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ESPORTE E POLÍTICA | 5 momentos icônicos do esporte que seriam censurados pelo STJD

O STJD confirmou sua censura e autoritarismo condenando Carol Solberg e proibindo a atleta de voltar a se manifestar politicamente. Contra a censura, relembramos aqui alguns momentos clássicos do esporte que demonstram a tradição de resistência ao autoritarismo.

quarta-feira 14 de outubro de 2020 | Edição do dia

Censura. É o que descreve a decisão do STJD de punir a atleta Carol Solberg por sua manifestação política, ao dar vazão ao grito que percorre a boca de boa parte da população "Fora Bolsonaro". Além de advertida e multada, Carol foi proibida de se posicionar a respeito do caso e de repetir o gesto.

Em tempos de autoritarismo judiciário, em que dentro da quadra não há espaço para posições políticas, mas nos tribunais sim, não é de se surpreender a censura. A decisão do tribunal se liga a um longo histórico de decisões que buscaram silenciar o protesto de atletas.

"O atleta tem que saber que é o grande artista do espetáculo e que tem certas horas em que você não pode falar coisas dentro da quadra de jogo. Dentro da quadra de jogo é errado [se manifestar politicamente], senão daqui a pouco vira moda", declarou Otacílio Soares de Araújo, um dos auditores responsáveis pelo julgamento.

Na decisão do STJD se evidencia o desejo de domesticar os atletas, de purificar o esporte da opinião dos sujeitos que o tornam espetacular. Para eles, os atletas são máquinas que valem para entreter, e vozes que só devem ser ouvidas se for para exercer sua enorme influência em nome dos patrocinadores.

Recuperamos aqui alguns dos momentos mais icônicos dos esportes que rompem com essa separação tosca entre esporte e política:

1) "Black power": os punhos cerrados dos panteras negras em 68

Uma das imagens mais icônicas da história das olímpiadas não é propriamente de um instante esportivo, mas de um gesto político. Em 1968, durante a cerimônia de entrega das medalhas da prova de 200m rasos, após Tommie Smith tornar-se o primeiro homem a baixar a marca de 20s, o atleta junto a seu compatriota, John Carlos ergueu o punho com luvas pretas, fazendo o símbolo do Black Power. Tommie e John faziam parte do Partido dos Panteras Negras.

O Comité Olímpico Internacional exigiu que os atletas norte-americanos abandonassem a Aldeia Olímpica e só tiveram sucesso depois de ameaçar banir toda a equipa de atletismo. Tommie Smith fez questão de evidenciar a hipocrisia que se vivia nos Estados Unidos, um pouco à imagem do que Jesse Owens já tinha feito décadas antes.

Se eu ganho, eu sou americano, não um afro-americano. Mas se eu cometo um erro, então eles me dizem negro. Nós somos negros e nós somos orgulhosos de sermos negros. A América negra entenderá o que fizemos aqui hoje".

2) O punho erguido de Reinaldo contra a Ditadura

“No meu caso, era um gesto socialista, em protesto pelo fim da ditadura”

“Vai jogar bola, garoto. Deixa que política a gente faz”, foi a ordem que o general e presidente em exercício durante a ditadura, Ernesto Geisel, disse às vésperas da Copa de 1978 para o atacante Reinaldo, que embarcaria junto à seleção para a copa na Argentina. O jovem já vinha em crescente tensão com a Ditadura ao comemorar cada gol erguendo seus punhos à semelhança de Tommie Smith e John Carlos mostrando a resistência ao regime. Pois durante a partida contra a Suécia, em plena Argentina sob governo da ditadura assassina de Videla, Reinaldo não hesitou em erguer mais uma vez seu punho para comemorar o gol de empate da seleção, ignorando a ameaça de Geisel.

Sócrates foi outro jogador que imortalizou o gesto de punho em riste contra a Ditadura, sendo personagem da luta pela democracia. Inclusive incorporando no cotidiano do clube a marcante experiência da democracia corintiana. Em discurso no Anhangabaú pela aprovação da lei por Direitas Já, Socrátes declarou: “Caso a emenda Dante de Oliveira passe na Câmara dos Deputados e no Senado, eu não vou embora do meu país!”.

