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NACIONAL | 5 questões para entender e intervir na atual situação política do Brasil

Como que após a greve geral Temer conseguiu aprovar a reforma trabalhista e agora tente avançar em privatizações? Como ele sobreviveu? A Lava Jato morreu? Um esboço, resumido, de algumas das principais questões para entender e intervir na situação nacional.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

segunda-feira 28 de agosto de 2017 | Edição do dia

Não há vazio na política. O terreno cedido é ocupado por outros. Meses e mais meses de trégua traidora das centrais sindicais contra a ofensiva de Temer em relação aos direitos trabalhistas somado a sua recomposição como governo de fato permitiram que Temer retomasse a ofensiva agora com as privatizações. Essa trégua ocorreu justamente quando Temer estava mais debilitado quando pesava sobre sua cabeça as ameaças da Rede Globo e do Ministério Público para armar um golpe dentro do golpe. A traição das centrais pesa não somente no país, mas a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores executada ora por Temer, ora pelo Congresso e até mesmo pelo STF, serve de exemplo para a elite em todo continente.

1- Principal fator da conjuntura: traição da greve geral deu forças para Temer

Paulinho da Força participa de banquete com Temer

Sobrevivendo aos difíceis meses de maio e junho Temer pôde emplacar duas vitórias em julho: a não aceitação de sua investigação pelo STF e a reforma trabalhista que retrocede os direitos trabalhistas em décadas ou séculos. Essa ofensiva aconteceu sem custos graças às centrais sindicais, dando assim ainda mais terreno a Temer e aos capitalistas. Outro fator crucial para recomposição do governo Temer e essas vitórias recentes foi a divisão entre a classe dominante e seus partidos.

A ofensiva privatista de Temer reúne aspectos de preparação a batalhas maiores como a da reforma da previdência com a oferta de algo aos mercados se não puder oferecer esse ataque em regra à aposentadoria. Quanto de um e quanto de outro? Depende da correlação de forças.

A força, relativa, de Temer, não invalida, mas realimenta o que chamamos de “crise orgânica” ao combinar aspectos de crise econômica, política e social. Quanto mais forte um governo impopular e sem legitimidade, quanto mais sobrevive fruto da divisão entre os partidos e dentro de cada partido (exemplo máximo sendo o PSDB) mais fraco o regime. Maiores os lucros, pior a estabilidade. O aumento da rejeição de todos políticos é um sinal de que as conquistas econômicas não estão se traduzindo na política. Eis a difícil equação para a burguesia.

Uma equação que é agravada pelo correto e materialista senso de oportunidade na política que tem os capitalistas, afinal “Time is Money”: é preciso atacar muito e rápido enquanto prevalace a confusão entre os trabalhadores. Confusão essa imposta pela posição do PT e da CUT de garantir que todos ataques passem com nenhuma resistência. Lula promete estudar se, e o que revogaria dos ataques e reformas de Temer caso eleito. O PT quer os ataques de Temer para sua campanha eleitoral, ao passo que dá estabilidade para a burguesia, garantindo que esses ataques sejam passiveis de ataques na tribuna mas não na luta de classes.

Mas justamente esse sucesso em atacar, ao passo que todas pesquisas de opinião dão alertas de perigo, é o que gera confusão nas fileiras da classe dominante e alimentam um senso de urgência e oportunidade para cada político patronal, nunca o terreno esteve tão aberto para avançar em suas carreiras. Algo de agora ou nunca move Meirelles, Serra, Alckmin, Doria, Maia.

2- Divisão entre os de cima

Aécio e o presidente interino do PSDB, Tasso Jereissati, interesses e alas opostos no tucanato

A crise, a proximidade das eleições, as ameaças do ministério público, nenhum sinal na economia mundial de um novo ciclo de aumento do preço das commodities para dar um auxílio à economia nacional coloca cada ator dos partidos burgueses e renomados empresários em uma encruzilhada: como aumentar os lucros já e como construir uma base estável para sua dominação de amanhã?

