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CHILE | 100.000 nas ruas: começou a ofensiva dos estudantes?

No Chile a mobilização convocada por estudantes e trabalhadores foi um imenso êxito, e se impôs contra o cerco comunicacional que a mídia tradicional buscou levantar depois da morte de Aylwin. O regime reacionário não consegue calar a juventude.

sexta-feira 22 de abril de 2016 | Edição do dia

A juventude estudantil nas ruas

Como duas imagens totalmente opostas de um Chile que privilegia a uma classe cuja legitimidade se encontra no chão, começou a esperada marcha nacional estudantil. Não foi fácil, pois o movimento estudantil vem sendo atacado faz um tempo: Governo, autoridades, partidos políticos burgueses e empresários. Todos contra a juventude chilena que não conseguem calar.

Empresários e partidos do regime homenageando Aylwin, reconhecido golpista e primeiro Presidente da “transição pactuada” à democracia. Do outro lado, o movimento estudantil com centenas de milhares nas ruas a nível nacional com a consigna de educação gratuita para todas/os. Em diversas regiões, universidades e liceus se mobilizaram, mostrando que nesta primeira marcha, o movimento tem uma importante disposição que pode transformar-se em força novamente, enquanto tentam finalizá-lo. Foram mais de 100 mil estudantes em Santiago e dezenas de milhares em regiões como Arica, Antofagasta, Copiapó, La Serena, Valparaíso, Concepción, Temuco, Valdivia, Puerto Montt, entre outras cidades do país.

Ainda assim, o movimento estudantil foi o grande protagonista desta jornada de luta, ainda que os grandes meios de comunicação tenham feito o impossível pra não mostrar isso, enquanto cobriam os “funerais de Estado” do ex-presidente Aylwin, e como se à sociedade inteira interessasse, fizeram crer que o conflito da educação iria passar a segundo plano. Grande erro. De má vontade, tiveram que difundir parte da massiva mobilização, que tentaram impedir sob o absurdo argumento de “luto nacional”.

Passadas as 10 horas da manhã, centenas de secundaristas se juntaram no começo do parque florestal sob o chamado da CONES e da ACES. Entre os presentes estavam os colégios “emblemáticos” e muitas centenas de jovens de liceus técnicos, industriais e da periferia. Ao menos uns 20 mil secundaristas estiveram presentes na mobilização, exigindo educação gratuita e denunciando a criminalização que se vive, por exemplo, em estabelecimentos educacionais:

“Nós realizamos ontem uma marcha até a Corporação, porque queriam nos proibir do direito de nos mobilizar (…) Este é um ano que vem com muitas mobilizações estudantis, então não podem continuar nos reprimindo com um direito que inclusive ganharam as meninas do meu liceu no ano de 2010 (…) Estamos a 10 anos da “revolução dos pinguins”, devemos seguir com a luta, porque além de comemorar, devemos seguir”, comentou Zaira Leal, integrante do Centro de Estudantes do Liceu 7 de Providencia.

A ofensiva estudantil se prepara de maneira prática e junto aos trabalhadores!

Foram mais de 80 mil estudantes só contando os universitários que decidiram voltar a sair às ruas. A maioria das universidades agrupadas na Confech se fizeram presentes com numerosas colunas de estudantes das universidades públicas e privadas: Usach, Universidade Central, ex-Pedagógico, Universidade do Chile, UTEM, Universidade Alberto Hurtado, Universidade Diego Portales, Universidade Católica, foram só algumas das instituições de educação superior que paralisaram.
Dentro das demandas que expressaram os dirigentes da Confech, estava incidir na reforma da educação que se prepara para os próximos meses, opor-se à falsa gratuidade do Governo e apoiar as demandas dos trabalhadores das universidades que se fizeram presentes por meio da CONATUCH.

Para o estudante de História da Universidade do Chile e integrante da agrupação Vencer, conformada por lutadores independentes e membros da Agrupação Combativa e Revolucionária (ACR), Dauno Tótoro, as direções do movimento estudantil devem passar das palavras aos atos, apoiando-se nesta grande mobilização. “A ofensiva deve ser preparada de maneira prática. É fundamental que o movimento estudantil retome a demanda histórica, que é a educação gratuita, sem subsídios às instituições privadas, sem que o Estado os financie (…) A unidade do movimento estudantil com outros setores é a grande chave para poder avançar, como também a unidade entre estudantes universitários e secundaristas, e com os funcionários de nossas instituições educacionais. Para isto, é vital a coordenação dos setores, levantar, por exemplo, assembleias dos três setores, junto a funcionários e professores, para discutir sobre as problemáticas que nos afetam, decidindo que passos táticos vamos seguir na ação para enfrentar a precariedade e a educação de mercado. Buscaremos impulsionar isto no Cordão Macul, onde há tradição de luta e unidade”, disse.

