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A condição dos imigrantes africanos em tempos de crise capitalista

Samuel Rosa

A condição dos imigrantes africanos em tempos de crise capitalista

Samuel Rosa

Nesta semana, o país ficou em choque com o brutal assassinato do jovem trabalhador congolês, Moïse Kabagambe, que foi espancado quando fora exigir o pagamento de seu salário. A imagem do Brasil acolhedor, de um país sem contradições raciais, como se fosse uma terra da harmonia entre as raças, se choca com a dura realidade vivida por esses trabalhadores refugiados, que, por não terem nenhuma garantia de direitos, acabam por dar de cara com a realidade da precarização do trabalho, subemprego e marginalização.

A realidade dos trabalhadores no país, neste momento, sobre o regimento da reforma trabalhista de Temer e que todo regime político assina em baixo, como o Centrão e STF é a da precarização, dos baixos salários e dos empregos precarizados. Quando lembramos da falácia da possibilidade de negociação entre trabalhador e empregado, vemos as imagens dos risos cínicos da burguesia enquanto olham para o conjunto dos trabalhadores trabalhando 12 horas por dia, com baixíssimos salários e com a fome batendo em sua porta. Quando unimos a realidade de precarização vivenciada pela classe trabalhadora brasileira, ao racismo e a xenofobia, vemos cenas de barbárie como vimos nesta semana, que desperta o nosso mais puro ódio de classe. Ainda mais no Brasil de Bolsonaro e Mourão, que inúmeras vezes fizeram declarações racistas e xenófobas, fato que também liga a morte do Moïse à responsabilidade do próprio Estado.

A realidade da migração faz parte da manutenção do sistema capitalista enquanto tal, portanto, desde a sua origem ela está presente, entretanto, as claras diferenças entre as formas da imigração, também deixam clara a desigualdade estrutural do sistema capitalista e da sua divisão internacional do trabalho.

Migração e a tendência geral do capital

A violência racista está entranhada com a origem do sistema capitalista. Em sua fase de acumulação primitiva, o capitalismo necessitou explorar a mão de obra de mais de 15 milhões de pessoas, vindas do continente Africano, que desde o século XVI até o século XIX foram trazidas à força de sua terra para as colônias americanas. A exploração forçada de mão de obra escrava, foi uma das condições para o desenvolvimento do capitalismo como conhecemos. Além de sequestrar milhões de pessoas de suas casas, as colocando longe de sua cultura, apagaram registros de suas histórias e ainda espoliaram os recursos naturais destas terras, até as arrasá-las.

"É a escravidão que agregou valor às colônias, são as colônias que criaram o comércio mundial e o comércio mundial é a condição necessária da grande indústria do Mundo moderno", já colocava Marx.

Com o desenvolvimento do capitalismo para sua forma imperialista, onde passou a ser uma época caracterizada pelas sucessivas crises, guerras e revoluções, isto desde o final do século XIX, o mercado mundial se expandiu, chegando a necessidade de desenvolvê-los nas colônias na América Latina, Ásia e África em busca de novos consumidores e de uma força de trabalho mais barata para a produção de mercadoria e extração de mais-valia. Este desenvolvimento não se deu de forma uniforme, perpetuando ainda, tendências regressivas de origem pré-capitalista em vários destes locais, tornando sua população em verdadeiros “escravos modernos”, com baixíssimos salários e jornadas de trabalhos extenuantes, mesmo tendo contato com o que existia de mais moderno no nível da produção. Assim, algo que Marx colocava desde suas primeiras análises sobre as relações entre o proletariado britânico e irlandês no século XIX, se prova no capitalismo atualmente, a existência de conflitos entre os proletários estrangeiros e nativos, conflito incentivados pela burguesia para separar as fileiras do movimento operário

Com isto, em momentos de crise, há uma tendência geral de aumento de migração desde os locais onde acontecem os conflitos políticos ou que sofrem com grandes crises econômicas. Este movimento de trabalhadores entre países, sempre foi mediado pela forma Estado, e sempre atuaram de forma diferentes dependendo da origem destes trabalhadores. A primeira e a segunda guerra mundial, foram cenários de grandes movimentos migratórios mundiais. Esta tendência inicial migratória era inclusive incentivada pelos Estados, principalmente da América Latina, que recebiam um contingente alto de camponeses e trabalhadores europeus que fugiam da guerra em busca de trabalho.

Desta forma, a tendência prevista por Marx, ainda no Manifesto do Partido Comunista, de uma internacionalização do sistema capitalista se tornou cada vez mais clara com o decorrer dos séculos. E com isto, a divisão entre países centrais e coloniais e semicoloniais também se estabeleceu, desenvolvendo uma verdadeira divisão internacional do trabalho. Essa formação se transformou com o decorrer do pós-guerra, também desenvolvendo diferentes tendências nas rotas migratórias ao redor do mundo. Se inverte a direção de migração, passando dos países periféricos para os centrais.

