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TEATRO | 123 anos de Brecht: lições de um artista revolucionário para 2021

Há 123 anos, em 10 de fevereiro de 1898, nascia Bertolt Brecht: dramaturgo alemão que revolucionou a cena artística ao transformar o teatro em ferramenta de luta dos explorados e oprimidos contra o capitalismo. Mais de um século depois, em meio ao bolsonarismo e a crise mundial, suas denúncias são mais atuais do que nunca e plenamente necessárias.

Giovana PozziEstudante de história na UFRGS

quinta-feira 11 de fevereiro de 2021 | Edição do dia

Brecht possuía uma sede insaciável pela mudança. Não aceitava que a miséria fosse vista como algo natural e a desigualdade como o destino sem volta da humanidade. Como um bom marxista, não acreditava que as coisas eram estáticas.

“Nós vos pedimos com insistência:
Nunca digam - isso é natural!
Diante dos acontecimentos de cada dia,
Numa época em que reina a confusão,
Em que corre o sangue,
Em que se ordena a desordem.
Em que o arbitrário tem força de lei,
Em que a humanidade se desumaniza…
Não digam nunca: isso é natural!
A fim de que nada passe por ser imutável.”

Por isso, em tempos que “o fim do mundo” é cogitado quando uma pandemia mundial assola a humanidade, escancarando e aprofundando a desigualdade social, produzindo monstros como o bolsonarismo e os ataques obscurantistas à ciência, cabe resgatar Brecht e sua visão revolucionária de mundo. “Eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana”, disse Brecht na peça “A vida de Galileu” em 1938, como se pudéssemos ouvi-lo hoje, em 2021, quando há uma guerra das vacinas entre os capitalistas para ver quem irá lucrar mais enquanto a população amarga na doença e na pobreza. É tarefa ainda extremamente atual lutar para que a ciência esteja a serviço de aliviar a miséria da existência humana.

Tendo estudado medicina por um tempo, Brecht foi chamado para trabalhar como enfermeiro na Primeira Guerra Mundial. De perto, viu os horrores que a guerra imperialista causava nos homens, que ligeiramente precisavam ser "consertados" para voltar novamente ao front de uma batalha que não era sua. Foi também nessa época que Brecht teve sua primeira experiência política, participando como membro do Comitê Revolucionário de Augsburg, tendo sido eleito como delegado de um conselho operário na efêmera República Soviética de Baviera.

A partir dessas experiências, Brecht começa a enxergar com mais nitidez o rumo que deseja dar ao seu teatro. O dramaturgo alemão queria que o teatro pudesse estar presente nesses espaços de organização dos trabalhadores e pudesse contribuir nos debates políticos sobre os rumos da sociedade. Ou seja, ser de fato uma ferramenta para a luta. Isso não significava jogar fora os assuntos do teatro dramático (assuntos da esfera privada), mas sim analisá-los desde uma visão materialista da realidade, pois a vida privada interessa para o teatro épico tanto quanto a esfera pública. Portanto, o teatro brechtiano colocou a vida privada sob novos holofotes, analisando criticamente os interesses que antes eram colocados no âmbito pessoal e agora passam a ser vistos desde seu lugar na sociedade de classes e tudo o que dela se produz.

“Sob o familiar, descubram o insólito.
Sob o cotidiano, desvelem o inexplicável.
Que tudo que seja dito ser habitual,
Cause inquietação.
Na regra é preciso descobrir o abuso.
E sempre que o abuso for encontrado,
É preciso encontrar o remédio.”

Possam imaginar vocês o alvoroço que esse posicionamento de Brecht causou na burguesia alemã na primeira metade do século XX. E Brecht não estava sozinho nisso. Antes mesmo dele, Piscator já denominava seu teatro de político, recebendo duras críticas na época. Inclusive, é a partir de uma das críticas a peças de Piscator que surge o termo “épico”, de forma pejorativa: para não dizer que era ruim, pois não era teatro dramático, os críticos chamaram de épico. Pois então se para a burguesia “teatro épico” era teatro ruim, aos revolucionários, aos explorados e aos oprimidos, esse era o teatro que interessava. E foi justamente disso que Brecht se embandeirou ao denominar o que fazia de teatro épico, hoje conhecido mundialmente. Sobre isso, Iná Camargo Costa chega a afirmar que a burguesia “até admite a discussão teórica da luta de classes, mas na hora que a luta de classes assume o palco do teatro, acende o sinal vermelho porque, para ela, isso não é teatro”.

No momento em que Hitler ascende ao poder, Brecht já é um dos nomes perseguidos pelo regime nazista. No exílio, ele passa 8 anos em Los Angeles, onde segue produzindo uma série de peças contra o nazismo, enviando clandestinamente suas obras à Alemanha sempre que possível. Brecht denunciava constantemente que o fascismo não havia surgido do nada, não era uma catástrofe natural (“ainda está fecundo o ventre de onde surgiu a coisa imunda”), mas sim uma fase histórica em que o capitalismo havia entrado e, por isso, era necessário combatê-los ao mesmo tempo. Em um ensaio chamado “Cinco dificuldades para dizer a verdade”, de 1934, Brecht não utiliza meias palavras: “os que são contra o fascismo, sem tomar posição contra o capitalismo, os que lastimam a barbárie como resultado da barbárie, parecem pessoas que querem comer sua porção de vitela sem abatê-la. Querem comer a vitela mas não querem ver o sangue. Contentam-se em saber que o açougueiro lava as mãos antes de trazer a carne.”

Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1949, Brecht volta para a Alemanha, ficando na parte oriental sob controle da URSS stalinizada, apesar de ser acusado de “anti-comunista” pelo governo por ser crítico ao stalinismo. Em Berlim Oriental Brecht viveu até seus últimos dias de vida, combatendo a censura feita pelo stalinismo à arte, dando duras batalhas contra o realismo socialista que era imposto. Ele dizia que ao mesmo tempo que existem muitas maneiras de disfarçar a verdade, há também muitas de dizê-la através da arte, por isso ela não deveria ser limitada e estreita. Mas isso era incompreensível pelo regime stalinista, que cego para manter o regime burocratizado, não poderia dar nem liberdade artística nem o direito de falar a verdade. Atacado pelos capitalistas de comunista por um lado e do outro de “anti-comunista” pelos stalinistas, Brecht se manteve fiel defensor do poder operário e da total liberdade à arte.

Longe de ter aqui como objetivo aprofundar as diferenças de forma e conteúdo entre o teatro épico e o teatro dramático ou mesmo adentrar mais na teoria brechtiana, este texto vem como um registro nos 123 anos de Bertolt Brecht para resgatar a importância de sua contribuição não só à arte, mas para a luta dos revolucionários. Na academia, mesmo que já amplamente estudado, muito se esconde sobre o marxismo que embasa toda sua teoria e suas peças, esvaziando o sentido final que este apaixonante comunista dava ao seu trabalho: a revolução proletária. Façamos da teoria de Brecht o que ele gostaria que fizessem dela, utilizá-la como uma arma dos explorados e oprimidos contra o capitalismo. Denunciar a barbárie, debater como chegamos até aqui, como estamos e para onde iremos. Pois certo é que o sistema capitalista não é o fim da história, muito pelo contrário, a roda da história segue girando e o seu motor é a luta de classes.

Referências:

PEIXOTO, Fernando. Brecht - Vida e Obra. [S. l.]: José Alvaro Editor S.A., 1968.
Costa, I. C. (2010). Brecht e o teatro épico. Literatura E Sociedade, 15(13), 214-233.




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