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OPINIÃO | A contradição de armar os curdos para o imperialismo estadunidense

A ascensão e derrota da primavera árabe, o crescimento do ultra-reacionário Estado Islâmico, o fortalecimento regional do Irã, trouxeram uma série de novas contradições para a atuação do imperialismo estadunidense na região já altamente conflituosa do oriente médio.

sábado 12 de setembro de 2015 | 12:03

Os múltiplos conflitos sectários, étnicos, religiosos, que existem hoje no oriente médio são desafios para nossa compreensão ocidental; se é evidente que esses conflitos têm fundamentos materiais baseados na forma de produção capitalista e no aspecto particular de sua configuração na região, na forma particular como as relações burguesas se apropriaram de forma destrutivo/criativa das relações de produção já existentes naquele espaço, seria grande reducionismo não compreender que fruto dessa configuração particular que assumiu o desenvolvimento capitalista na região as formas que assumem a luta entre as classes e os demais conflitos sociais que se erigem a partir dessa base tem características específicas, particulares, muito marcadas, que devem ser levadas em conta tanto para uma análise científica dos conflitos existentes quanto para pensarmos as formas concretas de atuação política.

O próprio capital financeiro soube muito bem se apropriar das características próprias das relações sociais na região para se aproveitar ou mesmo criar conflitos internos que enfraquecessem a resistência à dominação capitalista. Dividir para conquistar (se apropriando do velho adágio do patriciado romano) foi a consígnea utilizada na expansão imperialista.

Nos múltiplos conflitos que se erigiram desde a primavera árabe e que são levados a cabo hoje, com suas muitas divisões sectárias, tribais, etc, o que dificulta em muito pensar-se uma política revolucionária concreta, principalmente tão longe do teatro de operações onde se dão os conflitos, dois aparecem como mais claramente definidos: 1) a legítima luta dos povos da região contra o ultra-reacionário Estado Islâmico e suas extremas formas de violência e barbárie, 2) a legítima luta do povo curdo por sua emancipação nacional (além evidentemente da histórica luta pela libertação palestina e fim do enclave imperialista que é Israel).

Mas dessa constatação surge uma nova contradição: o grande causador dos conflitos existentes no oriente médio é o imperialismo, é ele o elemento mais reacionário (apesar de buscar aparecer com uma cara humanista e progressista, democrática), mas dentro desses conflitos hoje a coalizão liderada pelos EUA combate o reacionarismo do EI e arma o setor mais claramente progressista que são as milícias curdas.

É na busca de dar uma pequena contribuição para o entendimento dessa contradição que é escrito esse artigo.

Os interesses estratégicos estadunidenses no Oriente Médio e as formas táticas de sua realização

O primeiro elemento que devemos ter claro quando pensamos a atuação do EUA no oriente médio é: que interesses estratégicos defendem os estadunidenses? E a resposta é clara, mesmo para os trabalhadores não muito próximos aos debates sobre as relações internacionais e entre os estados; é evidente que os yankees não defendem no oriente médio nenhuma bandeira humanitária, não é pelos “direitos humanos” que eles se envolvem nos conflito da região, ou por qualquer uma dessas vagas ideias iluministas, mas por um interesse material bem concreto e específico: o oriente médio é o principal reservatório daquele que é o principal combustível do capitalismo moderno, sua principal matéria prima, sua fonte energética essencial, o petróleo.

Sob máscaras humanitárias e “democráticas” o imperialismo busca defender na região seu objetivo estratégico que é um fluxo permanente desse produto essencial a seu desenvolvimento. No entanto, essa defesa de interesses estratégicos não pode se dar de forma direta, imediata, mas por meio da mediação das relações sociais e das classes dominantes que já ocupam o espaço. Diferentemente das Américas, onde o capitalismo em sua fase de expansão logrou exterminar os modos de produção e relações sociais que existiam anteriormente, no oriente médio a burguesia se deparou com um modo de produção muito mais desenvolvido e, portanto, mais resistente frente a sua dissolução e substituição por relações capitalistas.

Assim, foi necessário um modo de desenvolvimento das relações capitalistas particular, específico, onde as novas relações burguesas foram se impondo por meio de um amálgama com as antigas relações existentes, cada vez mais se estabelecendo como modo predominante e as substituindo.

Um momento chave desse processo é o fim do império otomano, durante a primeira guerra mundial, e a repartição de seu antigo território pelas duas grandes potencias imperialistas de então, Inglaterra e França, com a construção de fronteiras artificiais entre os países e o estabelecimento de um tipo de “sociedade” subordinada com as classes dominantes dos diferentes novos países que surgiram, se aproveitando e dilatando os conflitos religiosos e étnicos existentes entre os povos árabes. Outro marco nesse processo é a construção do enclave imperialista israelense, após a segunda guerra mundial, como estado armado diretamente pelo imperialismo capaz de cumprir uma função bem específica, garantir os interesses do capital financeiro no oriente médio.

A partir desse estabelecimento de fronteiras artificiais entre os diferentes países da região a forma tática mais direta de o imperialismo perseguir seus interesses estratégicos no oriente médio é manter uma determinada balança de poder entre os estados, um sistema de pesos e contra-pesos entre os países que mantenha uma relativa estabilidade entre suas forças, impedindo que algum se torne uma potencia hegemônica na região.

Essa necessidade de manter uma relativa estabilidade na balança de poder entre os diferentes países da região se reforçou com a derrota no Iraque, que buscava impor pela força um redesenho das relações inter-estatais.