A condição dos países africanos neocoloniais e as novas tendências migratórias.

Após a segunda guerra, reafirmando ainda mais os apontamentos de Lênin sobre o imperialismo, ocorreu a maior onda de processos revolucionários na história da humanidade. Diferentemente do que é contado pela história burguesa, a década de 50 e 60 foi uma época de revoluções, mas também de contra revoluções. Estes processos partiram principalmente dos países da periferia do capitalismo, sendo o continente africano um dos centros mais efervescentes desses processos. A luta por independência dos países africanos, para sair do jugo do imperialismo europeu, tomou a ordem no dia, também motivada pela crise em que a Europa estava após anos de guerras interimperialistas em seus territórios.

As lutas revolucionárias nos países africanos, se desenvolveram sobre a influência da revolução cubana e chinesa, assim, ainda que desenvolvendo históricas lutas emancipatórias, não se basearam na classe trabalhadora como marco central de sua estratégia, (também guiadas pelas direções stalinistas, diretas, ou indiretamente ligadas aos PC’s). Esses países eram berços de matérias primas centrais para o desenvolvimento do capitalismo, impactando diretamente nos desenvolvimentos científicos da época, por isso, não seria facilmente retiradas tamanhas riquezas naturais das mãos da burguesia imperialistas. Ainda sendo commodities de alto valor, que requisitaram muito pouco valor em força de trabalho, por conta da superexploração dos povos africanos, não era possível permitir algum nível de independência para estes jovens países. Por isso, nos diferentes países onde aconteceram processos revolucionários, salvo as suas particularidades que não desenvolvemos neste texto, processos contra revolucionários se instauraram, ainda sobre a égide da ampliação da influência da burocracia stalinista no mundo, onde os imperialistas viviam sobre o medo do aumento da influência soviética no mundo.

A burguesia imperialista não poderia deixar que estes recursos naturais fossem para uma diferente camada da burguesia, portanto, utilizaram-se de diversos métodos para impossibilitar a total autonomia dos países africanos. Mesmo a limitada independência que as direções stalinistas levavam, era impugnável para o imperialismo, assim liderando diversos golpes de Estados, incentivados confrontos interétnicos, estabelecendo Estados de maneira artificial, e financiado grupos paramilitares, o imperialismo colocou o continente africano na situação onde se encontra, em um lugar onde tem as maiores riquezas mineiras do mundo, onde sem a sua extração a própria condição do desenvolvimento do capitalismo estaria colocada em cheque, sendo um dos lugares onde mais vemos claro a miséria capitalista.

É nesta condição que é mantida a maior parte do povo africano, em constante crise, miséria, fome e violência, o que obriga a muitos desses indivíduos a migrarem em busca de melhores condições de vida. E com o decorrer dos anos, com o desenvolvimentos de novos conflitos e novas crises, esta tendência migratória passou a se focar nos países dos centros capitalistas, ou em posição melhores dentro das estruturas geopolíticas nos continentes. Os processos contrarrevolucionários, ou restauracionistas que ocorreram nos países do continente africano, levaram a construção de um proletariado que serve como exército de reserva para a maior parte dos países europeus. Muitos dos destes trabalhadores que vivem em condição de terra arrasada, sem emprego, e com pouca qualidade de vida, veem melhores condições de vida e possibilidade de emprego fora de seu continente. O Brasil seria uma dessas opções para emigração, um país que seria uma “paraíso” racial, o país mais negro fora do continente se apresenta como um lugar onde poderiam se estabelecer, entretanto a dura realidade desta país é outra.

A condição da imigração no Brasil

Após a crise capitalista de 2008, houve um novo boom de migrações, produzindo uma nova tendência mundial. O Brasil se tornou um dos locais de chegada de diversos refugiados africanos, que, com o aumento de tensões em seus respectivos países passaram a procurar oportunidades em outros locais.

A crise trouxe uma dupla tendência: ao mesmo tempo que se colocava milhões de trabalhadores fora do mercado, elevando em muito o nível geral de desemprego, países centrais do capitalismo aumentavam as restrições nas leis de imigração. Esta nova configuração fez com que víssemos cenas de barbárie, como podemos levar nas milhares de balsas e acidentes no mediterrâneo envolvendo imigrantes africanos.

Ainda, com uma maior movimentação entre os países, a xenofobia era cada vez mais propagada pelos partidos nacionalistas e de extrema-direita, que culpavam os imigrantes pelos altos níveis de desemprego nos países desenvolvidos. Isto, junto com o racismo e a intolerância religiosas marcaram uma verdadeira rede de violência com estes trabalhadores, que foram obrigados a ocuparem cada vez mais lugares mais subalternos, recebendo salários baixíssimos e ainda sofrendo perseguições e violências diárias.

