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“A Reforma da Previdência vai prejudicar muito os trabalhadores mais pobres” – Entrevista com Pedro Paulo Bastos

“A Reforma da Previdência vai prejudicar muito os trabalhadores mais pobres” – Entrevista com Pedro Paulo Bastos

por Daphnae Helena, para o Ideias de Esquerda.

Pedro Paulo Bastos, professor de Economia da Unicamp, conversa com Daphnae Helena sobre a situação da economia brasileira, a guerra comercial entre os EUA e a China, a Reforma da Previdência, o governo Bolsonaro e a atuação do ministro Sérgio Moro.

Ideias de Esquerda: Gostaríamos de começar partindo de perguntar sobre a atual situação da economia brasileira. O último relatório do FMI aponta um rebaixamento grande na previsão, com um crescimento de 0,8% e alguns economistas apontam o risco que o país pode entrar em recessão. Como você vê as perspectivas para a economia no país?

Pedro Paulo Bastos: Os economistas do mercado financeiro estavam prevendo um crescimento de 3% ao ano. Ficaram muito otimistas com a eleição do Bolsonaro, basicamente porque ele realizaria a agenda que eles propõem de cortes de direitos e de privatizações. A alegação deles é que esse corte de direitos, que está associado a um corte de gastos, daria um horizonte de credibilidade para a dívida pública e em função disso as taxas de juros cairiam e as perspectivas para o investimento privado melhorariam. Por conta disso, a recuperação do investimento privado levaria a economia a crescer. Esta é a interpretação deles.

Qual o problema disso? O problema é que o investimento privado depende muito menos das perspectivas da evolução da dívida pública no longo prazo. Ele depende muito mais, no curto prazo, das expectativas a respeito da evolução da demanda que as empresas vão atender diante do mercado e, por outro lado, depende também da capacidade produtiva ocupada das plantas produtivas das empresas de bens e de serviços. Quer dizer, se as empresas têm uma capacidade ociosa muito grande, não tem porque elas investirem ainda que a demanda esteja crescendo.

Agora, se a demanda não estiver crescendo, elas não vão nem pensar em contratar e, muito menos, em investir.

Então o que aconteceu na verdade? O governo Bolsonaro realizou um programa de cortes de gasto público muito forte no primeiro trimestre e isso acabou reforçando a fragilidade dos itens de demanda da economia brasileira. Dada essa fragilidade, o investimento privado não tem como se recuperar. O erro dessas previsões do mercado financeiro tem a ver com o fato de que elas superestimam o papel do investimento privado e subestimam o papel da demanda agregada.

Qual o problema da demanda agregada? Por um lado, o desemprego, em função dele e da baixa do rendimento real dos salários, as famílias estão tendo que realizar cortes em seus orçamentos. Ao mesmo tempo, as próprias estimativas de desemprego não mostram exatamente o que está acontecendo no mercado de trabalho, porque está aumentando a subocupação, o emprego informal e o emprego por conta própria – aqueles que precisam trabalhar de qualquer maneira para sobreviver. Em função disso, a taxa de participação das pessoas no mercado de trabalho também aumentou. Então, o emprego, basicamente, está aumentando com vagas de trabalho informal e por conta própria, sem CNPJ, ou com menos de 40 horas semanais. A melhoria que o emprego teve nesse último trimestre não chegou nem a recuperar a queda no primeiro trimestre, de modo que, no final de 2018, a economia estava com uma taxa de 11,6% de desocupação e hoje está com uma taxa de 12% e o problema que ela tinha crescido para 12,7% no primeiro trimestre de 2019, mesmo sendo em parte um fator sazonal, em parte se deu reforçado pelas políticas do próprio governo Bolsonaro. Por outro lado, além dessa questão do consumo – ou seja, de que o consumo em baixa não estimula o investimento dos empresários –, o investimento público em baixa também vai dificultar o investimento dos empresários, eles não tem porque investirem se não houver demanda e se houver muita capacidade produtiva ociosa. Por exemplo, as empresas industriais estão com 66% da capacidade ocupada apenas, então, não tem porque elas investirem. E ainda por cima tem o fator da economia mundial, que já desacelerou neste primeiro semestre. Como consequência disso, tivemos uma redução das exportações brasileiras e uma estagnação das importações – abordo isso em um artigo meu recente em que tem todos esses dados. A demanda externa também é muito desfavorável para o crescimento da economia brasileira e para o investimento empresarial.

