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CRISE CHINA | A crise do mercado de ações atinge a credibilidade de Pequim

O êxito da restauração capitalista na China repousa na fortaleza da burocracia do Partido Comunista. O dano mais importante dos últimos acontecimentos no mercado de ações é ter prejudicado a confiança nela, seu bem mais precioso.

Juan ChingoParis | @JuanChingoFT

quarta-feira 26 de agosto de 2015 | 00:00

Depois de gastar 200 milhões de dólares comprando ações para frear a queda dos preços nas últimas sete semanas, Pequim capitulou frente às forças do mercado ontem, escolhendo não intervir quando o Índice Composto de Xangai caiu 8,5%. É a maior queda neste verão que está se convertendo em um pesadelo para os investidores em renda variável no gigante asiático. De fato, é a maior queda desde julho de 2007.

Medidas de intervenção sem precedentes para reviver o mercado acionário

Como escrevemos em seu momento, as bolsas chinesas sofreram em junho/começo de julho sua pior queda em década. Anteriormente, de novembro a junho, os mercados experimentaram uma euforia de alta durante a qual os principais índices do mercado de ações chineses chegaram a valorizar-se quase 150%. No mês passado, os investidores entraram numa espiral de vendas que fez com que os índices perdessem em menos de um mês um terço do seu valor e se evaporassem 2,9 trilhões de euros em capitalização de ações, uma cifra que supera o PIB do Reino Unido. A metade das companhias que cotizavam nas bolsas chinesas de Xangai e Shenzhen suspendeu a negociação dos títulos para evitar que as perdas fossem maiores.

O Governo decidiu então lançar um programa de medidas sem precedentes para segurar o mercado, entre as quais um enorme programa de compra de ações graças a uma linha de crédito do banco central, uma redução das taxas de juros, a suspensão de novas saídas da Bolsa ou a proibição aos grandes acionistas das empresas cotadas de vender seus títulos nos próximos seis meses. Até se iniciou uma investigação policial contra a "venda maliciosa", sem que até agora tenha relatado detenções.

A intervenção governamental, que ainda segue em pé, acalmou os investidores, freou a sangria e conseguiu que muitas das empresas voltassem a cotizar. Desde então e em somente duas semanas as bolsas de Xangai e Shenzhen se valorizaram 15,5% e 21% respectivamente até a jornada de ontem.

Pequim perde a batalha: a segunda-feira negra e os limites do poder de intervenção da burocracia

Os líderes de Pequim parecem haver decidido tardiamente que é demasiado caro e em última instância inútil lutar contra as quedas de seu mercado acionário, especialmente quando o governo está intervindo por separado em uma escala massiva para evitar que sua moeda se desvalorize ainda mais.

Desde que o Banco Popular da China desvalorizou sua moeda e introduziu um novo tipo de mecanismo de fixação do câmbio em 11 de agosto, teve que gastar 200 bilhões de dólares das reservas de divisas do país para evitar que o yuan caia mais que o desejado, de acordo com fontes conhecedoras do banco central e suas intervenções no mercado. Isso era mais do que a instituição havia gastado nos últimos dois anos para manter sua moeda no ranking desejado frente ao dólar.

A realidade é que depois de haver gastado mais de 400 bilhões de dólares no mercado de ações, sua situação é pior do que quando iniciou estes movimentos. Uma mescla de excesso de confiança e não ter antecipado a enorme reação que iria gerar a desvalorização do yuan em um mercado que vem se estreitando aceleradamente e teme como a peste uma desvalorização massiva da moeda chinesa, que se acontecesse poderia ser o golpe de misericórdia à já crítica situação econômica dos outrora chamados “países emergentes”. É certo que a China tem as maiores reservas de divisas do mundo, com 3,65 trilhões de dólares no final de julho, mas agora estão esgotando essas reservas quase ao mesmo ritmo que as acumulava no passado.

Refletindo o nervosismo, dúvidas e possíveis divisões no círculo dirigente sobre os passos a seguir depois da forte queda de hoje, no fim da segunda-feira, a Comissão Reguladora do Mercado de Valores da China (CRMV) confirmou a continuidade das medidas de apoio que projetou Pequim para manter as cotizações.

A imagem de Pequim prejudicada quando deve enfrentar uma crise de transição

Durante anos, Pequim construiu uma reputação como administrador competente da economia. Quem mais no mundo poderia presumir de 30 anos de crescimento ininterrupto de dois dígitos e a transformação de um país atrasado em uma potência industrial? Esta autoconfiança se multiplicou depois da crise mundial de 2007/2008, os líderes chineses acreditavam que seu modelo estatista poderia triunfar sobre o sistema de livre mercado anglo-saxão.

Contudo, a derrota no mercado de ações quase destroçou sua ilusão. Sua manipulação inepta no mercado e a queda subsequente mancharam seriamente sua imagem. Ainda que a queda no mercado de ações tenha um impacto limitado na economia, já está arranhado um dos bens mais valiosos de Pequim: sua credibilidade. O fato de que o principal motor de busca chinês Baidu está censurando os resultados de buscas relacionadas com a crise no mercado de ações, é uma mostra patética.

Estrategicamente, esta é a maior desvantagem que a burocracia chinesa poderia esperar frente ao período mais difícil em que entra: uma crise de transição sem paralelos desde que Deng Xiaoping lançou o giro pró capitalista ao final da década de 1970. A necessidade de conseguir um forte reequilíbrio da sua economia, exageradamente capital-intensiva, a um modelo mais baseado no consumo interno e nos serviços sem que se produza em seu ínterim uma brutal queda do PIB, é quase como conseguir tirar um quadrado de um círculo.

Alguns especialistas desdramatizam os acontecimentos atuais dizendo que por um lado é positiva a correção na inversão imobiliária já que a China sofria uma bolha imobiliária como a Irlanda ou o Estado Espanhol antes que seus mercados entrassem em colapso. Ao mesmo tempo, apontam que longe de uma forte recessão, a China está em um círculo virtuoso agora do setor de serviços, depois de uma década de relativo estancamento, que estaria crescendo mais rápido que o PIB ao mesmo tempo que gerando empregos, já que este setor é mais intensivo em força de trabalho que a indústria.

Mas a realidade é que o tamanho da superprodução foi tão grande que é praticamente impossível aos outros setores preencher o vazio que se está criando. Sua ideia está baseada na ingênua suposição de que o governo chinês está sempre no controle da situação e que nunca o perderá. O mais grave é que inclusive muitos marxistas creem nisto. O fato de que a burocracia chinesa desde que começou as reformas pró capitalistas não tivesse a mesma sorte que a burocracia stalinista de Moscou no final da década de 1980, ou que tenha evitado as duras quedas de seus vizinhos durante a crise asiática de 1997/1998 ou mais tarde se tenha recuperado rapidamente da Grande Recessão de 2007/2008 não implica que sempre vai ser esse o caso. A realidade é que todos os exemplos históricos de semelhante superprodução apontam a um grave desafio das bases de seu poder.

Quer seja no âmbito econômico, quer seja no âmbito ambiental como mostra a catástrofe industrial de Tianjin, cujas sequelas estão longe de se resolver, o domínio de Pequim vai ser posto em questão. Um ponto central será em como tratar o desemprego, uma questão politicamente mais sensível que o PIB.

Um dos indicadores mais dificilmente acreditáveis da China é que, passe o que passar, o desemprego se encontra sempre em torno de 4%. A realidade é que o desemprego poderia aumentar rapidamente se as exportações seguem caindo e se perde ainda mais a produção industrial. A China de hoje é mais urbana mas não conta com garantias para dar cobertura social se as coisas se põem especialmente ruins ademais sobre as dificuldades para encontrar um trabalho adequado para 7 milhões de graduados ao ano. Neste marco é de prever grandes agitações sociais. Uma coisa é certa: depois dos “trinta anos gloriosos” chineses, as próximas três décadas não serão iguais as anteriores.


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China    Economia



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