esse giro à direita por parte da ala historicamente majoritária torna inviável uma linha de independência de classe, e frustra inclusive as barreiras difusas do NPA sobre não aliar-se com a centro-esquerda que, diante do fracasso de seu projeto de “alternativa à socialdemocracia tradicional”, volta aos braços dos partidos socialistas em toda a Europa (já vimos a tragédia do Podemos como sócio do PSOE no governo imperialista espanhol, e a própria política de Mélenchon que, depois de sair do Partido Socialista Francês, negocia possíveis acordos eleitorais com os mesmos).

A conformação da Corrente Comunista Revolucionária (CCR, organização irmã do MRT na França) dentro do NPA ocorreu de bandeiras abertas, sem ter defendido os princípios fundacionais do NPA (defesa de partidos amplos, sem delimitação entre reformistas e revolucionários). Desde então, nossa atuação em seu interior sempre foi lutar pela construção de um verdadeiro partido revolucionário dos trabalhadores na França. É isso o que permite que hoje, diante dessa crise terminal do NPA onde a sua direção histórica avança para uma política liquidacionista de acordos com Mélenchon, a CCR esteja lutando para fundir o balanço crítico do trotskismo francês e internacional com os principais dirigentes e militantes de uma nova geração da vanguarda operária na França. Isso por si só exigiria que todas as organizações da esquerda operária, socialista e revolucionária internacionalmente se posicionassem sobre os rumos do NPA.

Mas para isso é importante resgatarmos as posições mais históricas das correntes, especialmente as que reivindicam o trotskismo no Brasil, em relação à fundação do NPA. Tem sido uma característica recorrente de algumas organizações da esquerda brasileira “louvar” projetos “amplos” neo-reformistas, como o caso do Syriza ou também do Podemos. Aqui vimos fotos talvez já apagadas de Luciana Genro com Alexis Tsipras do Syriza, o ajustador do povo grego, e também vimos Guilherme Boulos viajar para o Estado Espanhol para “aprender” com Pablo Iglesias do Podemos que, depois de ser humilhado nas eleições de Madri pela direita trumpista, “pediu pra sair” e se aposentou da política. Mas para debatermos o caso do NPA especificamente – que inclusive diante destes engendros neo-reformistas ainda manteve, durante sua existência, fronteiras de independência de classe mais elementares – é preciso dizer que a grande maioria das correntes sempre foi entusiasta do NPA justamente pelo seu caráter amplo. E estamos falando das correntes brasileiras que integram o Secretariado Unificado, o que em si mesmo é um capítulo à parte. Mostra da sua falta de organicidade é que não há uma “seção brasileira” do SU e sim várias correntes que decidem, sem um conteúdo muito claro, sua integração ao SU. O que pra eles, certamente, é expressão de “amplitude”, na realidade é uma mostra da decadência desta organização internacional que tem seu centro de gravidade justamente na França. No Brasil, a Insurgência/PSOL integra o SU, e não é claro se suas recentes rupturas como a Subverta e a Comuna seguem integrando esta “internacional”. O MES/PSOL, que sempre está buscando algum aliado internacional para suprir sua deficiência nesse âmbito, também vem integrando o SU. Não se sabe se como “seção”, como “simpatizante” ou como “observador”, mas é o suficiente para dizerem nas notas de sua revista que são parte de uma suposta “IV Internacional”.

Esse “pertencimento”, por mais fluido que seja em realidade, já seria o suficiente para que essas correntes tivessem alguma posição pública sobre a crise terminal do NPA. Mas sobre isso há apenas silêncio. Como se posicionar diante do giro à direita da direção oficial do NPA enquanto emerge uma ala revolucionária, se não for apoiando essa ala revolucionária que combate o giro à direita? O problema é que estas correntes teriam muitas reservas em apoiar uma política revolucionária na França, já que há anos a atuação da CCR na França tem sido um incômodo. A tal ponto que, diante da proposta de entrada do MRT no PSOL há alguns anos, com a proposta de lutar em seu interior pela mesma política de independência de classes que sempre levamos adiante, uma resposta comum entre as correntes era o medo de que “fizéssemos no PSOL o que estávamos fazendo no NPA”. A pergunta que fica é: medo de que batalhássemos contra o oportunismo liquidacionista e em defesa da independência de classe? De que lutássemos para fundir o marxismo revolucionário com o mais avançado da vanguarda operária? Que defendêssemos a centralidade operária e sua hegemonia sobre os setores oprimidos, e que o eixo do partido deveria ser a luta de classes e não as eleições? Evidentemente que essa era a preocupação, já que o resultado aqui no Brasil naquele momento foi a negativa do PSOL em permitir a entrada do MRT e seu jornal Esquerda Diário, cujo alcance é de milhões mensalmente.

