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DEBATE COM PSOL | A crise do Rio exige uma resposta revolucionária: um debate com o PSOL carioca

A crise econômica, política e social do Rio ganha contornos cada vez mais graves. As expressões mais recentes foram o assassinato de Marcus Vinícius e a reforma da previdência de Crivella. A esquerda e os trabalhadores precisam dar uma reposta à altura. O MRT coloca suas posições em debate com o PSOL carioca, pelo peso superestrutural que tem no Rio e a responsabilidade que isso implica.

Carolina CacauProfessora da Rede Estadual no RJ e do Nossa Classe

quarta-feira 4 de julho de 2018 | Edição do dia

Foto: O delegado da polícia civil Zaccone e policias se filiam ao PSOL carioca

Diariamente os trabalhadores cariocas são roubados. Roubados pela Shell e outras empresas imperialistas que levam o petróleo de nosso país. Roubados por empresas gigantescas que graças às políticas de isenções bilionárias de Cabral e Pezão para joalherias como a H.Stern e cervejarias como a Itaipava. Roubados por uma casta de políticos, juízes e desembargadores privilegiados que recebem auxílio moradia, paletó e o diabo a quatro, enquanto a maioria da juventude está desempregada, enquanto a saúde está em ruínas e o funcionalismo público ficava sem salário.

O brutal assassinato do jovem Marcus Vinicius, de 14 anos, pelas balas da polícia durante uma operação no Complexo da Maré que deixou sete mortos é o mais recente retrato da tragédia da violência policial e do Estado. A intervenção federal, que foi alardeada pelos governos e imprensa como solução para o problema da escalada de violência e chegou a conquistar altos níveis de aprovação entre a população, mês a mês vem mostrando sua verdadeira cara: a violência continua, e inclusive aumenta. A entrada do exército no Rio e o clima de maior repressão tornaram o ambiente mais favorável a crimes brutais como foi o assassinato da vereadora Marielle Franco, que era uma voz que denunciava a violência policial e a intervenção federal.

O fato é que, como alertávamos desde o anúncio da intervenção, a resposta repressiva serve apenas para aumentar o terror diário imposto ao povo negro e pobre que mora nos morros e favelas, e para combater os prejuízos que a burguesia têm diretamente com o aumento dos crimes – o roubo de cargas, crime que afeta mais diretamente os grandes empresários, foi o único a diminuir no período. Mas a causa profunda da violência que atinge o povo, que é a miséria crescente do capitalismo, e que vem se agravando a cada dia com a crise, vai se agravar com as botas da polícia e do exército. E a violência da polícia, do tráfico, das milícias, e do exército, só têm aumentado cotidianamente na vida dos trabalhadores e do povo pobre.

Frente a crise econômica, a recente reforma da previdência aprovada por Crivella e sua base parlamentar é mais um exemplo de que querem seguir descarregando a crise econômica no Rio de Janeiro nas costas dos trabalhadores e do povo.
Essa é a resposta que Temer, Pezão, Crivella, os empresários e políticos corruptos dão para a crise econômica, política e social do Rio.

Para enfrentar isso, é necessário uma esquerda de independência de classe, que trave um grande combate contra as direções burocráticas, em primeiro lugar com o PT (CUT) e PCdoB (CTB) que controlam o movimento de massas via centrais sindicais e como partidos que são diretamente pontos de apoio do regime, que já se provaram que governam para os capitalistas e não foram capazes sequer de resistir ao golpe institucional e aos ataques do governo golpista.

A esquerda precisa se apresentar como alternativa, de forma independente do PT, para impedir que a insatisfação com os partidos tradicionais seja capitalizada pela direita com figuras como os Bolsonaros, que serão ainda mais reacionários que Cabral e Pezão. Isso implica a necessidade de forjar saídas no sentido oposto ao de moderar e adaptar as propostas da esquerda para ser mostrar factível eleitoralmente, como faz o PSOL carioca, mas defender um programa anticapitalista de saída para crise, única forma de responder o problema da violência e a crise social que se instaurou no Rio de Janeiro.

O PSOL e a sua resposta

O PSOL carioca tem peso eleitoral desde 2006, quando Heloísa Helena teve na capital 1,7 milhões de votos, e peso parlamentar a partir da projeção de Freixo com a CPI das Milícias em 2008. Este é um fator que aprofunda a responsabilidade de cumprir um papel de dar uma resposta pela esquerda à crise.

