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LUTA PELA EDUCAÇÃO | 1 mês de Ocupação da Letras: Ocupar e Resistir

A ocupação surgiu como método de promover a greve, ao mesmo tempo que mantendo o espaço aberto e vivo, permitindo a realização de atividades necessárias tanto para a politização dos estudantes, quanto impostas pela demanda dos estudantes e da sociedade. Durante esse período, gestou-se outro tipo de funcionamento da educação,o que também acarretou numa nova relação dos alunos com o prédio, e com os demais setores que compõem seu funcionamento cotidiano.

quinta-feira 23 de junho de 2016 | Edição do dia

Os alunos apropriando-se da tarefa diária de abrir o prédio para a realização das atividades,e assim também das questões de limpeza e manutenção, rompem com parte da alienação que nos separa dos trabalhadores, e invisibiliza, por exemplo, o trabalho das terceirizadas da limpeza, tantas vezes menosprezado e ignorado. Assim, atividades como o café da manhã com os trabalhadores ajudaram a estabelecer e estreitar essa aliança tão necessária, ainda mais no contexto da greve em que os dois setores se posicionam contra a os ataques a educação e a saúde públicas.

Em relação às atividades, com os próprios estudantes a frente da elaboração e organização delas, permitiu-se a construção de discussões muito mais orgânicas que rompessem o filtro elitista da Academia,e buscassem se ligar aos debates e questões urgentes da sociedade, e também que não se limitasse a rígida e tão desgastada estrutura sala de aula mestre-aluno, com isso foram realizadas também diversas oficinas, saraus e outras iniciativas inovadoras. Além da necessidade de construção de pontes de diálogo com os professores ao redor de temas comuns.

Vamos a alguns momentos, dessa retrospectiva:

Café da manhã com os funcionários

Estudantes realizam mutirão da limpeza

Mesa "Arte Contemporânea e Vozes Marginais" – Prof. Dra. Ana Paula Pacheco

A atividade sobre "Arte Contemporânea e Vozes Marginais" com a professora Ana Paula Pacheco, DTLLC, contou com cerca de 300 estudantes somando os dois dias de realização (2 e 3 de junho). No primeiro dia, o debate girou acerca do tema "A arte moderna e seu esgotamento: análises complementares sobre Cidade de Deus e Racionais MC’S". No segundo, o tema foi "Vozes marginalizadas na contemporaneidade: Os Inquilinos, de Sérgio Bianchi". Em ambos os assuntos, o que ficou muito evidente e pertinente é como a aceitação de um tipo de arte que não corresponde diretamente ao cânone precisa superar barreiras para ganhar visibilidade. Essa premissa se configura nas personagens de Cidade de Deus e Os Inquilinos, que são caracteres totalmente marginalizados por uma realidade social bastante oprimida, mas que, ao mesmo tempo, é importante para o desenvolvimento de uma cultura de massa, muitas vezes passando pela alienação.

Já sobre Racionais, pode-se ter uma ideia da temática das músicas e como o grupo sofreu (e ainda sofre) para ser aceito como arte, como música, pelo senso comum. Esta questão está diretamente ligada ao que é "representado", ou seja, a realidade pobre, criminal e violenta vivida e expressa nos trabalhos não são bem vistos por uma classe média e alta, de modo geral, que não compartilham deste mesmo ponto de vista de segregação e luta pela sobrevivência. Sem dúvidas, o que ficou de maior lição depois dessa atividade foi como a Universidade e o cânone do "bom gosto cultural" precisam ser cada vez mais debatidos e discutidos para que os alunos possam não só ter competências em obras-primas e nomes renomados da Arte e Literatura, mas possam refletir sobre o momento em que vivem e sobre a qualidade do que é produzido e representativo das margens.

Leonardo Aguiar, estudante de Letras

Mesa Pelo Fim da Cultura de Estupro!

