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TEORIA - CRISE POLÍTICA | A divisão entre as classes dominantes como parte da crise: debate com Armando Boito Jr.

Nesta semana o cientista político e professor da UNICAMP Armando Boito Jr. escreveu um artigo com o título “O conflito de classe por trás da crise institucional”. Neste artigo, Boito coloca uma importante questão se quisermos analisar com profundidade a crise que está em curso, que é a necessidade de se observar o conflito entre as classes por trás dos movimentos desconexos ou aparentemente aleatórios que se desenvolvem na esfera do poder.

quinta-feira 8 de dezembro de 2016 | Edição do dia

Nesta semana o cientista político e professor da UNICAMP Armando Boito Jr. escreveu um artigo com o título “O conflito de classe por trás da crise institucional” . Neste artigo, Boito coloca uma importante questão se quisermos analisar com profundidade a crise que está em curso, que é a necessidade de se observar o conflito entre as classes por trás dos movimentos desconexos ou aparentemente aleatórios que se desenvolvem na esfera do poder.

Escreve Boito já introduzindo essa ideia: “É público e notório que se instalou um conflito institucional no Estado brasileiro. Ele opõe tanto o Executivo quanto o Legislativo Federal a setores politicamente ativos do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal. O que não é do conhecimento de todos é que esse conflito institucional que atravessa o Estado brasileiro é, também e principalmente, um conflito de classes”. Essa nos parece uma ideia importante, na medida em que vemos uma enxurrada hoje de análises jornalistas, ultraconjunturais e muito parciais das disputas em jogo; além disso, esse é o caminho que aponta Karl Marx em seu 18 Brumário de Luis Bonaparte, obra clássica da crítica marxista da política, em que as personagens e os partidos analisados são criteriosamente vinculados a suas forças motoras, as classes e frações de classe em suas disputas.

Concordando com o método, é preciso notar que nesse movimento, ao não ser muito criterioso e observar que existe um “terremoto” político que vai rearticulando as forças em curso, podemos incorrer em esquematismos e simplificações, que acabariam por dificultar a análise. Queremos aqui, portanto, abordar brevemente algumas questões que nos ficaram e talvez mereçam ser mais debatidas na análise de Armando Boito.

O argumento fundamental de Boito entendemos da seguinte maneira: existiam dois planos burgueses em choque diante do governo do PT, a burguesia interna apoiava ativamente a política “neodesenvolvimentista” do governo, e a “burguesia associada” (capital estrangeiro) batalhava por outro projeto, de retomar o neoliberalismo no Brasil, ligada no regime político ao PSDB. A partir de 2013 esse quadro muda e apoiados na situação econômica e nas mobilizações de junho (que Boito se refere como “da alta classe média” - questão que mereceria um debate a parte) a burguesia associada vai ganhando mais hegemonia, ganha um setor da burguesia interna e consagra o golpe institucional.

Diante dessa análise, a pergunta seria: se a burguesia associada e interna, junto a setores do PMDB e do PSDB estão unificadas, porque vemos continuar a crise e a Lava-Jato? A resposta do cientista político é de que deve-se analisar a outra classe que entra nessa disputa, que é a alta classe média, que foi atiçada a entrar no jogo contra a corrupção e encontrou um sujeito que lhe representa, a operação Lava-Jato. Nesse sentido, a alta classe média seria o elemento de instabilidade política para o governo, e a Lava-Jato continuaria sua operação por sentir representando essa força social.

Para debater essa análise colocamos quatros elementos fundamentais que nos ficam como questões:

Em primeiro lugar, buscando enfatizar as classes por trás dos fenômenos, nos dá a impressão que Armando Boito peca em não desenhar de modo mais desenvolvido no artigo em questão as frações de classe e as tensões no interior entre os blocos , enfatizando apenas as classes gerais para fundamentar a caracterização da alta classe média, o que acaba por ter outras consequências (1). A burguesia e os partidos pelos quais ela é representada não são a mesma coisa; nesse caso, se é correto dizer que existe um amplo acordo entre as distintas frações burguesas e o capital estrangeiro em torno do ajuste fiscal, ou seja, um acordo de descarregar a crise nos trabalhadores, diminuindo os direitos e aumentando as taxas de exploração, não podemos dizer que exista qualquer harmonia em torno da fração política que conduzirá o leme dos ajustes.

