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Grupo Corpo | 40 anos de música, luz e corpo

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

terça-feira 17 de março de 2015 | 16:43

Ao som da voz de Caetano Veloso cantando “Mortal loucura” quatro corpos se levantam sobre o palco negro. Dois pas de deux – dança realizada em dupla – se iniciam. A coreografia, que lembra ao mesmo tempo o ato de fazer amor e uma luta, é característica do coreógrafo Rodrigo Pederneiras; não é preciso dizer de qual companhia é a coreografia, é fácil saber que estamos frente ao Grupo Corpo. Não há cenário, a luz iluminando os bailarinos e a sombra nos lugares em que eles não estão é tudo, e é obra de Paulo Pederneiras. A cena, em questão, faz parte do espetáculo Onqotô, de 2005, feito em comemoração aos 30 anos de existência da companhia. Esse ano ela realiza 40 anos.

O Grupo Corpo foi fundado em 1975, em Belo Horizonte, pelos irmãos Rodrigo e Paulo Pederneiras, como um projeto familiar. A primeira sede da companhia foi a casa da mãe dos irmãos Pederneiras, pois não conseguiram encontrar uma casa para fazer a sede. A construção toda foi muito improvisada e em cima de uma crença que a companhia seria grande, e que eles tinham algo a acrescentar ao mundo da dança. E é em cima dessa crença que Oscar Aráiz, já um grande e renomado coreógrafo argentino, se junta ao primeiro projeto do Grupo Corpo; e Milton Nascimento se junta como compositor do espetáculo, que viria a ser o Maria Maria.

Em parte, os grandes nomes envolvidos no espetáculo Maria Maria, foram responsáveis pela rápida fama que ele ganhou. Mas também foi um espetáculo que surpreendeu por ser inovador e trazer um novo tipo de dança. Apesar de se referirem ao Grupo Corpo como uma companhia de dança contemporânea, não é apenas dança contemporânea que encontramos nos bailarinos do grupo. Há uma base visivelmente de ballet clássico - os pés sempre esticados, a postura -, mas é também contemporâneo, e também há algo de brasileiro – as danças regionais, que são absorvidas e interiorizadas em muitas das coreografias. Por esse motivo fala-se muito em uma “dança contemporânea brasileira”, quando não se consegue definir o que é; e foi o que tornou o Grupo Corpo uma grande novidade que lotou teatros e conseguiu espaço nas agendas nacionais e internacionais, e que após anos foi se desenvolvendo mais e mais e tornou-se a identidade da companhia. Maria Maria viajou por 14 países e ficou em cartaz durante 10 anos.

Após a estreia, os recursos começaram a entrar, a companhia conseguiu uma sede, e eles passaram a construir uma autonomia de criação; é quando Rodrigo passa a ser o coreógrafo residente. O Grupo Corpo se depara, então, com o desafio de se livrar de Maria Maria, que era o único espetáculo que os empresários queriam, pois esgotava as bilheterias. Mas era necessário que a companhia criasse e não se limitasse a ser um grupo de apenas um espetáculo. Eles passam a colocar suas novas criações como abertura para Maria Maria; é assim que Prelúdios estreia nos palcos.

O espetáculo Prelúdios, construído em cima dos 24 prelúdios de Chopin, trazia a dança do Grupo Corpo ao som de música clássica. Essa montagem mostrou que o grupo não era uma companhia que se faria só de música brasileira. Esse espetáculo foi tão bem recebido que conseguiu que a companhia fosse vista para além de Maria Maria e indicou o caminho para a identidade, que o Grupo Corpo começava a criar para si mesma.

Agora, aos 40 anos, a companhia passa a disponibilizar vídeos, em seu canal no youtube, que contam a sua história, os detalhes de cada espetáculo, e como está sendo a construção dos espetáculos que estrearão esse ano; um verdadeiro tesouro aos espectadores do mundo da dança.