IdE: Um dos grandes temas do debate econômico internacional, hoje, tem sido essa fase de "guerra comercial" entre Estados Unidos e China. Por um lado, vemos um governo que aparenta proximidade com o atual presidente dos EUA, mas, por outro, vemos, do ponto de vista econômico, o agronegócio brasileiro muito atrelado e dependente da China. Como você avalia a influência dessa disputa comercial no Brasil?

P.P.B.: A guerra comercial entre os Estados Unidos e a China é um dos fatores que explica o que está acontecendo, mas não é o único, na verdade, já temos um crescimento de quase 10 anos da demanda nos Estados Unidos, uma recuperação, mas uma recuperação que é relativamente lenta, muito lenta e muito concentradora da renda; de qualquer maneira, mesmo no pico dessa recuperação, as taxas de desemprego na Europa, sobretudo emprego full time, e as taxas de participação nos EUA, ainda não recuperaram para os patamares anteriores à crise de 2008. Em se havendo essa recuperação as empresas realizaram determinados investimentos e, como não há uma coordenação geral da expansão dessa capacidade, agora estão com capacidade ociosa, o que contrai novos investimentos. E então você tem demanda contraindo, a economia desacelerando na China, claramente desacelerando na Europa, vai desacelerando mais na Inglaterra pelas incertezas do Brexit e vai desacelerar ainda mais nos Estados Unidos. Em parte por causa dessa desaceleração, mas não apenas por isso, também a eleição do Trump aumentou a Guerra Comercial Estados Unidos-China, e é claro que isso produz um aumento da incerteza e, evidentemente, pode produzir um cenário de aceleração dessa contração relativa, dessa desaceleração do investimento que a gente está vendo nas economias principais. E é claro que o Brasil é muito mais dependente da China do que dos Estados Unidos, então, do ponto de vista material, as finalidades estratégicas brasileiras seriam de, senão um alinhamento com a China ou, pelo menos, de uma multipolaridade, relações boas com os dois países. Evidentemente, o alinhamento automático do governo Bolsonaro ao governo Trump coloca alguns riscos de um eventual problema brasileiro em relação ao acesso aos mercados chineses, veremos isso ao longo do tempo. Ademais, o incentivo ao desmatamento e à invasão de terras indígenas promovido pelo presidente pode colocar em risco exportações para a Europa. Ou seja, a política de Bolsonaro não é boa para os exportadores brasileiros.

IdE: O início do segundo semestre deve ser marcado também pelas discussões em torno da votação da Reforma da Previdência. Fala-se bastante de combate a privilégios, mas sabemos que as motivações da previdência estão longe desse objetivo. A Reforma da Previdência no país, aumentando o tempo de contribuição de trabalhadores num país de ampla massa de trabalho precário, aumentaria as desigualdades?

P.P.B.: No que tange à Reforma da Previdência, o argumento de que ela vai gerar crescimento também tem a ver com essa ideia da austeridade expansionista, quer dizer, que a contração do gasto público levaria os empresários a gastarem mais. Na verdade a Reforma da Previdência aumentá as contribuições dos trabalhadores, que vai diminuir a renda deles no longo prazo, e vai diminuir também os benefícios dos trabalhadores, isso que é a chamada economia da previdência. Como muitos desses trabalhadores recebem salários muito baixos e gastam a maior parte desses salários, é evidente que essa reforma é contracionista. De qualquer maneira, o objetivo e as motivações são em parte, elas têm a ver com essa agenda regressiva, contrária a direitos sociais, e já vem, desde 2016, com o governo Temer, e essa ofensiva daqueles que nunca gostaram do capítulo segundo da Constituição Federal, que regula os direitos sociais. Então tem que ser entendido nesse processo mais amplo de ataque ao conjunto de direitos sociais e de salários indiretos que as pessoas obtêm por meio do acesso a serviços públicos financiados por uma estrutura tributária, com impostos, mas com impostos regressivos, que é o caso brasileiro.