Outra importante mesa e que demonstra a dinamicidade de uma universidade sob controle dos estudantes, foi a mesa “Pelo Fim da Cultura de Estupro!”, organizada de imediato, a partir da chocante notícia de uma garota, de apenas 16 anos, abusada por mais de 30 homens no Rio de Janeiro, que teve o vídeo do abuso espalhado pela internet. Na mesa que contou com a presença de coletivos feministas, Pão e Rosas, representado por Diana Assunção, e do coletivo Juntas!, representado por Sâmia Bonfim, e também da trabalhadora da USP, Vilma Maria, discutiu-se, como apesar de chocante o caso não surpreende, pois sabemos que é fruto de uma sociedade machista e patriarcal que perpetua a cultura de estupro, onde nós mulheres não temos direito ao nosso próprio corpo e somos violentadas diariamente. Como, em mais uma evidência da cultura de estupro, não só as primeiras repercussões foram no sentido de culpabilizar a vítima, como a própria investigação partiu dessa abordagem, que resultou até no afastamento do delegado responsável. Assim como todas as atividades que trataram da questão das mulheres os homens que estão compondo a ocupação foram orientados a estarem na atividade como política para desconstruir a ideologia machista que é reproduzida inconscientemente. Após a realização da mesa as mulheres da faculdade de letras foram ao ato no vão do MASP com um bloco das estudantes de letras levando uma faixa contra a cultura do estupro e um boneco do Alexandre Frota, que foi queimado, representando que nenhuma mulher irá aceitar um estuprador confesso no ministério da educação. A conformação de um bloco também mostra que a ocupação da letras não se constrói apenas na bolha da USP, mas busca se ligar a todas as lutas em curso e se colocar na rua para além dos muros da USP.
Chega de mulheres violentadas, agredidas e mortas! Não aceitaremos nenhuma a mais!

Gabriela Farrabrás, estudante de Letras

Sarau das Minas

O sarau das minas surgiu com a proposta de trazer para dentro da ocupação da Letras o debate sobre a literatura feminina. Ele foi organizado e conduzido por mulheres e a regra era que a participação seria aberta para todas e todos, com a condição de que tudo o que fosse reproduzido fosse de autoria feminina. Foi muito interessante, tivemos contato com autoras como Ana Cristina Cesar, Noêmia de Sousa, Wislawa Szymborska, a dramaturga Sarah Kane, além das próprias autoras da ocupação. A experiência foi muito enriquecedora e trouxe à tona não somente a discussão do papel da mulher dentro da literatura através de uma perspectiva feminista, como também permitiu que quem participasse tivesse uma dimensão palpável e acessível dessas influências dentro de produções contemporâneas, executadas com maestria pelas poetas presentes no sarau, o que geralmente fica imerso dentro da bolha da universidade. Acho que isso acontece porque o curso de letras tende a afogar seus estudantes em uma visão objetiva de literatura, reduzindo-a a objeto de estudo, e deixando de lado o potencial de criação literária que existe nesse nicho. É muito importante que as pessoas, em um, geral enxerguem a literatura não como adereço e conteúdo de vestibular, mas como uma visão de mundo em uma perspectiva histórica, um reflexo das nossas vivências e um caminho de expressão diante de todas as problemáticas que uma vida carrega. O que, enquanto mulher, é muito importante na constituição do que eu sou.

Ana Calderaro, estudante de Letras

Mesa Contratações já!

Um dos eixos da greve, juntamente com Cotas e Permanência, foi a urgente necessidade da contratação, tanto de professores quanto de funcionários, congeladas desde a posse do reitor Zago. Na mesa composta por um estudante, um professor, e uma funcionária, foi retomada a histórica greve de 2002 que conseguiu arrancar da reitoria, que antes havia proposto a pífia contratação de 12 professores para todo o conjunto da FFLCH, a admissão de 96 docentes. Além da retomada desse importante exemplo de luta e conquista, também foi discutido o dossiê elaborado pelos estudantes trazendo o levantamento do atual quadro de docentes, com as perspectivas de aposentadorias futuras. A situação apresentada é extremamente alarmante, como no exemplo do Departamento de Letras Modernas, que atualmente conta com 69 professores, e pode ter esse número reduzido para 46, já a partir de 2018. Foi colocado como em 2002 e novamente agora, o que esses números expõem são o sucateamento da universidade, por meio de ações como o PIDV (Plano de Incentivo a Demissão Voluntária) e a extinção do gatilho de contratação automática dos professores, e o avanço de um projeto neoliberal sob os direitos democráticos à educação e saúde.

Yuri Marcolino, estudante de Letras

Mesa Greve na Mecano Fabril e a Retomada do Movimento Operário

Ficou evidente através dos relatos, que nos últimos anos os trabalhadores da indústria vêm sofrendo uma série de ataques às condições de trabalho e ao emprego, e que os planos dos capitalistas e do governo ilegítimo de Temer é fazer com que a classe trabalhadora pague pela crise. Neste bojo, ocorre hoje em Osasco um processo de desindustrialização, com a redução drástica do número de operários nas montadoras de autopeças.
Diante desta situação, os trabalhadores têm dado importantes lutas para responder. De 2014 para cá tivemos a maior onda de greve dos últimos 30 anos e no início desse ano algumas ocupações de fábrica contra o fechamento das mesmas (Mabe, Mardel e Karmann Ghia). Além dos próprios operários de Osasco, que fizeram greves para defender seus direitos.Também foi feita a discussão da importância estratégica dos trabalhadores da indústria na luta de toda classe contra os capitalistas.

Juca Lima, estudante de Letras




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