O que o PSOL, e em particular Freixo, defendem? Colocam cada vez mais peso no debate de “segurança pública”, apresentando a ilusão de que se a esquerda governasse poderia dar soluções “eficazes” e “humanas” para o problema da decomposição social que assola o estado do Rio. Fundamentalmente, propõem que o enfoque da polícia mude da repressão para a “prevenção e inteligência” como uma tentativa de “humanizar” a repressão e a polícia. Disseminam a falácia de que a polícia é violenta contra os trabalhadores, pobres e negros por que é “mal paga e mal preparada”, e porque atende a uma “lógica de guerra”. Então seria uma questão de “valorizar” a polícia, e "educar" para que o assassinato de trabalhadores, negros e até crianças deixasse de ocorrer. Isso é uma ilusão reacionária absoluta.

A polícia não serve para garantir segurança para a população. Sua função social é garantir a propriedade privada dos grandes capitalistas e defender os governos, além de que está ligada por mil laços com o crime organizado. No Rio de Janeiro a polícia é ainda mais violenta para conservar uma situação de profunda desigualdade, em que os capitalistas e políticos corruptos usufruem de tudo, enquanto à imensa maioria da população vive em condições precárias, amargando um desemprego que subiu 157% nos últimos três anos.

Apesa o PSOL vem dando um giro à direita filiando policiais, e lançando-os como candidatos. Orlando Zaccone é candidato a deputado estadual pelo PSOL, é delegado da polícia civil, e Ibis Pereira, que foi coronel da PMERJ e apesar de até o momento não ter sido anunciado como candidato vem dando o tom do discurso dos principais expoentes como Marcelo Freixo, são exemplos disso. Ibis Pereira afirmou querer fazer “do limão uma limonada” se referindo à intervenção federal, que só aumentou a repressão contra os trabalhadores e o povo. O fato de Zaccone ser filiado ao PSOL não muda o fato de que é parte da legitimação da instituição policial reacionária pelo seu papel social. A desmilitarização da PM, defendida pelo PSOL, não tornará os policias “mais humanos”, basta ver o papel da polícia civil no país e nas operações no Rio.

Com essa concepção que exalta filiação de policiais e nunca de garis, cedaianos, operários industriais, ou seja, trabalhadores que efetivamente cumprem um papel na produção e circulação de mercadorias, não é de se estranhar a confiança que o PSOL deposita na polícia para investigar o trágico assassinato de Marielle, que já tem mais de 100 dias sem culpados, e exigiria uma resposta nas ruas, com uma investigação independente.

Tráfico, milícias, polícia e Estado estão profundamente interligados e envolvidos na manutenção do crime organizado, um negócio altamente lucrativo e que com seus milhões “azeita” essa engrenagem com muitas propinas, financiamento de campanhas e corrupção. O tanto que o Estado e a polícia estão estruturalmente implicados com o crime organizado foi demonstrado pela própria CPI das Milícias conduzida por Marcelo Freixo. Mas dez anos depois as milícias estão maiores e mais poderosas do que nunca. É a maior demonstração de que o programa do PSOL de humanizar a polícia e reformar o Estado com medidas parlamentares são irrealizáveis.

No terreno econômico, que é a base estrutural da crise no Rio, o PSOL dá cada vez menos resposta. Até mesmo o que defendia contra as isenções fiscais, um programa mínimo, vem perdendo importância na sua política, que se centra nos debates da violência e corrupção, sem ir aos problemas estruturais. Acabar com as isenções fiscais que somam R$ 218 bilhões em apenas dez anos é fundamental, mas nem isso o PSOL vem defendendo. Assim como Freixo, em sabatina, Tarcísio Motta candidato a governador, afirmou que não está contra todas as isenções fiscais, mas só para aquelas que não “geram emprego massivo”, como se monopólios como a Ambev “que empregam”, pudessem seguir roubando nosso dinheiro.

O combate à violência passa pela legalização das drogas

Um estudo feito pela Câmara dos Deputados aponta que só com maconha são gastos anualmente R$ 5,69 bilhões de reais por ano no Brasil, sem somar as demais drogas. Não à toa a disputa por esse mercado é um dos cernes dos conflitos armados no Rio. A legalização das drogas é um programa cada vez menos defendido pelo PSOL, salvo exceção de Renato Cinco e setores da militância.
Isso se deve à pressão eleitoreira de evitar o debate frente ao objetivo de ganhar voto entre setores conservadores, mas é impossível dar uma resposta para a crise do Rio por fora da legalização das drogas, que defendemos que seja produzida pelo Estado e sob controle dos trabalhadores. Sua produção pelo Estado não só seria muito mais barata, gerando uma competição insustentável para o tráfico ilegal, como poderia gerar impostos que poderiam ser revertidos para campanhas educativas sobre os efeitos das drogas legais e ilegais, o fornecimento de tratamento para dependentes, e outras questões sociais.