Nesse caso, em primeiro lugar é fundamental perceber que as distintas frações de classe e os reflexos destas nos partidos políticos estão em uma intensa dinâmica de disputas, em que a configuração do poder determina às vezes acordos táticos, parciais, que fogem da análise “grande bloco neoliberal” que inclui todos. Sob essa ótica, para dar apenas um exemplo ultra atual, seria de se perguntar porque Renan Calheiros foi tornado réu agora e porque foi absolvido pelo STF, que esteve muito dividido, se Renan é um artífice fundamental para que a aplicação da PEC 55 seja aprovada no senado?

A ideia fundamental que queremos colocar é de que é impossível compreender as movimentações atuais sem perceber a divisão e as frações de classe burguesas em disputa para ver quem será o bloco de poder no pós Temer .

Posto isso, nos parece que um segundo ponto fundamental escapa da análise de Boito: quais são as forças que movem a Lava-Jato? Não se deve apenas analisar os atores a partir das classes as quais vieram, mas para quais classes eles trabalham. Como é possível que um juiz de Curitiba como Sérgio Moro tenha tanta força que possa colocar na cadeia grandes burgueses como Odebrecht ou tentar criar condições para a prisão de figuras políticas como Lula?

Sem adentrar a uma grande investigação qualquer um poderia concluir que existem forças materiais (econômicas, portanto) que impulsionam e estão por trás dos interesses da operação que, para chegar ao ponto de criar condições para um golpe institucional e para uma reconfiguração do regime, só podem estar relacionadas a agentes imperialistas, sejam monopólios ou governos. Além disso, alguns estão investigando a relação de procuradores da Lava-Jato com interesses próprios, particularmente com a Igreja Evangélica, como é o caso de Dallagnol e outros, que também devem ser dimensionados.

Ou seja, colocá-los no campo da “alta classe média” pode obscurecer as forças que estão atuando e sob as quais eles dedicam seus interesses, o que impede de perceber o importante movimento que ocorre na Lava-Jato, que vai além do PT, no sentido da Operação Mãos Limpas italiana, buscando modificar o regime, a fim de varrer o bloco de poder anterior completamente, seja esmagando o PT, seja debilitando as alas do PMDB que eram parte do governo e também setores que o governo anterior tinha relação “estratégica”, como o PP de Paulo Maluf.

Outra brecha que se pode apontar (e não me parece que essa seja a análise de Boito, por isso é importante esclarecer) é que setores na esquerda que foram apoiadores diretos ou indiretos do golpe institucional, em nome de tirar o PT – mas se abraçando com a direita –, agora frequentemente buscam “embelezar” as manifestações da classe média reacionária, para dar um tom progressista à queda de Dilma. Nesse sentido, não perceber a relação entre a classe média e interesses internos e externos (lembrando que o MBL é denunciado por ser financiado pelos irmãos Koch) –, e que o próprio Moro foi parte de uma investigação nossa de sua relação com grandes monopólios do petróleo –, a relação de Moro e procuradores com a escola de direito de Harvard e do próprio Moro com o departamento de Estado norteamericano (2) , pode impedir de fazer uma análise justa e a denúncia do papel reacionário que busca a Lava-Jato e o judiciário nos seus traços bonapartistas de busca de reconfiguração do regime político.

