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A SESSÃO DE CULTURA DO ESQUERDA DIÁRIO | A cultura e a arte para os trabalhadores

O que queremos com a sessão de cultura do Esquerda Diário é ser mais uma trincheira na luta para que a arte e a cultura seja dos explorados e oprimidos desse mundo. Para lutar para que sua voz e sua subjetividade seja ouvida.

sábado 28 de março de 2015 | 00:00

Nessa semana surgiu no Brasil o Esquerda Diário, uma ampliação e uma soma de esforços que estamos fazendo ao lado de companheiros da Argentina, Chile, México, Estado Espanhol, França e outros países para colocar de pé o primeiro diário digital da esquerda em escala internacional, uma ferramenta que possa oferecer aos trabalhadores, jovens, negros, mulheres e LGBTs uma alternativa que seja deles; um contraponto a todo esse grande império dos monopólios midiáticos a partir do qual somos obrigados a nos informar cotidianamente. Um pouco do porque tomamos esse importante desafio em nossas mãos foi muito bem dito nesse texto de Iuri Tonelo.

Mas e a arte e a cultura? Qual a importância de termos nesse diário uma sessão voltada a esses assuntos? O que queremos com isso?

Em geral, acabamos tendo uma visão bastante conservadora até mesmo do que é a arte e a cultura. A verdade é que elas estão em todo nosso cotidiano, a todos os momentos, e, tanto como a mídia que conta mentiras sobre uma greve ou manipula e distorce as informações para tentar conter os ânimos dos que são explorados, elas entram nesse complexo jogo de moldar o que pensamos e o que sentimos.

Isso é feito de muitas formas diferentes. Por exemplo, quando colocam na novela de cada dia um pouco dessas ideias – essa ideologia que serve, enfim, para nos “domesticar”. Seu disfarce como “entretenimento” apenas ajuda a que as aceitemos sem questioná-las tanto; afinal, “é só diversão”. Grande parte do poder da arte está no fato de que ela nos convence não apenas pelas ideias, mas muitas vezes pelos sentimentos que provoca.

Como disse Karl Marx, as ideias dominantes de uma época são sempre as ideias de sua classe dominante. Ou seja, é a burguesia, classe dominante em nossa sociedade, que é dona das emissoras de televisão, das gravadoras, das rádios, dos teatros, dos cinemas. Assim, são eles que escolhem quem pode ou não fazer arte, como ela é feita e o que ela pode ou não dizer. Mesmo porque a maioria dos trabalhadores gasta tanto tempo vendendo sua força de trabalho, se espremendo no transporte, nas filas, cuidando dos problemas a que a exploração nos submete, que quase não temos tempo ou energia para poder apreciar a arte, que dirá para poder produzí-la. Às vezes tudo que nos sobra é uma musiquinha, um filme na televisão ou uma novela nas horas vagas.

Aí se combina outra forma monstruosa de controlar nossas vidas: a privação de que nos encontremos com nossa própria história, e de que sejamos sujeitos. A humanidade sempre produziu cultura e arte. Um filósofo marxista chamado Walter Benjamin disse: “(...) todos os bens culturais (...) devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, mas também à servidão anônima de seus contemporâneos.” Pensar dessa forma é virar de cabeça para baixo o jeito que estamos acostumados a ver a arte e a cultura como coisas “sagradas”, feitas por “gênios” em relação às quais muitas vezes nos sentimos incapazes de sequer compreender. A questão é que cada obra de arte ou bem cultural, como um museu ou uma biblioteca, só pode existir porque trabalhamos e criamos a riqueza que permitiu que tais coisas fossem feitas por outras pessoas, que tiveram – graças aos trabalhadores – tempo para se dedicar à criação artística. Mas a burguesia sistematicamente nega a cada trabalhador, a cada jovem da periferia, o acesso aos bens culturais da história da humanidade, que são cuidadosamente preservados e transmitidos geração após geração para os donos do mundo. Nossa ambição é também lutar pelo livre acesso a esse patrimônio cultural, a herança da humanidade, que é nossa por direito.

Nos apropriarmos da história dessa arte e da cultura é também nos apropriarmos da história de nossa classe, de nossa luta, que nos é negada. Nos Estados Unidos, os negros criaram o Jazz, o Blues, o Rock e o RAP, todos estilos que foram progressivamente sendo apropriados pela classe dominante e expropriados dos que os criaram. No Brasil, os negros também foram os que criaram o samba como um de nossos mais importantes patrimônios culturais; e hoje, ele é celebrado para turistas no sambódromo, transformado em um espetáculo caríssimo a que os trabalhadores não tem acesso. Para citarmos apenas alguns exemplos. Muita arte foi luta, e muita arte nasceu de nós, explorados e oprimidos. Cada vez que conhecemos um pouco disso, conhecemos mais sobre nós mesmos, sobre a imensa capacidade criadora que temos, e que hoje é esmagada sobre essa camada cinza que nos soterra.

Mas isso não significa que o enfrentamento não continue, em cada periferia, como ocorre nos saraus das quebradas de São Paulo, como ocorre com o grafite de rua, como ocorre nos bailes funk; ou com o cinema, a música, a literatura e todas as artes que são feitas de forma independente por trabalhadores que para isso tem que enfrentar um mundo inteiro que quer impedí-los de se expressar. Os palcos para essa luta são muitos, improváveis, e é lá que queremos estar para “engrossar o caldo”.

O que queremos com a sessão de cultura do Esquerda Diário é ser mais uma trincheira na luta para que a arte e a cultura seja dos explorados e oprimidos desse mundo. Para lutar para que sua voz e sua subjetividade seja ouvida. Para refletir, debater, criar junto, divulgar essa arte que você nunca vai ver na grande mídia, ou a grande arte que a burguesia detém divulgada e debatida sob a perspectiva dos trabalhadores. Marx, quando formou seu círculo de discussão com trabalhadores em Bruxelas, no século XIX, dedicava uma noite por semana à discussão de arte. Porque ele sabia, como afirmou quase um século depois Leon Trotski, que “nem só de política vive o homem”. Pelo contrário: a arte é, e não pode deixar de ser, política também. Porque ela expressa aquilo que há de mais íntimo e próprio em nós, e isso é fruto de como vivemos e quem somos.

Sobre a arte e a cultura hoje pesam, como sob todo o resto de nossas vidas, os pesados grilhões do capital. Como com a educação, a saúde, a moradia e tudo o que há de mais elementar em nossas vidas, elas são transformadas em apenas mais uma mercadoria. Nós queremos a arte para que ela seja nossa, uma ferramenta de luta e um sopro de vida. Queremos olhar com independência e crítica para a indústria cultural do capitalismo e refletir sobre o que ela produz, debatendo livremente as ideias de cada um que veja no Esquerda Diário uma tribuna para expressar a sua voz. Queremos um espaço para que os artistas de hoje que não tem espaço para se colocar possam difundir sua produção. Um espaço de crítica, de reflexão, de poesia. Um espaço de arte e cultura, enfim, para nós.


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