É fundamental que o movimento estudantil se apoie nas vitórias para sair à ofensiva. Assim defendeu, durante a marcha, a estudante, Conselheira Fech pela Faculdade de Artes e militante da organização feminista Pão e Rosas, Bárbara Brito, que contou sobre a luta que deram os estudantes e professores contra o assédio sexual no interior da Universidade do Chile: “o movimento estudantil deve propor-se a lutar contra esta educação sexista e de mercado. Nós viemos de uma importante vitória na universidade, e uma das chaves é que nos fatos demonstrou-se que a auto-organização dos três setores, sem as autoridades, é a base para conquistar as demandas. Devemos apoiar-nos em nossas vitórias porque é um exemplo de como o movimento estudantil deve enfrentar o Governo. A coordenação entre estudantes, trabalhadores e professores é o motor para vencer. Não permitamos que esta grande mobilização seja transformada em um lindo fato a mais, temos o dever de preparar a ofensiva, leva-la à prática, e podemos fazê-lo, já demonstramos nossa força”, concluiu a dirigente estudantil.

Um aspecto chave desta mobilização foi a presença de setores de trabalhadores, principalmente ligados à educação. Um exemplo disto, foram os trabalhadores do Sindicato do Hospital da Universidade Católica, cujo secretário do organismo, Luis Orellana, manifestou que “a mobilização como diz respeito à educação gratuita, é um desejo também dos trabalhadores que isso se concretize, é um direito que lamentavelmente o Estado não soube solucionar, não somente agora, senão que historicamente. Então, obviamente a forma de poder mudar isso é com a união de trabalhadores e estudantes com outros setores da sociedade”.

A controvérsia por Aylwin e a repressão amparada pelas autoridades

Enquanto toda a mídia cobria a cínica homenagem a Aylwin, nos marcos da unidade nacional que abarcou desde a Direita até o Partido Comunista, foram milhares os estudantes que ao passar por La Moneda [palácio da presidência no Chile] denunciaram o papel que cumpriu o ex-presidente em um dos momentos mais terríveis que o povo trabalhador chileno já passou. “Adeus golpista”, foi o sentimento que percorreu entre estudantes e trabalhadores presentes.

Por sua vez, a repressão policial aconteceu quando a mobilização tinha andado uns três quarteirões. Com a aprovação da maioria da chamada Agenda Curta Anti-Delinquência, a polícia se sentiu mais empoderada para violentar os manifestantes. Em torno das 12:15, um carro lança água foi em direção aos presentes que se encontravam na calçada norte da Alameda na altura do morro Santa Lúcia. Também no final da mobilização, e inclusive durante o ato, os Carabineros com os conhecidos “guanacos” [caminhões de perseguição às manifestações] e utilizando gases tóxicos, buscaram desarticular a mobilização de milhares, reprimindo, contraditoriamente, quando integrantes da Agrupação de Vítimas de Violência Policial faziam uso da palavra no local.

Que esta mobilização não fique como um acontecimento a mais

A marcha de mais de 100 mil pessoas deixou claro que o movimento estudantil não pôde ser derrotado pelos governos e autoridades. Demonstrou que pode se impor inclusive com praticamente toda a imprensa contra e ocultando o que acontece nas ruas. Agora bem, a grande chave que esta jornada não se transforme em um “acontecimento” como o têm feito as próprias direções do movimento estudantil.

A única forma de evitar que isto aconteça é a coordenação de base ser criada entre estudantes, professores e os distintos setores de trabalhadores; uma união poderosa que se expresse em universidades, colégios e nas ruas, e que consiga articular novamente o conjunto do movimento estudantil.

As cartas já estão sobre a mesa, o Governo não cederá nem um pouco frente às legítimas demandas de milhares de pessoas, não enquanto tais setores não tomem a dianteira novamente. Isto se forma na ação, na auto-organização e coordenação; com assembleias, mobilizações, rodas de conversa e todo tipo de atividades que fomentem a discussão e a articulação. Poderá se impor a ofensiva estudantil?




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