A crise da “hegemonia lulista” e sua promessa de país potência, de mediante a conciliação de classes todos ganhariam, não parece de fácil solução. Não há ainda uma outra a oferecer.

Nem Doria nem Bolsonaro, alternativas eleitorais à direita aparecem com um discurso e uma realidade material a sustentar seu discurso que possa se combinar a aspirações que tenham cara de fazer convergir todas classes sociais. Nem em uma potência como os EUA um Trump consegue emplacar (ainda), o que dizer em um país de explosiva miséria como o nosso?

A crise de hegemonia parece instalada e isso alimenta a divisão entre os partidos, cada fração e cada dirigente tenta se oferecer como um salvador da pátria. E uma explosão de choques entre personalidades, cada uma se achando um Napoleão. Os choques se multiplicam dentro do STF, dentro do tucanato, dentro do “centrão”.

Mesmo o consenso de atacar a esquerda com a reforma política e de atacar os trabalhadores com as reformas parece não garantir algum plano e unidade a um consórcio de golpistas e inimigos dos trabalhadores que tem poucos elementos “positivos” a lhes dar coesão e menos ainda base de apoio para sonhar com a estabilidade do país e “resolver a crise”.

3- Temer: inauguração ou desastre dos governos sem voto?

O governo Temer, alçado ao poder por um golpe institucional envolvendo a mídia, o judiciário e o parlamento tem características muito especiais.

Ator escondido da política nacional, reuniu detrás de si poderosos interesses detrás de uma agenda que poderia se resumir em três eixos: programa de “reformas” para garantir maiores lucros aos capitalistas, programa de salvação da “casta política”, “pinguela” até 2018 formando-se como um governo de coalizão parlamentar dentre os que compactuam com esses objetivos.

Quanto mais reformas e mais salvação da casta política mais estabilidade de Temer, desde que essa ofensiva ocorra sem colocar em risco os cálculos de 2018 dos múltiplos agentes do consórcio parlamentar que o sustenta. Quanto mais próximo de 2018, mais precária a “pinguela” na expressão de FHC.

Com esses dois movimentos das reformas e trégua até 2018 se entende porque a Globo partiu para a ofensiva com a delação da JBS, pensando que Temer não iria mostrar serviço nas reformas. Com os riscos de chegarem muito debilitados em 2018, importante ala tucana tenta romper com o governo. Precisam de roupas limpas e na falta delas tenta importar as hostes do MBL a suas fileiras. Para seguir o programa de salvação de sua própria pele Aécio e outros aferram-se ao governo. Temendo sua própria fraqueza o DEM e Rodrigo Maia não quiseram se oferecer como alternativa de governo, preferindo uma engorda até planos maiores em 2018.

Com o passar dos dias, Temer está se mostrando (para os capitalistas é claro) como um governo muito eficaz. Está seguindo sua “Ponte para o Futuro”. Demonstra como sem moral alguma e com a pior aprovação popular da história é possível governar. Desde que as centrais sindicais fiquem caladas e não surja algum elemento selvagem a tomar as ruas e dar um norte para a insatisfação.

O problema dos problemas é que o programa de Temer, eventualmente, tem que sofrer a infelicidade de se testar nas urnas.

As soluções encontradas em uma cartola atendem pelos nomes de “distritão”, “distrital misto” e em sua forma superior por parlamentarismo. Assim pode-se garantir um predomínio ainda maior dos poderosos no parlamento e que mais e mais aspectos do Estado brasileiro fiquem blindados do estorvo de ter que passar pelas urnas. Um objetivo mais imediato que essas alterações mais profundas, é a censura da esquerda na reforma política, através da clausula de barreira, exclusão do tempo de TV e outros mecanismos para dificultar que possa se expressar no Congresso alguma voz que não seja de conciliação com os empresários.