Uma das consequências negativas mais imediatas da derrota da invasão no Iraque para o imperialismo foi que o caos surgido a partir daí permitiu a ascensão de um novo ator político, o Estado Islâmico, que sem ser diretamente um estado (apesar de cada vez mais assumir o caráter de um semi-estado) não se encaixa diretamente na perspectiva da manutenção de uma estabilidade relativa nas relações de poder estabelecidas que quer o imperialismo.

Some-se a isso a primavera árabe, que acabou com o equilíbrio interno entre as classes em diversos países do mundo árabe, com evidentes efeitos sobre a relação de força entre os países e temos novos fatores explosivos no já grande barril de pólvora que é o oriente médio.

O Estado Islâmico como inimigo tático para o imperialismo

Apesar de o imperialismo estadunidense buscar apresentar sua luta contra o EI como uma luta de princípios da democracia ocidental iluminista e iluminada contra as trevas e a barbárie orientais é evidente que isso não passa de história pra legitimar sua intervenção na região. Cumplices e agentes diretos de grande parte das maiores atrocidades no século XX (as torturas nas ditaduras latino-americanas, as bombas nucleares sobre o Japão, os massacres no Vietnã, e uma longa lista de etc) as questões humanitárias evidentemente tem pouco valor para a elite estadunidense.

Se colocam contra o EI hoje porque esse grupo, como um ator novo nas relações inter-estatais na região, se choca com seus interesses imediatos, desestabiliza a balança de poder entre os diferentes estados árabes que garantem os interesses estadunidenses.

É evidente que uma reviravolta nos acontecimentos e na situação das relações entre estados no oriente médio pode mudar a posição dos EUA em relação ao EI, como tantas vezes aconteceu com participantes de “eixos do mal” que por questões pragmáticas se tornaram novos aliados.

A legitimidade da luta dos curdos

Os curdos são um povo historicamente oprimido no oriente médio; habitanto uma região relativamente homogênea entre o noroeste do Iraque, o sudeste da Síria e o sul da Turquia os curdos claramente poderiam formar um estado nacional, mas isso seria um fator desestabilizador numa balança de poderes entre os estados já a muito estabelecida, além de transformar as relações internas, o equilíbrio entre classes e etnias, dentro dos estados envolvidos.

Junte-se a esses fatores desestabilizadores o fato de que o PKK, partido histórico da luta pela independência nacional curda, se reivindica um partido marxista, a partir de uma tradição stalinista, e até hoje é classificado como uma organização terrorista pelo departamento de estado estadunidense.

Se hoje o imperialismo arma os grupos combatentes curdos isso se dá por uma questão bem pragmática, posto que a ameaça mais imediata aos seus interesses é o crescimento do estado islâmico, que hoje para se legitimar e poder ter alguma expansividade ideológica tem que partir de um discurso fortemente anti-ocidentalista.

No entanto, com o fortalecimento das milícias curdas e a legitimidade que ganham sendo um dos setores mais combativos contra o EI cada vez mais os curdos tem influencia para pleitear a formação de um estado nacional independente seu.

A isso se soma a importante vitória eleitoral que tiveram esse ano nas eleições de junho na Turquia, onde pela primeira vez o partido curdo passou a marca dos 10% dos votos que permite aos partidos eleger candidatos para o parlamento do país, sendo fator determinante para impedir o projeto de concentração de poder do presidente Recep Erdogan.

O desenvolvimento dos conflitos e das relações inter-estatais, étinicas, entre as classes, além do desenvolvimento da crise econômica mundial e das formas particulares com que ela afeta o oriente médio mostram que pode haver, portanto, uma reviravolta na região e que a luta “democrática” e “humanitária” do imperialismo contra o estado islâmico pode se voltar contra o único setor em luta no momento com uma pauta claramente progressiva, o povo curdo.

A política dos revolucionários e as lutas no oriente médio

A derrota da primeira onda revolucionária do processo que ficou conhecido como Primavera Árabe coloca novas tarefas para os militantes que buscam pensar o programa e a estratégia que devemos ter nessa região contraditória e conflituosa que é o Oriente Médio.

Um primeiro elemento que deve ser colocado para pensar-se um programa revolucionário para a região é a luta contra qualquer tipo de intervenção imperialista. Devemos desmascarar fortemente o hipócrita discurso “humanitário” e “democrático” estadunidense, confluindo com o difuso sentimento anti-imperialista que existe, buscando dissociá-lo de um sentimento anti-ocidental, que pode ser usado de forma demagógica por setores da burguesia dos países árabes e islâmicos como forma de desviar os processos de luta.

Outro fator essencial de uma política proletária para a região é lutar contra os elementos reacionários e obscurantistas que buscam se apoiar de forma distorcida na religião islâmica para de forma demagógica defender os interesses da classe dominante e são a outra cara da barbárie produzida pela dominação do imperialismo.

Outro fator ainda é a defesa da legitimidade da emancipação nacional dos povos oprimidos, que hoje tem sua demonstração mais evidente na luta dos curdos por autonomia nacional. Devemos mostrar, no entanto, que uma luta consequente por emancipação nacional só é possível com a expulsão do imperialismo e uma efetiva independência econômico-social, ligando a luta por soberania nacional a luta anti-imperialista, visando a formação dos Estados Unidos Socialistas do Oriente Médio. Essa luta, evidentemente, só pode ser levada a frente de forma consequente ligando-a a luta pelo fim do enclave imperialista que é o estado de Israel e a absorção do povo judeu nessa grande unidade nacional que supere os conflitos étnicos e religiosos que afetam a região.




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