A política chamada “guerra às drogas” não foi uma invenção do Estado brasileiro, mas foi inaugurada pelo governo americano, e há décadas é utilizada como pretexto para justificar intervenções militares na América Latina. De forma semelhante, é utilizada como justificativa para manter as constantes operações e ocupações nos morros e favelas, que assassinam e encarceram a juventude negra. Mais de 60% dos presos no Brasil estão na cadeia por crimes associados ao tráfico – muitos deles forjados pela polícia, como vimos no caso emblemático de Rafael Braga, e cerca de 40% sem sequer ter passado por um julgamento. No caso das mulheres, essa porcentagem é ainda maior. A população carcerária de mais de 720 mil é uma outra forma de “dar um jeito” nas massas empobrecidas criadas pelo capitalismo e agravadas pela sua crise. Lutar pela legalização das drogas é fundamental para combater o massacre do Estado contra o povo negro nos morros e favelas.

Qual programa e estratégia de resposta para a crise é necessário?

A crise no Rio não se resolverá pela via eleitoral, sem uma mobilização massiva dos trabalhadores e do povo, tarefa para a qual o PSOL não coloca seu peso superestrutural, em combate contra a paralisia imposta pelas centrais sindicais e o PT, o que o PSOL se nega a denunciar ou exigir qualquer mobilização. Só assim seria possível impedir cada ataque que vem passando, mas os parlamentares do PSOL se limitam a se colocar contra no âmbito parlamentar, como foi agora com a reforma da previdência do Crivella, o que é totalmente insuficiente.

O PSOL não coloca seu peso a serviço da mobilização contra os ataques, nem uma resposta aos roubos que são mais profundos e estruturais dos imperialistas e empresários. O primeiro e maior deles é a dívida pública, um mecanismo fraudulento que tira dos cofres públicos da União quase metade de seu orçamento, um trilhão de reais por ano, o suficiente para manter, por exemplo, 1000 UERJs. Todos os governos, Temer, Dilma, Lula, FHC, Itamar e a ditadura pagaram quantias exorbitantes, várias vezes o valor total, mas a dívida só cresce.

O PSOL raramente menciona esse roubo, ou com Boulos diz que “francamente não é o principal problema”, sendo que é centenas de vezes maior do que isenções e os esquemas de Cabral somados; quando o faz, é com o programa de uma “auditoria” da dívida, uma proposta que supostamente pagaria apenas a parte “justa” deste roubo secular! Há que deixar de dar esse presente aos bancos e ao imperialismo, não pagando a dívida pública. Mas o PSOL se nega a levantar esse programa, e acaba cumprindo um desserviço também nessa questão. Parte disso é a política de Freixo e Tarcísio de não defenderem a ruptura com a Lei de Responsabilidade Fiscal, que serve para garantir o pagamento da dívida pública. Com isso caso se elegessem não fariam um governo para os trabalhadores e o povo, mas seriam uma reedição do que foi, por exemplo, o trágico governo do Syriza na Grécia, que aplicou ajustes.

Outro roubo que já está em curso há muito tempo e que atinge em particular o estado do Rio é o da Petrobrás, com privatizações que já se iniciaram no governo do PT e que se aceleraram muitíssimo no governo de Temer (tendo sido esse um dos principais motivos para o golpe institucional). Desde os governos do PT, com Dilma a Petrobrás entrega riquezas ao imperialismo como a venda da participação em um poço à Shell por um preço de banana, anunciou a venda de ações da BR Distribuidora e anunciou um “desinvestimento” (eufemismo petista para privatização), bilionário, de US$ 15,1 bilhões, entre este ano e o ano que vem, e outros US$ 42,6 bilhões entre 2017 e 2018. Dinheiro que deixa de ir para saúde e educação para encher o bolso de bilionários capitalistas (um terço do PIB do Rio é proveniente das rendas de gás e petróleo).

Os esquemas de corrupção que todos os governos fizeram ali, e que são muito destacados na imprensa, não são nada perto do verdadeiro roubo que é a privatização dessa riqueza. Não há como combater seriamente a crise sem lutar para reverter todas as privatizações do petróleo, para que todo o petróleo nacional seja controlado pela Petrobrás e para que essa seja 100% estatal e gerida pelos petroleiros e controlada pelo povo.

Já aquilo que nos roubaram, é preciso reaver por meio do confisco dos bens de todos os corruptos, de todos aqueles que lucraram – pelas vias legais ou ilegais – extorquindo o povo e os trabalhadores. Os bens de Jacob Barata, Eike Batista, Cabral, Ambev, corruptos da Petrobrás, Odebrecht, JBS, etc. – todos devem ser expropriados e que suas fortunas sejam colocadas para financiar os direitos sociais do povo.

