×

OPINIÃO | A bancarrota do Podemos espanhol e as lições para a esquerda no Brasil

Nesta semana, o principal dirigente do Podemos, Pablo Iglesias, pediu demissão do cargo de vice presidente de seu país para disputar as eleições madrilenhas. Tal gesto desesperado tem como objetivo salvar o partido da bancarrota. Quais as lições que podemos tirar disso?

sexta-feira 19 de março de 2021 | Edição do dia

Era maio de 2011. A crise do Euro, fruto dentre outras coisas da crise econômica internacional de 2008, mostrava sua maior intensidade. O desemprego no Estado Espanhol rondava os 20% e na juventude esse número era o dobro. A dívida pública dos países europeus tinha estourado, em base ao imenso gasto que fizeram para salvar os bancos. Frente a essa questão, a principal resposta do governo do PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) é de aplicar cortes em medias sociais. A nível internacional, o mundo passava pelo momento que chamamos da “primeira onda” da luta de classes pós 2011, com a primavera árabe e outras mobilizações na Europa.

Neste mesmo maio, particularmente no dia 15, a juventude vai em massa às ruas. No ano anterior já havia ocorrido uma greve geral contra as reformas trabalhistas e da previdência. O novo movimento se autointitulava Indignados e criticava fortemente as condições sociais e as medidas de austeridade, além de questionar regime político e seus dois principais partidos, o PSOE e o PP, junto com a monarquia que ainda subsiste no regime espanhol. Além disso, também deu impulso ao movimento pela independência catalã.

Os protestos, apesar de conseguirem algumas conquistas, não conseguiram barrar os ataques de conjunto. No entanto, abriram uma crise política forte e um desgaste dos tanto do PSOE (que em 2011 saiu do governo e só voltou em 2019) quanto do PP.

É nesse contexto, que em 2014 surge o manifesto Mover ficha: convertir la indignación en cambio político para as candidaturas das eleições europeias no mesmo ano. O manifesto criticava as políticas de austeridade aplicadas pelos governos espanhóis e pela UE e reivindicava uma recuperação da “soberania popular” e defende que a “cidadania tenha que decidir” e fala da necessidade de uma ruptura com regime bipartidista do PP e PSOE e com quem havia sequestrado nossa democracia. O manifesto também defende o direito a vivência digna, o direito ao aborto, o direito à cidadania a todos, junto com o rechaço à lei de estrangeiros, às intervenções militares espanholas e às privatizações dos serviços públicos. O manifesto contou com a assinatura de diversos intelectuais e foi base para a plataforma Podemos nas eleições europeias, conseguindo cerca de 8% dos votos.

Após reuniões locais, no final deste mesmo ano o Podemos se forma como partido e o grupo liderado por Pablo Iglesias, ex-militante do Izquierda Unida, assume a direção do partido e, de certa forma, a hegemonia do mesmo. Vários agrupamentos se uniram ao podemos, inclusive o Anticapitalistas, sessão espanhola do Secretariado Unificado. Além disso, é aprovado o programa do partido, que inclui reformas nos âmbitos sociais, econômicos e democráticos, mas não ultrapassam os limites do capitalismo e tampouco a derrubada o regime espanhol, apenas pedem algumas reformas parciais mas mantendo de pé inclusive a monarquia.

O novo partido rapidamente atraiu o entusiasmo de um setor da juventude, chegando a 200 mil filiados logo após seu lançamento. Nas eleições de 2015 e 2016 chegaram a ter mais de 20% dos votos, elegendo 69 e 71 deputados respectivamente e 16 senadores em ambas.

No entanto, a lógica puramente parlamentar e reformista do partido foi cada vez mais mostrando seus limites. Enquanto a crise política e econômica continuava assonado o Estado Espanhol sem trégua, o Podemos ia cada vez mais moderando seu discurso e suas propostas, cada vez mais inserido no regime político espanhol que tanto criticava, além de se adaptar cada vez mais ao PSOE.

Em outubro de 2019, saíram sentenças condenado algumas das referências da luta independentista catalã a até 13 anos de prisão. As massas saem às ruas e protagonizam enormes manifestações e uma greve geral no dia 18 do mesmo mês. No entanto, a postura do Podemos foi de chamar a aceitar a sentença e Pablo Iglesias falou que iria tentar negociar com o governo espanhol (agora Pedro Sanchez, do PSOE) um indulto, algo que nunca veio a acontecer, além de falar que era normal a articulação das polícias pra reprimir as mobilizações. Ou seja, aqui o Podemos se coloca diretamente contra as mobilizações.

Com seu curso cada vez mais adaptado, o Podemos vem perdendo o peso que havia conquistando. Nas duas eleições gerais de 2019 (a segunda ocorrida depois das mobilizações na Catalunha), o partido obtém 14% e 12%% respectivamente. Enquanto isso, o PSOE consegue recompor sua votação, mostrando claramente que a postura do Podemos de atuar como quase “linha auxiliar” deste só fortaleceu o PSOE em detrimento do Podemos. Além disso começam as rupturas. Em 2019, Íñigo Errejón, fundador do partido e um dos seus principais nomes rompe com o partido e funda sua própria plataforma, Más Madrid e Más País.