A criação dos espetáculos do Grupo Corpo sempre se inicia pela escolha do compositor da trilha sonora do espetáculo. A companhia sempre se orgulhou, desde seu primeiro espetáculo, por grande parte de suas obras terem trilhas sonoras originais feitas especialmente para ela. A música ser a primeira coisa a ser pensada é a causa de uma das características das coreografias do grupo; é impressionante como os movimentos são ligados a música, como se os dois tivessem sido pensados juntos. Rodrigo Pederneiras, o coreógrafo residente da companhia, admite que pensa os movimentos de suas coreografias em cima da música.

O nome da companhia dialoga diretamente com uma característica marcante dos espetáculos; os figurinos são em sua grande maioria malhas coloridas e só. Não há grandes adornos, quantidade de tecidos ou algo mais. As malhas são moldadas pelo corpo do bailarino. Torna-se redundante dizer que no Grupo Corpo é exatamente o que dá nome a companhia que está à frente; é o corpo e o que ele é capaz de fazer, que maravilham os olhos dos expectadores, nada para além do corpo e de seus movimentos em dança.

Essa questão dos figurinos também se relacionará com a posição que o corpo masculino e o corpo feminino ocupam nos espetáculos; muitas vezes não há diferenciação de figurino, todos usam a mesma malha. Isso também aparecerá nas coreografias, por exemplo: os pas de deux de “Mortal Loucura” são realizados por um casal formado por um bailarino e uma bailarina, e outro casal formado por duas bailarinas. Há uma transgressão em se colocar duas bailarinas para realizarem um pas de deux; duas bailarinas, que por vezes, roçam as bocas e constroem uma coreografia que aparenta luta e sexo. Mas, para além de ser transgressora, essa cena aponta uma característica das coreografias do Grupo Corpo: não há diferenciação entre bailarino e bailarina. Os corpos são diferentes, mas executam os mesmos passos, capazes do mesmo movimento.

Paulo Pederneiras é diretor geral e artístico da companhia. São dele os jogos de luz que formam o cenário que tem como característica exatamente não ter cenário algum. Contraditoriamente, a falta de cenário é o que compõe o cenário, ou seja, tudo fica a cargo do jogo de luzes. Onde os holofotes iluminam há cenário, a sombra é o que não existe e não está. Mesmo quando há cenário, como nos espetáculos Triz ou Bach, é tudo minimalista e a luz preenche o maior espaço. Essa arte dos espetáculos do Grupo Corpo compõe a identidade visual facilmente reconhecível da companhia; e mais uma vez diz diretamente a valorização do corpo na dança. O cenário existe para dar total atenção ao corpo e para nada além dele, por isso, na maioria das vezes o breu existe em todo o espaço em que o bailarino não está e o espectador fica com a impressão de que o que existe é apenas o corpo dançando, nem o palco existe.

É gratificante ver uma companhia como o Grupo Corpo realizando 40 anos e ainda se mantendo relevante no cenário da dança; levando a dança brasileira para grandes palcos e esgotando bilheterias. Mas é também preocupante ver que poucos palcos brasileiros verão os espetáculos que estrearão em comemoração ao aniversário do grupo. Quase todas as temporadas do Grupo Corpo são realizadas nos Estados Unidos e na Europa, isso por que há pouco espaço nas agendas dos teatros brasileiros para a dança. Observando a agenda da companhia vemos que é quase o dobro de temporadas que esse ano terá nos palcos estrangeiros comparado com as temporadas brasileiras. Esse é um problema sintomático do contexto cultural brasileiro. E vale notar que falamos de uma grande companhia com grandes recursos, outras companhias com menos recursos e com a mesma relevância sofrem ainda mais para conseguir firmar suas agendas no cenário brasileiro.

A arte do Grupo Corpo não nos conta uma história ou nos comunica algo. Ela é simplesmente bela. É o sublime de movimentos muito bem pensados, encaixados com perfeição na música e sobre as luzes que iluminam a coreografia. Obras construídas e pensadas sobre temas profundos e amplos com total liberdade de criação ao coreógrafo, compositor e diretor artístico. Companhia que em 40 anos conseguiu manter aquilo que levou os irmãos Pederneiras a criá-la; a crença de que tinham algo a dizer ao mundo da dança. O Grupo Corpo tinha algo a acrescentar ao mundo da dança e ainda hoje tem.


Temas

Dança    Cultura



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