Não parece de fácil aprovação sequer o “distritão” quem dirá o parlamentarismo. Mas que se mencione tanto essas alterações tão profundas no sistema político é sintomático de como alas da elite pensam mais seriamente em ter um governo sem voto e que não pareça uma ditadura. Seria Temer a inauguração de um novo regime ou o fracasso de um idéia antes que ela venha a vida? Eis uma pergunta que também depende da correlação de forças, da ação dos sujeitos.

4- Os gênios do judiciário saíram da lâmpada como colocá-los de volta?

Temer, Gilmar Mendes e outros atores em nome da estabilidade da “casta política” conseguiram emplacar Raquel Dodge, segunda colocada no pleito no MPF como Procuradora Geral da República. Também ali houve pouco protesto. Momento seguinte maior controle sobre a Polícia Federal e agora toda uma renovação na equipe da Lava Jato.

Janot que parecia um deus dos destinos em Brasília logo perderá seu cargo e, suas “flechas” parecem um pouco cegas. A Lava Jato virou um ator secundário na política. Nada indica no momento que a segunda denúncia contra Temer, que deve ocorrer nos próximos dias, tenha melhor acolhida que a primeira. Sempre há surpresas que podem vir dessa corporação que a todos grampeia e age conforme seus próprios interesses e leis. Mas independentemente da importância do judiciário na conjuntura seus poderes e atores na situação são um fator de instabilidade instalado. No entanto, pesquisas de opinião que mostram perda da aprovação de Moro, de Dallagnol e dos ministros do STF indica que esse poder que vinha passando incólume ou mesmo fortalecido na crise nacional está começando a sofrer o desgaste de todos políticos, depreciando esse “ativo” que a burguesia tinha no regime e em defesa de uma visão de neutralidade de seu Estado,

Os poderosos procuradores, erguidos pela mídia como heróis pátrios, e administrando fortunas que são retidas pelo MPF do dinheiro das delações, aceitarão ir para o segundo plano porque sua popularidade começa a cair e a “casta política” se prepara para se defender e até mesmo contra-atacar? Não é o que indicam em virulentos posts de facebook. Se filiarão em partidos ou manterão seu “partido judiciário” operando ocultamente? A mosca azul do poder picou Dallagnol, Carlos Brito, Moro, Bretas, Janot, como que tudo pode voltar a ser como antes?

A presença desse ator político autoritário, que prender sem direito a julgamento, que começa a aplicar e generalizar medidas já existentes nos morros e favelas é um perigo na situação nacional. De um lado as velhas e podres oligarquias de outro, jovens juízes e procuradores, todos com algum MBA nos EUA que se acham a encarnação terrena da justiça divina e em sua cruzada tomam sistematicamente como alvo tudo que tenha cara ou cheiro de nacional para abrir caminho a empresas “limpas” do imperialismo, em especial o americano (deixando sempre umas pistinhas de ameaças às empresas européias que, diferente das americanas, são ao menos mencionadas nas operações).

A instabilidade oriunda de interesses contraditórios da “casta política” e dos “procuradores” está instalada. Superá-la de forma favorável aos trabalhadores passa por uma resposta independente a ambos.

Aliar-se a Renan e outras figuras da elite nacional não combina com a raiva dos políticos tão presente na mentalidade nacional, nem por outro lado tomar o bando dos “rasga-direitos” do judiciário oferece uma resposta. Justamente aí reside o potencial e o perigo na realidade nacional para aqueles que buscam desenvolver uma estratégia anticapitalista e revolucionária ancorada na classe trabalhadora.

5- Que fazer?

A política não é só terreno de engravatados e conhecidos. Os atores do tabuleiro de xadrez da política nacional não são somente a FIESP, Temer, o judiciário, os tucanos, Lula. Há um ator que precisa se reconhecer como tal: a classe trabalhadora.

Todos os outros atores sabem da força desse ator. Por isso Temer tateia antes de colocar a Reforma da Previdência em votação, por isso busca privatizar primeiro a Eletrobras e não a Petrobras. Por causa desse ator que não se vê como ator, mas não deixa de pesar, que Lula discursa uma coisa para uma platéia e depois lhe dá uma sarrada de Renan com outra.