A Reforma da Previdência vai prejudicar muito os trabalhadores mais pobres, porque está aumentando o tempo mínimo de contribuição junto com a idade, então, para homens que ainda vão entrar no mercado de trabalho esse tempo mínimo vai aumentar para 20 anos, com 65 anos de idade mínima, qual o problema disso? O problema é que você exclui 56% dos trabalhadores ou mais ou menos 790 mil trabalhadores por ano que se aposentam com esse tipo de aposentadoria, é uma exclusão extremamente elevada. Por outro lado, às vezes se alega que esses trabalhadores poderiam obter o BPC, que é o Benefício de Prestação Continuada com 65 anos, o que não é verdade, é uma tremenda mentira, porque o BPC, que paga o benefício de um salário-mínimo, só vai ser pago para aqueles trabalhadores que vivem em famílias com renda per capita de ¼ do salário-mínimo, ou seja, R$ 250 por pessoa, por mês para uma família de quatro. Basicamente, o que eles fizeram foi alterar a regulação legislativa do BPC de maneira que as cortes judiciais não possam interpretar a LOAS, a Lei da Assistência Social de maneira a permitir que famílias que têm uma renda per capita maior que ¼ do salário-mínimo obtenham o BPC, incluindo outros benefícios assistenciais e previdenciários. Se a soma dos rendimentos e benefícios da família superar 998 reais, não há BCP. Ademais, a imposição da idade mínima vai prejudicar muitos trabalhadores que começaram a trabalhar muito cedo e que ficam no trabalho formal, contribuindo muito mais tempo, então estamos fazendo os cálculos para mostrar o quanto que esses trabalhadores vão estar perdendo em cada faixa de renda e mostrar que muitos deles vão estar contribuindo muito mais do que eles vão receber da previdência, além, evidentemente, desses que serão inteiramente excluídos do direito de previdência, que vale também para as pensões.

IdE: As últimas declarações de Bolsonaro sobre a morte do pai do presidente da OAB no período da ditadura indicam um sinal de escalada do autoritarismo no Brasil, conjuntamente a medidas que têm tomado o ministro Sérgio Moro. Qual o significado do atual governo e da operação Lava Jato?

P.P.B.: Essa iniciativa do governo Bolsonaro em relação ao pai do presidente da OAB mostra uma escalada no autoritarismo, como, por exemplo, essas medidas aí do ministro Moro, então o governo está testando os seus limites. O governo claramente tem inclinações autoritárias, diria mesmo fascistas, no sentido que ele tem uma definição do que é o objetivo, a identidade nacional e exclui autoritariamente todos aqueles que não são considerados a favor desses objetivos nacionais que eles definem autoritariamente, o que é típico do fascismo, e eles estão testando os limites da possibilidade de intimidar ou excluir opositores. Bolsonaro também está realizando um movimento muito nítido de sinalização para as camadas mais baixas do oficialato, assim como do sub-oficialato militar, de certa maneira quebrando a hierarquia militar que o Presidente teria que ter contato somente com os chefes das Forças Armadas e não interpelar diretamente essa base, inclusive foi isso um dos pretextos para o Golpe de 1964. Fica muito claro que a operação Lava Jato envolvia uma perseguição política que buscava excluir a possibilidade de o ex-presidente Lula fazer parte da campanha eleitoral de 2018, o que foi decisivo evidentemente para a eleição do Jair Bolsonaro. Então na verdade é difícil dizer que a gente vive numa democracia irrestrita, a gente vive numa democracia profundamente limitada e controlada não apenas por essas ameaças autoritárias que vêm do executivo, mas também pelo conjunto dessas iniciativas que partiram dos membros do Ministério Público mesmo do Poder Judiciário cuja trama foi tão bem revelada pelo The Intercept Brasil.


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