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RACISMO E ARTE | A arte como pretexto para o racismo – é hora de barrar “Exhibit B” no Brasil

Após ser barrada na Inglaterra e na França, Brett Bailey tenta trazer “Exhibit B”, peça de conteúdo racista, para o solo brasileiro durante o encontro nacional de teatro, em março de 2016.

quinta-feira 30 de julho de 2015 | 00:07

Após ser barrada na Inglaterra e na França, Brett Bailey tenta trazer “Exhibit B”, peça de conteúdo racista, para o solo brasileiro durante o encontro nacional de teatro, em março de 2016. Aparentemente a arte virou desculpa para ações imperdoáveis, inescrupulosas e até mesmo criminosas.

Os comediantes brasileiros: vanguarda do racismo nacional

Obviamente, em uma sociedade que vem cada dia mais se polarizando entre tais extremos, a questão negra não deixaria de permear os principais aspectos do debate cultural e político – como o fez em todos os momentos políticos mais importantes do país e do mundo – e jamais se furtariam, os que estão do lado direito da polarização, de achar meios de contornar inclusive leis para propagandear as mais malignas intenções contra a população negra.

No campo da arte, a primeira demonstração veio pelos seus porta-vozes mais esdrúxulos, os “comediantes” vendidos às grandes empresas de mídia. Há poucos meses o movimento negro obrigou a sociedade a debater o escândalo da peça “A mulher do trem”, que usa o black face para constituir a caricatura da doméstica negra de uma família elitizada. Para quem acha o debate exagerado, basta conhecê-lo: as black faces foram utilizadas por anos durante o século XIX contribuindo drasticamente na ploriferação de estereótipos e preconceitos contra a população negra. Associado ao black face estavam sempre personagens “abobalhados”, como se os negros se caracterizassem pela cor de pele e por uma notável falta de inteligência.
Ditos “comediantes” como Danilo Gentili e seus precursores da “Zorra Total”, “Pânico na TV”, “A Praça é Nossa”, entre outros, muito antes disso já usavam (e ainda usam) do pretexto da arte para seguir difundindo na mente da população preconceitos gravíssimos como o racismo, o machismo, a homofobia e a transfobia. Os críticos dessas práticas nos programas de humor são acusados de “moralistas” e maus compreendedores da arte, afinal de contas, tudo pela comédia, tudo pela arte.
O afinco em manter tais posições não poderia ser menor. Tais “artistas” são a expressão mais acabada das principais ideias que permeiam a classe dominante – ou não seriam financiados por ela dentro dos canais sob seu comando. Essa elite que vive cada mais profundamente sob a intensa ameaça de uma crise política e econômica treme de medo da população negra, como fruto das diversas revoltas experienciadas na história do Brasil. Ridicularizar é a arte de silenciar. Para os que não se calam, mesmo ridicularizados, sobra bala policial, os presídios e mais nova ameaça da redução da maioridade penal.
Esses comediantes são apenas o primeiro contato que recebemos, desde a infância, com o racismo estrutural dominante da cultura brasileira, e nada mais são do que a contra cara do racismo institucional expresso por outros meios, digamos assim, mais “diretos”.

“Exhibit B” e a arte de renovar preconceitos

O diretor teatral e roteirista Brett Bailey foi mais longe. Não é pelo pretexto da ridicularização que mantém negras e negros aprisionados em jaulas durante seu espetáculo “Exhibit B”, mas sob a alegação de que mostrar essas cenas ajudaria a pautar-se a questão da escravidão e da história de opressão do povo negro. Essa tática – o retrato do tempo – não poderia ser mais desastrosa. Em primeiro lugar porque o retrato está mal feito e privilegia um prisma da escravidão: o do negro enjaulado, passivo e amedrontado. Entretanto, a realidade – ou o retrato – da escravidão não se resume a isso. Não se passou um ano sequer, em todos os países que abrigaram o trabalho escravo, sem que rebeliões, motins e até mesmo suicídios ocorressem em protesto a condição de escravo. Privilegiar o lado “passivo” da história não nos ajuda, enquanto negros, a romper o silêncio que ronda nossa história de lutas, mobilizações, organizações políticas e valiosas vitórias, como
é o caso da Revolução Haitiana.
Em segundo lugar, é preciso questionar-se veementemente qual o papel de determinados retratos no imaginário popular. O papel “educativo” que Brett Bailey vê em sua peça é exatamente o oposto do que ele sabe cumprir. A mulher negra ou o homem negro, trabalhadores, estudantes – livres – que assistem à sua peça saem de lá espelhando-se no aprisionamento. A mulher branca ou o homem branco que vão a peça, saem reafirmando a posição privilegiada que ocupam. E fica por isso mesmo. Não há incitação de revolta, exigência de combate, representação de luta. Há aprisionamento e uma paralisante resignação.Brett Bailey desafiou movimentos negros na França e Inglaterra a assistirem sua peça e confirmarem que estavam enganados e que, na verdade, a peça é uma grande contribuição. Desafortunadamente para ele, Bailey estava errado, e não houve sequer um expectador negro que não saísse ofendido após assistir a peça, levando a que, tanto na França como na Inglaterra, passando por cima do poder da repressão e do cerco da mídia, centenas de militantes negros conseguiram através dos atos de rua impedir que a peça se mantivesse em cartaz.
É preciso que façamos o mesmo aqui anunciando, desde já, que estaremos preparados para intervir caso a elite brasileira, financiadora desse e de quase a totalidade dos festivais de teatro, insista em seguir nos ofendendo, vitimizando e calando nossas vozes. Que pare, com essa peça, o direito do racismo, do machismo, da homofobia e da transfobia de receber direito de voz enquanto se cala nosso grito de liberdade.

Não é só por trás da cortina

Ao contrário do prestígio internacional de Brett Bailey que segue sendo financiado e recebendo suporte de uma série de corporações bancárias e de mídia, os artistas independentes vivem muitas vezes sob condições de miséria, de financiamento em financiamento – por vezes de baixo valor – para conseguir garantir a continuidade de seus projetos.
Junto a uma luta pelo veto à Brett Bailey, é preciso que se somem ao movimento negro e de trabalhadores, artistas independentes, exigindo também seu direito à produção cultural, com financiamento estatal e espaços físicos para toda a demanda, dedicados à exibição e produção de arte independente.
A obrigação do Estado é de garantir, além de punição aos responsáveis pela divulgação de práticas racistas, a propagação de ideias formadoras, capazes de auxiliar o movimento de massas – o maior e mais dinâmico educador das massas – a formar homens e mulheres novos, capazes de relacionar-se plenamente livres do racismo e de todas as amarras das opressões. Entretanto, só não há verba para artistas independentes porque, em geral, são ideias que não ajudam nos interesses da burguesia e do capital. Há muito que se faz “por trás das cortinas” que são os prenúncios de uma nova arte, capaz de gerar transformações. Mas, não é só por trás das cortinas que se mudam as coisas. A unidade entre os trabalhadores da arte e os setores mais oprimidos em uma luta decidida por uma nova ordem no campo cultural será a única capaz de impor a existência livre de uma arte também e, finalmente, livre.


Temas

Cultura    Negr@s



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