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ANÁLISE | 400 dias de governo Bolsonaro: o que mostram as oscilações na aprovação do governo

Pesquisas mostram algum nível de estabilidade na aprovação de Bolsonaro. Uma aprovação que depende não somente de seu apoio nos brancos, nos empresários, no sul e interior do país e nos evangélicos, mas expressa também uma percepção sobre a economia. O que lhe dá estabilidade hoje pode se tornar o avesso amanhã. Mas o potencial de desgaste não se realizará sozinho, é preciso tirar lições hoje mesmo.

quinta-feira 30 de janeiro de 2020 | Edição do dia

Completando quase 400 dias de governo, Bolsonaro não somente sobreviveu a crises políticas de envergadura como em algumas pesquisas de opinião aparece com um ligeiro aumento em sua popularidade. Esse resultado mostra não somente como mantém fortes bases no sul e interior do país, nos empresários, nos homens brancos e nos evangélicos, mostra uma percepção de parte da população de para onde vai o país e sua economia. Essa percepção exige tirarmos lições agora, para que o desgaste de amanhã possa ser aproveitado para derrotar não somente Bolsonaro mas o conjunto de ataques que a burguesia persegue.

A elevada popularidade de Bolsonaro, em aproximadamente um terço dos brasileiros, persiste ou até mesmo se reforça ligeiramente, apesar dos inauditos ataques aos direitos trabalhistas, ao meio-ambiente, das frases racistas, xenofóbicas, machistas e um longo etc. Nesses 400 dias não faltaram analistas que vaticinaram sua queda iminente ou uma estabilidade da vitória da extrema-direita, nem uma coisa nem outra resiste aos fatos. Entender os fatos como eles são ajuda a entender qual combate é preciso dar.

A aprovação de Bolsonaro (aqueles que o avaliam como ótimo ou bom) variou em todos os últimos meses em uma faixa de um 25% a aproximadamente 35%, e em todas pesquisas, há vários meses, há uma variação percentual dentro de uma divisão tripartite da opinião pública brasileira: um terço acha o governo terrível, um terço ótimo, e um terço regular. A fatia de ótimo já foi a menor dos terços e agora, aparentemente é a maior, o mesmo já ocorreu com a fatia “terrível”. Nenhum movimento decisivo, para um lado ou outro parece ocorrer.

A expansão e retração das faixas ótima/bom ruim/péssimo, em diversas pesquisas parece obedecer a duas outras variáveis: percepção do combate à corrupção e percepção sobre os rumos da economia. Essas duas variáveis que podem oferecer estabilidade na conjuntura imediata são exatamente as mesmas que podem oferecer o seu avesso no médio e no longo prazo.

Ou seja, Bolsonaro depende dos movimentos do judiciário e da economia nacional que cada vez mais depende da economia internacional. No que toca ao judiciário, quanto que este avança ou trava as investigações contra seu governo, diz respeito menos a montanha de evidências de crimes que parecem aparecer, mas sim a quanto querem desgastar e conduzir as ações do governo, por exemplo, quando esse desvia de ataques econômicos que o conjunto da burguesia anseia há mais ataques da mídia e do judiciário ao bolsonarismo, ataques esses que cuidadosamente miram seus filhos, ministros, mas nunca o próprio Bolsonaro. Essa dependência da ação dos outros para sua própria blindagem, também passa para como se desenvolve a relação Bolsonaro-Moro, uma eventual saída do ministro custaria algo ao presidente. Quanto aos rumos da economia nacional, ela é cada vez mais dependente dos rumos da economia internacional, uma totalidade flanqueada pela guerra comercial-tecnológica EUA-China, que está longe de concluída com a trégua atual; pela luta de classes; e até mesmo pelos impactos na economia de um vírus, possivelmente os cálculos do PIB mundial, e do brasileiro, serão refeitos a partir do impacto do coronavírus.

Diversas pesquisas de opinião mostravam em dezembro uma estabilidade ou ligeiro fortalecimento da aprovação de Bolsonaro (destoou desta tendência a continuidade de queda apontada pelo Ibope), a pesquisa da CNT de meados de janeiro mostrou um fortalecimento de quase 6% na aprovação. É quase a mesma variação que apareceu dentro da mesma pesquisa entre aqueles que achavam que haveria uma melhoria na oferta de empregos (36,6% para 43,2%), daqueles que achavam que sua renda melhoraria (28,3% para 34,3%).

No curto prazo, a liberação do saque do FGTS arejou o pagamento de algumas dívidas e um mínimo consumo pras famílias, possivelmente alentando as ilusões de que os ventos favoráveis a economia serão duradouros. Essa expectativa está na contramão de tendências de médio e longo prazo para a economia internacional e seus múltiplos vasos comunicantes com o Brasil. Há tendência a desaceleração do crescimento mundial, se não de recessão em algum momento próximo, e não faltam caminhos para as instabilidades se instalarem, afetando empregos, exportações, e até mesmo o preço da carne no país (como vimos há pouquíssimo tempo).

