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Análise política | 1º de maio esvaziado de Lula é produto da conciliação de classes

Na manhã de 1º de maio, enquanto o sol despontava por entre as nuvens, o que se via não era um mar de pessoas agitando bandeiras vermelhas e entoando cânticos de luta, como um certo tipo ideário poderia esperar.

Danilo ParisEditor de política nacional e professor de Sociologia

sexta-feira 3 de maio | Edição do dia

Não, o que se via era um punhado de indivíduos dispersos, uma imagem pálida, para não dizer melancólica.

A cena despertou inúmeras discussões de setores diferentes. Todos buscando uma explicação sobre o porquê o 1º de maio de Lula havia se transformado em um fiasco tão flagrante.

Lá do alto do palanque, Lula parecia tentar encontrar um culpado para o cenário evidentemente constrangedor. Apontava para o secretário-geral da presidência, numa tentativa de transferir a responsabilidade pelo fracasso da convocação do evento.

Mas como as espumas que se formam na crista das ondas, o fracasso do 1º de maio revelava profundezas que escapavam à superfície. Havia mais do que mera desorganização ou desinteresse da classe trabalhadora em jogo.

A explicação residia em razões políticas. Ao contrário do que diz a grande mídia, como o editorial do Estadão, o problema não era que diante de uma classe trabalhadora precarizada o PT insiste com os velhos métodos sindicais e fala mal da reforma trabalhista. Pelo contrário: como convocar entusiasticamente um dia do trabalhador quando o próprio governo promove ataques históricos contra os direitos dos trabalhadores? Uma reforma trabalhista mantida e sustentada pelo governo, um projeto de lei que legaliza a uberização aumentando a precarização do trabalho, um reajuste salarial de 0% para professores e funcionários técnicos-administrativos das universidades federais em um ano inteiro – eram afrontas que não podiam ser ignoradas.

Tudo isso dentro de um contexto ao qual começam a se expressar experiências iniciais da classe trabalhadora contra a burocracia sindical, que teve o seu exemplo mais categórico na revolta anti-burocrática dos professores do Ceará, que tiveram que passar por cima de sua direção para aprovar uma mobilização.

Como tentar entusiasmar as pessoas a ir em um ato pensado para uma disputa meramente eleitoral, quando sua vida cotidiana é marcada por uma precarização cada vez maior, por um salário que não chega ao fim do mês, uma jornada de trabalho exaustiva? Quando os índices econômicos positivos que o governo celebra expressam mais os ganhos dos patrões do que a melhora real na vida da classe trabalhadora?

Acima de tudo: como mobilizar trabalhadoras e trabalhadores para um ato de primeiro de maio - que não esteve a serviço de defender nenhum interesse da classe trabalhadora - num contexto em que todo o trabalho realizado pelas centrais sindicais nos últimos anos é o de desmobilizar a classe e buscar convencer de que é preciso aceitar tudo passivamente, de que o governo está acuado e vítima da direita (fortalecida por sua própria política) que segue como ameaça, frente à qual é preciso engolir tudo como está?

Fora o fato grotesco de os organizadores do ato terem convidados notórios inimigos dos direitos dos trabalhadores, como Tarcísio de Freitas, Ricardo Nunes, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

O choque entre a forma e o conteúdo era tão evidente que nem mesmo os apoiadores mais fervorosos do governo conseguiam sustentar o entusiasmo pelo evento. Até mesmo os esforços cômicos de algumas organizações, como a Resistência (corrente do PSOL), em validar a submissão ao projeto lulista, não podem esconder o que de fato representou aquele dia.

O fiasco do 1º de maio é mais do que uma simples questão de expectativas não atendidas. É um reflexo das contradições de uma política de conciliação de classes, que, mais uma vez, privilegia os interesses das classes dominantes em detrimento da classe trabalhadora.

Enquanto os inimigos da classe trabalhadora celebravam, os trabalhadores se viam ridicularizados e atacados. O que historicamente se consolidou como um dia de luta pelos direitos dos trabalhadores naquele ato foi um triste espetáculo de servilismos aos interesses do capital financeiro.

E no final, a coroa de flores da festa que mais se parecia a um funeral foi o anúncio do apoio de Lula à candidatura de Boulos-Marta, simbolizando a articulação de uma chapa que irá reproduzir em nível municipal as engrenagens da conciliação de classes.

Não fosse o ato organizado em frente ao teatro Municipal - convocado por organizações que defendem uma perspectiva de independência política do governo de Frente Ampla, entre elas nós do MRT - o 1o de maio teria perdido até mesmo uma demarcação política da defesa dos interesses dos trabalhadores.

Ainda que um ato pequeno, por não contar com os monstruosos recursos e aparato das grandes centrais, foi uma importante afirmação política. De que é necessário construir uma alternativa de independência de classes, que lute pela revogação de todas as reformas que atacam os direitos de trabalhadores, e se proponha a enfrentar os novos ataques, como o Arcabouço Fiscal e a PL da uberização.

Do contrário, a classe trabalhadora poderá perder até mesmo a importância dos seus dias históricos.




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