Um terceiro elemento, derivado disso, é que a própria análise do imperialismo, a burguesia associada, aparece muito pouco desenvolvida no artigo e caberia indagar se reduzir o próprio imperialismo a um bloco comum nos ajuda nessa reflexão. Isso porque partimos de que não podemos considerar as vontades dos governos e dos monopólios de cada país como idênticas. Nesse caso, é preciso investigar quais setores podem ter interesses em nichos de acumulação (como petróleo e construção civil (3) , para dar dois exemplos claros) e se existe relação desses interesses com os planos estratégicos dos governos. Por exemplo, caberia perguntar se altera alguma coisa nos planos imperialistas dos EUA a eleição de Trump com relação aos anseios e interesses no regime político brasileiro, mas essa eleição não muda o fato de que já existiam interesses da Shell, Halliburton, Schlumberg, Transocean operando no xadrez político brasileiro.

Além disso, que existem disputas também lá fora e, portanto, apoio a tal ou qual fração ou bloco de poder aqui dentro. É claro que entre os interesses dos EUA, de monopólios europeus e do capital chinês existem confluências e choques a cada momento, e isso pode ter impacto decisivo para se observar como esses interesses permeiam a política brasileira.

Por fim, sobre ação da massa trabalhadora (ou as classes subalternas, se quisermos), precisamos definir claramente qual sua política para a classe média, buscando uma política hegemônica, mas alertado os perigos. Num momento em que a Folha divulga 96% de aprovação da população a Lava-Jato (sem confiarmos no dado, mas sabendo que existe uma grande expressão disso), podemos dizer que os juízes e promotores da operação acumulam um poder de influencia que extrapola muito a hegemonia sobre a alta classe média, e devem utilizar essa influência em torno de seus interesses de poder. A política das classes subalternas deve ser, portanto, desmascarar essa “tônica comum” de que o que está em jogo é a Lava-Jato contra a casta corrupta, mas demonstrar os fios que ligam cada política as classes e frações de classe, como propõe Boito, denunciando que independente das classes dos atores são dois projetos burgueses em disputa, ambos ajustadores, mas favorecendo tal o qual monopólio estrangeiro, burguesia nacional e blocos políticos de poder.

Por fim, dever-se-ia perguntar qual seria a proposta política que realmente não apenas favorecesse um campo ou outro - inclusive porque a degeneração do próprio PT frequentemente se vincula a velha casta (anterior bloco de poder) nas disputas táticas em curso no regime – mas oferecesse uma saída alternativa – sendo a localização estratégica do PT tem sido de “oposição responsável”, visando uma alternativa puramente eleitoral em 2018 e, portanto, sem romper os laços com setores da casta política sobretudo representados pelo PMDB.

Para nós, para mudar as regras do jogo, questionar os privilégios da casta política e debilitar o estado, recolocar programas de fundo como a reforma agrária e o não pagamento da dívida (junto a distintas medidas de independência do imperialismo), porque não apresentarmos a proposta de uma assembleia constituinte, na qual buscássemos ser parte de sua convocação apoiados nas massas trabalhadoras, seus sindicatos e organizações independentes?

Algumas questões para avançarmos na reflexão e buscarmos desvelar, conforme a proposta, os conflitos de classe por trás da crise institucional, e também apresentar uma proposta política que esteja a altura dos acontecimentos em curso no país.

Notas:

(1) Sabemos que Boito tem se debruçado em estudar essas frações, mas pontuamos no artigo em questão pois está debilitado o argumento, por isso fazemos o apontamento e buscamos explicar em seguida as consequências.

(2) Informações amplamente noticiadas no Portal Esquerda Diário e outros veículos, tendo como talvez um dos últimos apontadores disso o cientista político Moniz Bandeira, na seguinte entrevista: http://www.esquerdadiario.com.br/Em-entrevista-ao-Jornal-do-Brasil-Moniz-Bandeira-afirma-Moro-e-Janot-atuam-com-os-EUA-contra-o

(3) A Odebrecht atua em vários países da África, por exemplo, ocupando espaços de acumulação, podendo exemplificar no gigante Porto de Mariel em Cuba, contratado pela Odebrecht, um investimento enormemente lucrativo que fez Obama reiniciar as relações diplomáticas com o regime castrista depois de concluir que o embargo reacionário, que não foi capaz de restaurar o capitalismo na ilha.




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