O que dá algum nível de calma hoje pode ser exatamente a mesma fonte de falta dela. E não somente pela via da economia, mas das relações geopolíticas e da luta de classes se vê esses vasos, só lembrar a apreensão e raiva sentida por Bolsonaro e Guedes quando a juventude irrompeu as ruas no Chile, espatifando as lorotas de um país próspero e modelo a ser seguido.

Já o combate a corrupção, em que pese os numerosos escândalos, é uma das poucas áreas em que o governo ainda consegue emplacar uma narrativa majoritária de que seria “menos corrupto”. Em quase todas áreas de pesquisa, economia, saúdem, educação, segurança pública, a divisão tripartite da opinião pública reaparece, ou o governo é visto como continuidade dos últimos governos, menos no combate à corrupção. Para 46% dos brasileiros, segundo a pesquisa CNT, haveria menos corrupção.

O ódio que a juventude, que os negros, as mulheres, populações LGBT sentem desse governo de extrema-direita pode levar a frustração vendo esses números de popularidade e outras expectativas. Com essa frustração se reforça uma orientação que é propagada por muitos analistas e dirigentes políticos da centro-esquerda brasileira: cada vez menos horizonte de luta de classes (e eles conseguem falar menos da França e da mais longa greve desde 1968 do que uma Folha de São Paulo) e mais confiança que algum demiurgo iria nos conduzir não à superação e derrota da extrema-direita e de seus ataques, mas ao “possível” (que é pelo menos aceitar os ataques já aprovados). Esse “possível” se torna o horizonte “máximo” e isso se daria através de habilidosa costura eleitoral, de uma “frente ampla”.

PT, PCdoB, PDT, PSB, e até mesmo setores do PSOL querem uma “frente ampla”. Fica bem claro a divergência tática no marco do acordo a se ligar ao que houver de mais reacionário no país como pode-se ver no debate PT x PCdoB que tomou páginas de jornais e redes sociais no país. Nesse debate não havia questionamento em buscar a bancada da bíblia, o agronegócio, parte da bancada da bala, mas se a frente ampla envolveria tucanos ou gente próxima a eles, como Luciano Huck e se a Frente Ampla deveria ser conduzida por Lula (ou seu lugar-tenente) ou se o governador Dino poderia exercer o papel de escolhido.

Diante de horizonte tão estreitos que colocam qualquer coisa que não Bolsonaro como o objetivo, diante de aceitar uma reforma da previdência como fizeram os governadores do PT e PCdoB, diante do olhar de lado e aceitar que cada dia mais e mais jovens morrerem atropelados ou de enfarto ao pedalarem bikes para entregar comida, diante de uma universidade atacada por cortes, por terraplanistas, criacionistas e por um caos no ENEM, parte da estabilidade dos ataques da burguesia (muito além de Bolsonaro), parte da manutenção da popularidade e algum nível precário e provisório de estabilidade do governo Bolsonaro se deve também a ação consciente das maiores direções do movimento de massas no pais que garantem que ataques importantes passem sem resistência e que toda a raiva seja contida e conduzida para as eleições a se realizarem daqui a longínquos anos (no plano federal). Essas direções de massa, de sindicatos e diretórios centrais, sejam elas do PT ou PCdoB foram peça crucial a garantir o não desenvolvimento de questionamentos a Bolsonaro quando esse se oferecia com maior intensidade, como por exemplo quando poderia confluir a luta contra os cortes na educação e a luta contra a Reforma da Previdência, ou poderia ter acontecido em meio a catástrofe das queimadas na Amazônia e Cerrado, ou mesmo em potencial se mostra agora com a raiva pelo ENEM. Esta inação é a parte que cabe a essas direções para contribuir a essa estratégia meramente eleitoral e passiva de esperar anos para “vingar” nas urnas, e já aceitando todos os ataques como dados.

A juventude e a classe trabalhadora não somente merecem, como podem, muito mais que isso. Para isso é preciso tirar lições dos últimos capítulos políticos e da luta de classes no país e inspirando-se na classe trabalhadora francesa, na juventude chilena, preparar-se para ir além da miséria do “possível” mesmo quando o horizonte imediato não parece oferecer muito. As contradições se acumulam, alguns dos fatores favoráveis a ganho de popularidade podem se tornar o contrário amanhã. Não podemos nos dar o luxo de esperar esse momento, pois nada se realiza sozinho e automaticamente, como já vimos com a Reforma da Previdência. Não basta que uma maioria da população se mostrasse contrária a mesma nas pesquisas de opinião, como não basta nos contentarmos que a maioria da população não quer a privatização da Petrobras ou da Caixa e do BB, essas estatais estão sendo atacadas, desmanteladas e privatizadas peça a peça dia-a-dia. O potencial precisa ser feito realidade, e isso exige a ação consciente da juventude e da classe trabalhadora.




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