O golpe institucional de 2016 e os ataques aos direitos dos trabalhadores em 2017 fizeram amplos setores despertarem que era preciso debater política, que era até mesmo necessário organizar, ou, ao menos, aderir a uma greve geral (como a de 28 de Abril). Até mesmo dentre os que apóiam Lula e o PT cresce uma insatisfação com o apoio a Kátia Moto-serra Abreu, a Renan, a Sarney. Tanta insatisfação que Lula teve que postar vídeo nas redes sociais explicando-se e pedindo atenção e ouvidos abertos a seus fieis correligionários. Uma das maiores debilidades da classe trabalhadora na situação nacional é que a crítica inicial a conciliação política com a direita ainda não se traduz em crítica à conciliação de classes do PT e Lula, poupando os empresários, poupando a crítica por nada fazer contra a reforma.

A insatisfação com os ajustes, primeiro iniciados por Dilma, a insatisfação com uma oligarquia política e econômica que sempre Lula procura como parceira mostra como pululam questionamentos, mesmo que iniciais, à conciliação de classes. Por outro caminho a insatisfação com os políticos em geral e a “raiva de Brasília”, o onipresente “tinha que explodir tudo” mostra que há espaço para uma esquerda radical, portanto anticapitalista e revolucionária. Há um vivo espaço “anti-sistema” mas para avançar a ser “anti-sistema pela esqueda” é preciso primeiro batalhar pela independência de classe, mostrando como Lula e o PT não querem lutar consequentemente contra Temer e a direita, não só por se aliar a Renan e Kátia Abreu mas por escolher não dar batalha contra as reformas.

A “crise orgânica” abre as cabeças a novas idéias, inclusive radicais. Nos contentaremos que a voz audível de ser “anti-sistema” será a de Bolsonaro?

É possível ficar “preparando o futuro” sem olhar para as necessidades prementes de hoje, como revogar a reforma trabalhista que estará em vigor em poucas semanas? Qual movimentação existe por parte da CUT para retomar o caminho da greve geral? Ou do PSOL, do MTST para exigir da CUT que retome esse caminho?

Não é com olhos abertos a esses problemas que se movem as vozes mais “audíveis” da esquerda nacional. Editam uma plataforma de debates (sem qualquer preocupação com fazer algo contra as reformas). Essa plataforma, o Vamos, conta com a presença da mais alta estirpe petista, portanto dos campões da conciliação não só com Renan mas com os empresários, para debater respostas reformistas que contenham a raiva, que não buscam tornar “audível” uma raiva fragmentada que pode-se ouvir nos locais de trabalho e até mesmo nos bares.

Os desafios e possibilidades são grandes. Exigem ação e reflexão. Ação para retomar o caminho da luta de classes, reflexão para superar a conciliação de classes petista, paciência de ainda não ser maioria, ousadia de propor respostas que dêem conta, não de agradar os ouvidos de Lula e levantar as mesmas consignas que ele, mas de desenvolver a raiva com toda “casta política”. Assim buscamos fazer com nossa defesa de impor uma nova Assembleia Constituinte Livre e Soberana que sirva de plataforma para que os revolucionários possam mostrar os limites dessa democracia dos ricos e contribuir para que os trabalhadores possam avançar numa perspectiva de ruptura com o capitalismo.

As vitórias da burguesia, de Temer são inegáveis, mesmo que sejam ainda bastante instáveis e prenunciem problemas futuros para estabilidade burguesa. Mas essa instabilidade não durará para sempre. As possibilidades da defesa armar o contra-ataque também não pode durar para sempre. Esse potencial segue aberto, mas não para sempre. É preciso erguer uma força anticapitalista e revolucionária com forte inserção na classe trabalhadora, que seja “audível” e mostre como lutar verdadeiramente contra a direita e Temer, como batalha diariamente o MRT que impulsiona esse Esquerda Diário. Senão... toda a pressão que sofrerão os que se reivindicam socialistas e revolucionários será de rezar para que Lula não seja Lula como já se preparam algumas correntes..




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