Também é preciso atacar os privilégios dos políticos e juízes – esses que foram linha de frente da Operação Lava-Jato, que, longe de querer combater a corrupção, queria abrir caminho para as empresas imperialistas e a privatização do petróleo. É preciso acabar com os privilégios absurdos (verba de moradia, terno, carro, etc.) e que todos os políticos e juízes ganhem o mesmo salário de uma professora. Que tenham os mandatos revogáveis pelo povo e que os juízes sejam também eleitos. Assim se economizaria milhões em gastos com um aparato estatal de privilegiados que servem para defender os lucros dos capitalistas.

Todo esse dinheiro deveria ser revertido para planos de obras públicas para gerar emprego e construir escolas, hospitais, dar moradia digna a toda a população.

Nossa força está na luta da classe trabalhadora, com um papel protagonista das mulheres e dos negros

O programa limitado do PSOL está ligado à sua estratégia – como lutar por ele – que está também restrita a esse regime político: é a via eleitoral. Nacionalmente, o PSOL tem respondido a isso aliando-se nacionalmente com setores burgueses na “Unidade para reconstruir o Brasil” ou o “Pacto pela democracia”. Assim, o PSOL se nega a levar adiante um programa anticapitalista e a organizar os trabalhadores e a juventude para, pela luta de classes, impô-lo.

A sua aposta é que por meio dos votos elejam parlamentares e inclusive cargos executivos que irão "tirar a máfia do PMDB" e promover mudanças. A experiência dos governos do PT, em que medidas de concessões menores e temporárias foram concedidas, mas sem que se alterasse o fundamental de um Estado dirigido de acordo com o interesse da manutenção da propriedade privada e do lucro, mais uma vez prova isso. O golpe de Temer veio para reafirmar.

As mudanças estruturais – como as que propomos acima e que são capazes de responder aos nossos problemas – só podem ser obtidas pela via da organização dos trabalhadores, que podem com seus meios de luta, como as greves, os atos de rua, as paralisações, impor suas demandas. Exemplos como o da greve dos garis em 2014 – que pararam tudo, conquistaram apoio da população e passaram por cima do governo – são uma pequena amostra da força dos trabalhadores. Ali se deu a combinação explosiva da mobilização de um setor estratégico da classe trabalhadora, superando a burocracia sindical, tendo na linha de frente os negros. Isso fez com que mesmo com uma demanda salarial, pudessem ganhar apoio massivo no conjunto da sociedade carioca e vencer. Essa força da classe trabalhadora também se expressou no 28 de abril, caminho que foi traído depois pelas direções burocráticas das centrais sindicais.

Uma esquerda verdadeira deve se pautar pela luta de classes, algo que a estratégia e o programa do PSOL carioca materializado em seus principais referenciais passam longe. Parte disso também seria dar uma reposta superior ao problema histórico da opressão das mulheres. O Brasil viveu sua “Primavera feminista” e internacionalmente o movimento de mulheres tem expressado ainda mais força, como se expressa agora na Argentina na luta pela legalização do aborto. Essa força da luta contra a opressão que as mulheres vem levando à frente, tem potencial para ir além da luta por cada um dos direitos das mulheres, mas para incendiar a classe trabalhadora em cada local de trabalho, com as mulheres na linha de frente do enfrentamento para que a crise seja paga pelos capitalistas e os políticos corruptos.
Isso poderia dar lugar a novos exemplos como o dos garis, que mostrou o potencial da relação da luta dos setores mais oprimidos da sociedade quando se coloca como linha de frente da luta da classe trabalhadora e conquista a aliança das classes médias. Com isso, seria possível não apenas derrotar os ataques, mas lutar para impor essas saídas de fundo, que ataquem a propriedade e o lucro dos capitalistas para que sejam eles que paguem por essa crise.

Isso expressa nossa visão do papel das mulheres, dos negros e dos setores oprimidos da sociedade, que é diferente da perspectiva que o PSOL encara, pois limita-se essencialmente a que estes setores ocupem espaços parlamentares e sem um programa de enfrentamento com os capitalistas e seu Estado.

Ao contrário do que faz o PSOL, numa estratégia revolucionária, o peso eleitoral e dos parlamentares precisam estar a serviço dessa batalha, para fazer a diferença na luta de classes, que é o único caminho pelo qual podemos impor nossas demandas. Um partido que se proponha a ser uma alternativa à esquerda do PT deveria colocar todo seu peso a serviço da batalha por uma frente única dos trabalhadores contra os ataques em curso, denunciando o papel traidor da CUT e da CTB e chamando a romper a paralisia e colocar nossa classe em movimento, aprofundando o caminho aberto no 28 de abril.

Este é o caminho para derrotar os ataques e avançar em chave anticapitalista e revolucionária, que é a perspectiva que deveria levantar a esquerda, no marco da luta por um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo, que é o que poderia aplicar até o final este programa socialista.




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