Mas a crise terminal do NPA deveria abrir uma grande discussão entre todas as correntes que se reivindicam trotskistas, já que é o símbolo da falência dos projetos de partido amplo “anticapitalistas”. Quando debatíamos as experiências do Syriza na Grécia e do Podemos no Estado Espanhol, era ainda mais evidente a armadilha do projeto neo-reformista e as consequências desastrosas dessa política que a esquerda brasileira pagou para ver e sobre as quais nunca, jamais, fez um balanço público. Qual o balanço em relação ao Syriza e seu ataque ao povo grego a mando da Alemanha, que resultou no retorno da direita na Grécia em 2019? Qual o balanço agora sobre a aposentadoria precoce de Pablo Iglesias que estava co-governando o Estado imperialista espanhol com os social-liberais de Pedro Sánchez e se opôs à independência da Catalunha, ficando ao lado de ninguém menos do que a reacionária monarquia espanhola? É impossível combater o giro à direita da ala historicamente majoritária do NPA, de braços dados com o neo-reformista e soberanista Mélenchon, sem esses balanços políticos claros. Será por isso que essas correntes se calam sobre a “questão NPA”? O silêncio serviria para se preservarem de reconhecer os erros políticos no apoio ao Syriza e ao Podemos?

Sem essas discussões, como é possível ter uma política internacionalista que seja revolucionária? Não é possível, isso é o que explica também que correntes como o MES, por exemplo, tenham embarcado na onda Biden nos Estados Unidos, justificando pra militância que se tratava de um voto “crítico”, mas que agora está enlameado de sangue diante da ofensiva de Israel à Faixa de Gaza que conta com o apoio “negociador” de Biden.

Essa forma peculiar de se posicionar sobre fenômenos políticos a nível internacional, ou diretamente atuando neles, podemos também ver agora diante das eleições constituintes no Chile. Distintas figuras do PSOL comemoram o fim da herança pinochetista, como se o regime que mantém essa herança viva tivesse “sumido” depois das eleições. Também comemoram a entrada de mulheres do Partido Comunista em cargos de poder, quando o PC chileno atuou como salvavidas de Piñera e do regime desde a rebelião de 2019, obstaculizando a aliança entre a juventude e a classe trabalhadora. Digno de passagem é a diluição do PSTU em uma chapa reformista, mostrando que a narrativa contra o eleitoralismo, que a direção do PSTU lança contra todos adversários, não sobrevive às fronteiras.

Os debates internacionais deveriam servir para fazer avançar nas posições que possam defender uma política abertamente revolucionária dando peso prioritário aos processos da luta de classes como vemos também na Colômbia. Hoje, na França, a CCR está emergindo também através desta política que, neste momento, se expressa na pré-candidatura de Anasse Kazib à presidente pelo NPA. Anasse é um jovem ferroviário que é uma das principais lideranças dos processos de luta de classes na França durante os últimos anos. Essa linha política, que se enfrenta contra o liquidacionismo do NPA, deveria ser apoiado por toda a esquerda trotskista. Foi neste sentido que enviamos uma carta para a esquerda do NPA – como as correntes Anticapitalismo e Revolução, Democracia Revolucionária e L’Etincelle (a antiga Fração da Lutte Ouvrière) – chamando a nos unificar contra a direção tradicional com um candidato unitário da esquerda (para a qual a pré-candidatura de Anasse não seria um obstáculo) levantando uma política de independência de classe e que expresse a nova vanguarda do movimento operário. No Brasil, as correntes da esquerda trotskista deveriam apoiar essa política pelas consequências históricas que poderia ter o surgimento de um partido revolucionário na França para a tarefa de reconstrução da IV Internacional. Esperamos que a esquerda quebre o silêncio acerca do enorme processo político na França.

Do NPA na França, ao PSOL no Brasil

Uma das discussões que a crise terminal do NPA também deveria abrir é sobre a situação do PSOL no Brasil. Depois da entrada do governo Bolsonaro no poder, o PSOL vem em um desenfreado giro de adaptação ao PT que culminou nas últimas eleições de São Paulo com a Frente Ampla encabeçada por Guilherme Boulos. Essa frente ampla reuniu não somente o PT, mas também partidos burgueses como PSB e PDT. Esse giro desenfreado, no entanto, terá um capítulo ainda mais acelerado com o que já vem sendo a pressão de se adaptar a Lula desde a sua reabilitação como presidenciável pelas mãos do mesmo judiciário que foi parte do golpe institucional e de sua prisão arbitrária.