3) O ajoelhar-se rebelde de Kaepernick

Ajoelhar-se em geral significa sinal de respeito ou subordinação. Pois a atitude de Kaepernick durante a execução do hino nacional norte-americano representava justamente o oposto. Precursor do apoio ao movimento Black Lives Matter entre os atletasnos EUA, Kaepernick se recusou a ficar de pé e demonstrar respeito ao hino de uma nação que sistematicamente violenta negros e negras como ele. Se a massividade dos protestos na NBA impôs a liga a adesão, Kaepernick isolado tornou-se persona non grata em seu próprio time, tendo contrato rescindido, e depois vendo as portas fechadas por todos os times por seu ativismo, o que mostra o oportunismo dos cartolas dirigentes das ligas profissionais norte-americanas.

"Não vou me levantar e mostrar orgulho pela bandeira de um país que oprime o povo negro e as pessoas de cor"

4) Jogadores da NBA unidos pelo Black Lives Matter

Na mais badalada liga de basquete do mundo, protestar foi de exceção à regra. A magnitude dos protestos em denúncia do racismo estrutural da sociedade estadunidense invadiram as quadras da NBA. O engajamento dos jogadores, majoritamente negros, impôs a liga incorporar os protestos ao protocolo dos jogos. Antes dos jogos atletas e comissão técnica ostentavam camisetas com o lema Black Lives Matter, e durante o jogo os atletas podiam usar frases políticas à sua escolha, na própria quadra foi exibido o mote. “I Can’t Breathe”, últimas palavras de George Flyd antes de ser asfixiado por um policial, "Say her name", em referência ao assassinato de Breonna Taylor em casa por outro policial, foram algumas das frases exibidas.

O auge do engajamento dos jogadores foi quando decidiram paralisar uma rodada inteira de jogos devido a mais um caso de violência policial.

5) Megan Rapinoe: a capitã da seleção feminina contra Trump

"Como uma americana gay, eu sei o que significa olhar para essa bandeira e não tê-la como símbolo de proteção à sua liberdade."

O gesto de Kaepernick virou referência para uma série de ativistas do esporte, como os jogadores da NBA recentemente, ou a jogadora de futebol Megan Rapinoe que aderiu rápido ao gesto do quaterback. Megan, vencedora das Copas do Mundo de 2015 e 2019 pela seleção norte-americana e eleita melhor do mundo nesse último torneio, colocou sua influência à disposição da luta por direitos lgbts e contra o reacionarismo de Donald Trump. Megan se tornou a principal referência política do time, mas toda a seleção virou um ícone contra o reacionarismo de Trump.

“Essa é a minha mensagem para todos vocês. Nós temos que ser melhores. Temos que amar mais e odiar menos. Ouvir mais e falar menos. Temos que saber que isso é responsabilidade de todo mundo. Todo mundo mesmo, todo mundo que está aqui e que não está aqui, ou que não quer estar aqui. Que concorda e que não concorda. A responsabilidade de fazer esse mundo um lugar melhor é nossa. Acho que esse time faz um trabalho incrível em levar isso nos nossos ombros”, disse em parte do discurso.

O vínculo indissociável entre esporte e política

Outros tantos casos e momentos icônicos poderiam ser citados para refutar a censura do STJD disfarçada de separação entre esporte e política. Muitos foram os atletas que usaram sua posição como ícones para dar visibilidade para causas importantes, como Sócrates e a luta pela redemocratização, com seu engajamento pela Diretas Já, como Muhammad Ali e sua denúncia do racismo dos EUA, sua oposição a Guerra do Vietnã.

Para cartolas e patrocinadores só interessa os atletas bem comportados que ofertem seu corpo e sua imagem para servir de ícones para faturar e vender, marionetes para fomentar a indústria do esporte. Mas os diversos punhos cerrados, os joelhos no chão de forma rebelde, mostram uma tradição de atletas que são sujeitos de seus posicionamentos e não se permitirão serem silenciados por tribunais do esporte, comitês olímpicos ou mesmo ditaduras. Contra aqueles que querem domesticar o esporte estamos lado a lado de Carol Solberg no combate ao autoritarismo judiciário!




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