No Brasil, o representante dessa odiosa tendência foi Bolsonaro, que já em seu primeiro ano de mandato já modificou as leis de imigração no país, dificultando ainda mais o processo de regularização destes trabalhadores e facilitando as desumanas deportações ao maior estilo Trump.

Segundo o Observatório de Emigrações internacionais, em 2021 foram 28.899 pedidos de reconhecimento de refugiados no país, o que representou um aumento de 1,872% em relação ao ano de 2011, contudo, se levarem em consideração os números reais desde 2011, mesmo com elevado número de pedidos, concretamente, elas representam uma diminuição de pedidos de abrigo no país.

Mesmo demagogicamente tentando se apresentar como um país onde aceita de braços abertos o conjunto de refugiados, na prática não é isso que acontece. Segundo dados do alto comissariado da ONU, o nível de desemprego entre os refugiados é maior que a média nacional, chegando em 19,5% no último ano. A maioria dos migrantes oriundos de países da periferia do capitalismo, quando chegam no país enfrentam o subemprego, tendo que trabalhar de forma não-regulamentada mesmo tendo formação de nível superior.

Unindo estes fatores com o racismo já estrutural do capitalismo brasileiro, vemos um maior nível de desigualdade. Quando tomamos os dados referentes aos países africanos, o Senegal foi um dos países onde tiveram mais requisições de refúgio. Segundo o Observatório das Migrações Internacionais, de 2010 a 2019 cerca de 7.830 Senegaleses chegaram legalmente no país, contudo esse número deve ser muito maior se levarmos em conta os refugiados ainda não legalizados. Esse número é logo seguido pela República Democrática do Congo, onde 2.015 pessoas foram registradas oficialmente enquanto migrantes dentro do mesmo período, de acordo com levantamento do Observatório das Migrações Internacionais (OBMigra), o número provavelmente seja ainda maior.

Quando observamos os dados de salários médios entre estes setores de trabalhadores, observamos ainda mais concretamente a união de racismo e xenofobia. O salário médio de um imigrante da RDC é de R$1.862, muito abaixo do salário médio de migrantes geral ( R$ 4.878), e menor ainda do que a média entre os imigrantes africanos (R$2.698). O salário dos congoleses só é menor no país do que o dos migrantes haitianos, na qual a média fica em R$1.696.

Estes mesmo dois países, que vivem crises agudas econômicas e políticas desde os anos de 2010, sofrem com conflitos internos, além da intervenção imperialista direta. Em ambos os países, intervenções das ONU, lideradas pelo Brasil desde o governo PT, atuaram tanto no Haiti em 2011, quanto na República Democrática do Congo em 2013, sendo estas intervenções lideradas pelo General Heleno e pelo General Santos Cruz, respectivamente, dois militares que posteriormente integraram o Governo Bolsonaro. Ambas as intervenções, tanto no país caribenho quanto no país da região dos grandes lagos africanos, foram caracterizados pela grande força repressiva, caso de violências e estupros com a população local, e que serviu apenas para a manutenção dos interesses imperialistas sobre os países sob o pretexto de manutenção da paz.

A relação entre exploração e opressão, que está no cerne do capitalismo, esmaga todos os dias diversos indivíduos com sonhos de uma melhor qualidade de vida, onde diante dos horrores da guerra tiveram que deixar seus lares para construir uma nova vida. É revoltante, quando estes sonhos são interrompidos de forma bárbara, onde os olhares desumanizantes do racismo e da xenofobia machucam diariamente. Muitos destes trabalhadores sentem o racismo pela primeira vez quando chegam nos solos tupiniquins e essa realidade violenta que diversos trabalhadores negros sofrem diariamente, é aumentada pelo nível de xenofobia propagada pela a extrema-direita, e pela violência oriundas das próprias instituições capitalistas como a policia e o judiciário (que até o momento não permitiram que a família de Moïse tenha acesso ao inquérito de sua morte).

“Os operários não têm pátria”, afirma Marx, no manifesto do partido comunista.

As fronteiras estabelecidas pelo desenvolvimento do capitalismo, não podem separar a classe trabalhadora que é explorada em todos os locais do mundo. A união entre trabalhadores nativos e estrangeiros é essencial para a luta por uma nova sociedade. Por isso, devemos lutar pela a seguridade de todos os direitos trabalhistas para os imigrantes, lutando também pela igualdade salarial para todos. Por isso, todos aqueles que indignaram com o assassinato de um trabalhador negro, apenas lutando por o que era seu por direto, deve se levantar a gritar por #justiçaporMoise, e levar essa luta a frente com as suas mãos.


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