Ainda que não diga abertamente, a corrente majoritária, Primavera Socialista (de Ivan Valente e Juliano Medeiros, presidente do PSOL, agora fortalecidos pela conformação de uma corrente interna de Guilherme Boulos, a Revolução Solidária, junto com a Resistência do mais lulista de todos, Valério Arcary), está preparando o partido para estar juntos com Lula nas eleições de 2022. Arcary tem uma maneira estapafúrdia de tentar maquiar sua política de esquerda: chamar “Lula 2022 com um programa anticapitalista”, enquanto o próprio Lula está negociando com Sarney e velhos atores burgueses do putrefato regime brasileiro. A despeito dele, a forma mais comum dessa ala do PSOL para parecer de esquerda é “não falar sobre o tema”, dizendo que “agora é hora de luta”. Porém não se sabe qual luta é essa, uma vez que não estão mobilizando nenhum setor da classe trabalhadora em conflitos que se coordenem entre si nacionalmente (para além de ações midiáticas de pressão ao governo) e quando estão em alguma luta é de forma completamente adaptada à política traidora das centrais sindicais.

Em oposição à essa política, o MES, junto com o Deputado Federal Glauber Braga (ex-PSB) e com a centro-esquerdista Luiza Erundina (que já foi candidata ao governo de SP com Michel Temer como vice) lançaram a pré-candidatura de Glauber Braga para defender candidato próprio do PSOL. É chamativo que o combate do MES à adaptação do PSOL ao PT se dê apenas no âmbito eleitoral. Isso é assim porque, quando se trata da relação com as centrais sindicais, essas duas alas do PSOL estão unificadas na adaptação às direções burocráticas. É praticamente impossível localizar alguma crítica tímida à CUT e à CTB nos materiais dessas correntes que, ao mesmo tempo, estão sempre prontas para subir no carro de som dos atos e clamar pela unidade. Mas é ainda mais curioso que o MES agora agite a “candidatura independente” quando chegou a embaralhar táticas possíveis que incluíam até mesmo... Ciro Gomes, que agora flerta com o DEM e outros setores de direita. Nesse caminho, já fica claro que o MES no segundo turno apoiará “qualquer candidatura contra Bolsonaro”, de Lula e inclusive dos liberais, como “teoriza” Roberto Robaina!

Por isso, neste momento, estão em jogo duas táticas eleitoralistas no PSOL que se unificam na defesa do impeachment e se adaptam ao regime do golpe institucional, sendo uma delas abertamente capituladora ao PT e a Lula. Vale mencionar que é chamativo o silêncio do Bloco de Esquerda do PSOL sobre essa situação.

Uma política de independência de classe no Brasil passa pelos debates políticos internacionais

Como viemos discutindo há algum tempo, nos parece fundamental que a esquerda reveja sua adaptação ao regime do golpe institucional, uma vez que a bandeira de impeachment, que também é comum a ambas alas, significa a entrada do general Mourão, racista e adorador da ditadura militar. A exemplo da luta no Chile, a discussão de uma Constituinte deveria estar na ordem do dia para ser uma bandeira que pudesse unificar a nossa classe, nos preparar inclusive para desvios, como vimos no caso chileno, e defender uma Constituinte imposta pela luta onde os trabalhadores possam avançar para lutar por um governo de trabalhadores de ruptura com o capitalismo. No Brasil uma nova Constituinte imposta pela luta poderia ser uma das bandeiras levantadas a partir de um plano de luta imediato para enfrentar as mortes pela Covid-19, o desemprego e a fome, unificando todos os focos de resistência em curso como os metroviários de São Paulo, os professores em diversos estados como MG e SP, a juventude das universidades federais que começam a se mobilizar contra os cortes e as pequenas lutas de resistência nas fábricas que vem ocorrendo. Essa política de articulação é o que o PSOL se nega a batalhar. Falam de “lutar” de maneira abstrata, mas sem articular um polo junto com as correntes de esquerda, a CSP-Conlutas e Intersindical, que pudesse ser um contraponto às burocracias sindicais e ao mesmo fomentar alas do movimento operário que tenham força para impor que essas burocracias se movimentem e se coloquem de corpo na luta. Não bastam parlamentares que sejam simpáticos à luta, é preciso batalhar pela auto-organização dos trabalhadores. É essa força que pode barrar os ataques, não meia dúzia de deputados. Os parlamentares deveriam estar potencializando cada luta em cada local de trabalho, como fazemos na Argentina com parlamentares que são referências nacionais, como Nicolás del Caño e Myriam Bregman.

Chamamos a esquerda trotskista a debater sobre esses temas na perspectiva de retomar as discussões iniciadas na Conferência Latino-Americana e dos Estados Unidos no ano passado. Viemos expressando nossas posições na Rede Internacional de Diários e no Manifesto por uma Internacional da Revolução Socialista que publicamos recentemente. E como Fração Trotskista estamos defendendo a realização de uma Conferência Internacional, que tenha como um dos centros o debate sobre a França e a crise do NPA. Acreditamos que uma Conferência pautada na independência de classe, como foi a que realizamos ano passado, pode contribuir nas discussões entre a esquerda que se reivindica trotskista.


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Diana Assunção

São Paulo | @dianaassuncaoED
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