Se pela esquerda o Podemos ia moderando seu discurso e abandonando suas bandeiras iniciais, à direita iam surgindo partidos mais radicalizados. O Vox, formação de extrema-direita xenófoba e saudosista do Franquismo, que tinha surgido em 2013, vem cada vez mais aumentando seu peso. Após a eleição regional de Andaluzia, onde o Vox teve um crescimento surpreendente, o partido conseguiu emplacar 15% dos votos na segunda eleição geral de 2019, se localizando como terceiro maior partido e superando o próprio Podemos.

Isso foi o recado para o Podemos girar ainda mais a direita. Mesmo com o governo do PSOE reprimindo abertamente as manifestações independentistas e aplicando medidas de ajustes, o Podemos entra em negociação com o partido para formar um novo governo. As negociações terminam com o Podemos (além de outros partidos da frente Unidas Podemos, como Izquierda Unida e o PCE) adentrando no governo e Pablo Iglesias assumindo segundo vice-presidente. Dessa forma, o Podemos dá um salto de qualidade e agora se torna responsável direto pela aplicação dos ataques do governo – apesar do Podemos insistir que é o governo “mais progressista” da história da Espanha. Ataques como por exemplo a desastrosa gestão da pandemia, que já ceifou 73 mil vidas no país, que está em 16º no ranking mundial de mortes por habitantes. Que, mesmo durante a pandemia atacou o direito dos trabalhadores e manteve as incursões e bloqueios imperialistas, além de manter o a Espanha em órgãos imperialistas como a OTAN. Governo que não reconhece a autonomia nacional da Catalunha e de outros nacionalidades oprimidas na Estado espanhol – pelo contrário reprime quem luta por isso. Mesmo o indulto que Iglesias falou, não veio do governo: apenas após a pressão do movimento independentista que o governo aceitou analisar os pedidos em setembro do ano passado, ainda que disse que era um procedimento “protocolar” e que não incluía nenhum posicionamento político frente ao acontecido. Nem mesmo as tímidas promessas de campanha foram cumpridas.

No início desse ano, foi decretado a prisão do rapper Pablo Hásel, por crimes como “enaltecimento ao terrorismo” e “injúria a coroa”. Tal perseguição política desatou enormes protestos. No entanto, o governo atuou duramente para reprimir. O Podemos, se mantendo no governo e assumindo a responsabilidade pela repressão, se limitou a fazer uma “petição” para a justiça pedindo um indulto ao rapper. Dentre os alvos fundacionais do partido, ou seja, aqueles que “haviam sequestrado nossa democracia” agora se encaixao próprio partido.

Com isso, as votações do Podemos só fazem retroceder. Nas eleições da Catalunha desse ano, a coalizão do Podemos passou 7,5% para 6,87%, se mantendo em quinto. No entanto, ficou atrás do Vox nessa eleição.

Com a crise do partido se agudizando, Pablo Iglesias resolveu largar a vice presidência do país para disputar as eleições madrilenhas. Se trata de um ato desesperado para tentar salvar a significância do partido. Tentou uma aliança com seu ex companheiro Íñigo Errejón, mas essa foi recusada. No entanto, o próprio Iglesias assume que, para barrar o Vox, seria capaz de se aliar com o PP e o Ciudadanos, que representam a direita tradicional e uma “neodireita” respectivamente. O resultado dessas eleições podem definir o destino do Podemos, que corre o risco de cair no ostracismo político.

Como podemos ver, as capitulações do Podemos não apenas fizeram o partido largar de todos as bandeiras e princípios que alegaram ter no início, como também se mostra totalmente incapaz para barrar a extrema-direita. Não muito diferente do que viemos anunciando no Izquierda Diario.es, irmão espanhol deste diário.

O destino do Podemos não é tão diferente do seu irmão grego Syriza. Ambos partidos neorreformistas, se conformaram em países onde a crise do euro foi mais aguda. O último se elegeu prometendo terminar com os planos de austeridade da Troika. Após assumir, convocou um plebiscito que reforçou essa posição. No entanto, acabou por aceitar todas as condições da União Europeia. Após 4 anos no governo, o resultado foi a volta da direita tradicional e com o Syriza atravessado por múltiplas cisões e caminhando pro debacle. Caminho parecido teve o Bloco de Esquerda (BE) português. Apesar desse ser mais delimitado por grupos autointulados da esquerda “radical e revolucionária”, se juntaram a geringonça, coalizão com o Partido Socialista português. Dando cobertura à esquerda ao governo, quando esse precisava frente a crise política do país, o modelo foi exaltado por muitos setores da esquerda e por intelectuais como Boaventura de Sousa Santos como exemplo mundial de governo de esquerda. Até mesmo Guilherme Boulos falou em formar uma “geringonça brasileira”. No entanto, uma vez que se usou da cobertura de esquerda, o governo foi cada vez mais à direita. Em 2019, o PS consegue recuperar a sua votação e, com uma plataforma ainda mais à direita, desfaz a coalização. E o BE retrocede em sua votação.

Tais exemplos, que outrora foram propagandeadas como “modelos” por amplos setores da esquerda brasileira, alguns inclusive autointitulados trotskystas, deveriam servir como lições do que não fazer. No entanto, muitos desses grupos fazem silêncio sobre o trágico desfecho desses ocorridos internacionais, mas repetem o caminho para o mesmo lugar. Ao contrário disso, nós do MRT no Brasil e nossos companheiros da CRT no Estado espanhol apostamos em construir uma esquerda com independência de classe e um programa revolucionário.




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias