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MÉXICO | A dois anos dos 43 de Ayotzinapa: sim, #FoiOEstado

Dois anos atrás as forças repressivas desapareceram com 43 dos nossos. Tinham um sonho: ser professores rurais. Lutavam em defesa das escolas normalistas, da educação pública e contra a repressão.

Sergio MoissenDirigente do MTS e professor da UNAM

segunda-feira 26 de setembro de 2016 | Edição do dia

Foi na noite entre 26 e 27 de setembro de 2014. Foi o assassinato impune de três estudantes normalistas [das escolas normais, escolas rurais no México], um deles com sinais de tortura, de um jovem jogador de futebol do Los Avispones, do motorista de ônibus que transportava essa equipe e de uma mulher que viajava de táxi nas ruas de Iguala. Foi a desaparição de 43 normalistas que estudavam na Escola Normal Rural Isidro Burgos, de Ayotzinapa.

Entre os envolvidos na desaparição forçada deles: o ex-prefeito de Iguala, José Luis Abarca, e sua esposa, policiais municipais, militares, Ángel Aguirre – ex-governador de Guerrero – e assassinos do crime organizado. Desde o início, familiares e companheiros dos normalistas lutaram pela aparição dos jovens.

O caso de Ayotzinapa juntou todas as injustiças dos últimos anos: a militarização fruto da “guerra contra o narcotráfico” e as centenas de milhares de mortos, desaparecidos, torturados e desabrigados; os feminicídios; as execuções sumárias; e a pobreza insuportável da metade do país. Se fez evidente ante os olhos de milhões a união entre os partidos a serviço dos empresários e o crime organizado. Todo o país ardeu de indignação .

Fomos centenas de milhares em todo o país que nos cansamos e tomamos as ruas porque “Vivos os levaram! Vivos os queremos!”: denunciamos o Partido Revolucionário Institucional (PRI), o Partido Ação Nacional (PAN) e o Partido da Revolução Democrática (PRD) por suas ligações com o narcotráfico. Iniciou-se então a perda de legitimidade do governo e suas instituições.

A luta pelos normalistas transcendeu fronteiras e aconteceram manifestações em todas as latitudes pela aparição dos normalistas e de repúdio ao governo de Enrique Peña Nieto: América Latina, Estados Unidos, Ásia, Europa, Oceania. Por todos os lados levantaram-se vozes pelos normalistas, porque #AyotzinapaSomosTodos.

À frente da Procuradoria Geral da República (PGR) estava Jesús Murillo Karam. Ele foi o encarregado de tornar pública a “verdade histórica” do governo – construída a base de mentiras – para fechar o caso. Afirmaram que os jovens foram incinerados pelo cartel Guerreros Unidos. E a mentira foi tão insustentável e suscitou tanta coragem o movimento "Já me cansei", que teve que deixar seu posto.

O arquiteto desta mentira foi Tomás Zerón, quando era titular da Agência de Investigação Criminal da Procuradoria Geral da República. Mas quatro perícias demonstraram que não houve incêndio no lixão de Cocula que pudesse fazer desaparecer restos humanos. Também são acusados de terem torturado numerosos detidos pelo caso para que confirmassem a versão oficial e de terem enterrado os restos de um dos estudantes no lixão de Cocula.

Os familiares de Ayotzinapa exigiram repetidas vezes a destituição deste funcionário. Há algumas semanas, deixou o posto. Mas, em uma nova afronta, Peña Nieto o nomeou secretário técnico do secretariado encarregado de contabilizar os desaparecidos.

A “noite negra de Iguala”: ataque do governo

Com o ataque aos normalistas e sua posterior desaparição forçada, o governo pretendeu silenciar as escolas normais rurais, no processo de esvaziamento pela política do Estado. Um passo no ataque ao magistério, que já em 2013 tinha manifestado sua oposição à reforma educativa.

Mas deu tudo errado: o massacre e a desaparição dos normalistas levou ao nascimento de um amplo movimento democrático que tomou as ruas por alguns meses. Inclusive alguns sindicatos que se reivindicam opositores ao governo participaram de algumas mobilizações, como o STUNAM, telefonistas, professores.

De ser o favorito da imprensa internacional e do imperialismo estadunidense, por ter feito votar as reformas estruturais nos dois primeiros anos de seu mandato, Peña Neto passou a ser questionado.

O governo não avançava na investigação e então, desde a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, enviaram o Grupo Interdisciplinar de Experts Independentes (GIEI), que conseguiu alguns avanços no caso de Ayotzinapa. E o Exército surgiu como um dos atores centrais na desaparição de nossos companheiros.

Mas não: o principal da postura do governo foi manter a impunidade nestes dois anos que passaram. Nunca permitiu o acesso a instalações do Exército para fazer perícias nem muito menos interrogar a membros deste corpo repressivo. Nem falar sobre Ángel Aguirre: desfruta da vida, quando é um dos responsáveis políticos da desaparição forçada dos 43.

Enquanto isso, militares e policiais seguem se gabando de levar a cabo massacres que ficam na impunidade, como em Tlatlaya, em Tanhuato, em Apatzingán, de semear o terror para calar o descontentamento. E não conseguiram.
A dois anos da desaparição forçada dos 43 estudantes, seus familiares se mantiveram firmes na luta. Não aceitaram ser comprados nem aceitaram a “verdade histórica”. Se solidarizaram com as professoras e professores que por quatro meses enfrentaram nas ruas a aplicação da reforma educativa.

Todos às ruas neste 26 de setembro

Em 2014, desde o Movimento de Trabalhadores Socialistas (MTS) levantamos uma política para que os trabalhadores entrassem na cena com suas organizações e seus métodos de luta, e que junto às centenas de milhares que se mobilizavam, encabeçassem uma luta frontal contra o regime político e o governo de Peña Nieto.

Hoje, depois da crise de Ayotzinapa, os escândalos de corrupção, a heroica resistência da base dos professores contra a reforma educativa planejada pelos organismos internacionais, a desaceleração da economia e a depreciação da moeda nacional, Peña Nieto enfrenta o menor índice de popularidade de um presidente nas últimas décadas: só 23%. Se mantém no poder porque conta com o apoio de todos os partidos tradicionais, dos magnatas como Carlos Slim e das transnacionais.

Tentou várias vezes avançar na liquidação dos direitos democráticos para a classe trabalhadora, as mulheres e a juventude. Por isso, neste novo aniversário da desaparição forçada dos normalistas de Ayotzinapa, temos um encontro de honra com seus familiares e seus companheiros.

Temos à frente uma nova oportunidade para unificar as demandas dos distintos setores: pela aparição dos 43, contra a militarização e a subordinação ao imperialismo estadunidense, contra o trabalho precário e a reforma educativa e pelo direito a decidir para as mulheres e a comunidade LGBT. Uma oportunidade para organizar a luta contra o governo que quer fazer com que as maiorias paguemos o custo desta crise.




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