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CRISE POLÍTICA | A Lava jato e a casta política

A política é feita do embate entre classes e frações de classe a partir dos seus distintos instrumentos, sobretudo os partidos políticos. No entanto, compreender a política não é uma fórmula de física, em que se somam as forças em conflito e se atinge o resultado final. Para entender os movimentos políticos é preciso saber que às vezes um só conflito ganha uma força esmagadora, atrai as atenções, impõe sua dinâmica e determina a ação dentro de um dado contexto ou momento.

quarta-feira 7 de dezembro de 2016 | Edição do dia

Ao primeiro olhar, não é grande descoberta que o conflito fundamental em curso apresenta-se como o conflito entre a casta política e as forças da operação Lava-Jato. Em termos gerais, por casta política compreendemos o conjunto de políticos e forças adjacentes que dominam o sistema político brasileiro. Por operação Lava-Jato nos referimos a todas as forças do judiciário relacionadas ao juiz Sérgio Moro e aos procuradores, que dão base a sua sustentação da operação de combate a corrupção.

A última grande disputa entre essas forças, em que todo o sistema se polarizou ao redor do conflito (incluindo o STF), foi o julgamento desta quarta-feira (07/12) de Renan Calheiros, que deu vitória (ou seria melhor dizer um suspiro) para o senador, portanto, para a casta política. Na realidade a disputa se escancarou quando, de um lado, as forças da operação Lava-Jato deram um passo ofensivo com as “dez medidas contra a corrupção”, que fez com que a câmara de deputados votasse por ampla maioria a emenda contra o abuso de poder no pacote de dez medidas contra a corrupção, e também que Renan Calheiros respondesse com um pedido de urgência para a mesma votação no Senado.

A aprovação desta medida em particular, sobre o abuso de poder dos juízes, significaria uma grande medida de força da casta política. Ao perceber a ofensiva desmedida por fora da “correlação de forças” dos promotores a própria mídia questionou o projeto para por panos quentes, o juiz Moro foi ao Senado pedir para retirar apenas essa medida para se dar o acordo, Carmen Lucia (presidente do STF) buscou articular-se com senadores, mas não se obteve acordo algum. Seguiu o conflito e mantiveram depois de muita ponderação Renan no cargo na medida em que retirá-lo poderia significar uma instabilidade comprometedora do ajuste fiscal e a votação da PEC.

Como na filosofia alemã, a aparência é um momento da verdade, mas não representa a essência do problema em questão. Para se compreender esse embate fundamental que tratamos é preciso ir além, buscar as forças econômicas e políticas que se aglutinam ao redor desses polos.

Sobre a operação Lava Jato, primeiro é fundamental perceber que seus interesses não são contra a “casta” (termo geral) ou a “corrupção”, mas hoje vemos indiscutíveis relações entre o superpoderoso juiz do caso e monopólios de capital estrangeiro: a primeira hipótese esteve em torno da relação entre Moro e a Shell, uma das grandes do petróleo, ou mesmo com poderosos monopólios que dominam tecnologias de extração e nesse sentido tem outros interesses relativos a Petrobrás (seja em extrair em suas bases, ou em evitar que ela se torne uma concorrente), como Halliburton, Schlumberg, Transocean. Sobre isso, você pode ler mais aqui.

Indo além disso, ainda que seja necessário investigar com mais profundidade os interesses em jogo, hoje vemos despontar no cenário nacional uma série de promotores, ligados a Curitiba, tendo por trás as forças das igrejas evangélicas (mais diretamente a Igreja Batista, que tem como senador cabeça o político Magno Malta), que fornecem as bases para, por exemplo, os promotores conseguirem rapidamente mais de dois milhões de assinaturas para seu pacato “contra a corrupção”.

O fundamental aqui é perceber que do lado da Lava-Jato existe uma espécie de bloco de poder em que os juízes e promotores da operação tem respaldo em forças imperialistas, em importantes interesses internos de parte de uma das mais fortes bancadas do congresso (evangélica) e tem como objetivo fundamental remodular o regime político brasileiro, esmagando o bloco de poder anterior e promovendo uma rearranjo de acordo com seus novos interesses. Nesse sentido, hoje a operação caminha a um sentido parecido a da correlata italiana, chamada de Operação Mãos Limpas.

De outro lado, é preciso compreender qual a configuração da casta política atual, inclusive tendo em vista que o golpe institucional que retirou Dilma do poder debilitou setores do status quo do regime, mas uma parte importante se manteve no governo Temer.

Aparentemente, o antigo bloco de poder que reuniu o PT junto a setores do PMDB e ao PP de Maluf (ala direita do regime atual, advinda do antigo Arena e a qual o PT se coligou estrategicamente desde o primeiro mandato de Lula pelo menos), esse antigo bloco é que é o alvo da Lava-Jato, tendo muitos políticos desses partidos na mira da operação. A resposta que mostra os limites completos do Partido dos Trabalhadores é que ao contrário de oferecer qualquer alternativa a essa disputa interburguesa, se localizam em geral no campo da casta política.

A Lava-Jato teve sem dúvida uma primeira conquista indeclinável, que foi ser a base fundamental para o impeachment de Dilma Rousseff. Desde esse ponto de vista conseguiu debilitar muito seus adversários e criar bases para avançar. Mas ainda que tenha avançado em prender, fazer conduções coercitivas, utilizar métodos inspirados da Mani Pulite italiana de delação premiada, a operação não conseguiu avançar para esmagar o PT, tendo expressa derrota no objetivo de prender Lula; e agora se demonstrou ainda com enorme dificuldade (momentânea) de debilitar outra importante figura do PMDB, Renan Calheiros.

O outro pilar fundamental do atual regime político, o PSDB, parece oscilar em suas disputas internas entre esses dois blocos. Ainda que no plano nacional parece se vincular muito mais a “casta”, tem uma disputa interna entre Aécio, Serra e Alckmin, e ganhando um quarto ator em disputa que é Fernando Henrique, que tem feito o partido se localizar uma hora mais pró judiciário de Curitiba, outra hora mais pró casta. Estão avaliando para onde vai o governo Temer e o sistema política para saber se “abandonam o barco” ou dividem os champanhes com o PMDB.

Em meio a essa disputa existe algo, no entanto, que unifica a todos: descarregar a crise nas costas da classe trabalhadora, num marco de uma crise econômica que se aprofunda cada vez mais. Por isso o governo Temer ainda se mantém muito debilitado, buscando mostrar que pode aprovar reformas duras contra a população. O futuro do sistema político, sob a ótima dos dominantes, é combinar seus anseios neoliberais econômicos com a disputa pelo bloco de poder que assumirá o leme do barco.

Do ponto de vista dos trabalhadores, perceber essa disputa e relacionar a podridão dos dois bandos em disputa só pode levar a não querer regenerar o cadáver putrefato do sistema político brasileiro, dando uma nova dose de eleições gerais, diretas já ou mero impeachment de Temer, todas soluções que só podem trazer um fôlego novo para um dos blocos de poder em busca de disputar ser o melhor em atacar os trabalhadores. É preciso modificar as regras do jogo, e levantarmos a bandeira de uma assembleia constituinte que possa colocar em xeque o regime atual; essa é a única resposta contundente para a contundente crise política em curso no país.




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